Movimentos populares protestam contra anúncio de paralisação da política habitacional rural

Ministério das Cidades afirma que a meta de unidades disponibilizada em 2016 será de 18 mil, número alcançado em maio deste ano. A meta inicial para o ano era de 35 mil unidades

 

Ato dos movimentos campesinos em frente ao Ministério das Cidades. Foto Bruno Pilon.jpg
Ato dos movimentos campesinos em frente ao Ministério das Cidades. Foto Bruno Pilon

 

Por Lizely Borges
Da Página do MST

 

Movimentos populares do campo manifestaram reprovação ao anúncio do ministro das Cidades, Bruno Araújo (PSDB), em reunião realizada no dia 06 de setembro em Brasília-DF, de rebaixamento da meta de disponibilização de moradias para a população do campo. A meta estabelecida para 2016 era, inicialmente, de 35 mil unidades para a população de baixa renda pela faixa 1 do Programa Minha Casa, Minha Vida (MCMV). Na reunião com o Ministério para apresentação das reivindicações dos movimentos campesinos durante a Jornada Nacional das e dos Trabalhadores Rurais, das Águas e Florestas, valendo do argumento de contingenciamento do orçamento público como resposta à crise econômica, o ministro afirmou que a meta passaria a ser de 18 mil unidades. 

Este número representa o total de contratos firmados até maio deste ano, antes do afastamento da presidenta destituída Dilma Rousseff (PT). Com este anúncio o ministro afirma, desta forma, que em 2016 não será disponibilizada mais nenhuma moradia à população do campo pela política de habitacional rural. Como os contratos das 18 mil casas estão em tramitação, a proposta do ministro restringe-se a auditar os contratos já firmados para identificar irregularidades. 

“Estamos escutando da mesa a impossibilidade de contratação em 2016.  Dezoito mil já foram contratadas. Não adianta auditar as 18 mil que já foram contratadas. O problema que estamos denunciando é que em 2016 não haverá contratação”, denuncia o secretário de Políticas Agrícolas da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), Arnaldo Britto.

A fala do ministro contraria a afirmação feita no dia anterior pelo chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha (PMDB), aos movimentos populares. Em audiência com o governo federal, ao ser questionado pelas lideranças dos movimentos sobre a efetivação da meta da faixa 1 do Programa, Eliseu afirmou que as 35 mil unidades estavam asseguradas como meta para 2016.

Movimentos populares pressionam Ministerio da Cidade para fortalecimento da política habitacional rural. Foto Bruno Pilon.jpg
Movimentos populares pressionam Ministerio da Cidade para fortalecimento da política habitacional rural. Foto Bruno Pilon

Déficit habitacional x meta habitacional 2017

Na reunião com Ministério das Cidades Araújo apresentou como meta para 2017 o número de 35 mil unidades rurais para a faixa 1 pelo Programa Minha Casa, Minha Vida. O número, ainda que seja o dobro da realidade presente para este ano, preocupa os movimentos. 

De acordo com o levantamento Estimativas do Déficit Habitacional Brasileiro (PNAD), o ultimo mapeamento realizado em âmbito nacional, o déficit habitacional no campo era, em 2012, de 741.953 mil domicílios. O mapeamento aponta que cerca de 67% do déficit refere-se a precariedade da habitação – domicílios improvisados ou rústicos, casas ou apartamentos feitos predominantemente de taipa não revestida, palha ou madeira aproveitada. 

Para o integrante responsável pelo setor de produção do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST), Daniel Vieira, a efetivação do direito à moradia a um reduzido número de trabalhadores com a meta de 2017 reserva ao campesino a permanência da dificuldade de acesso à outras políticas públicas agrárias. “O orçamento sempre foi um problema, escutamos isso há tempos. Não é novo. Para a realidade dos assentamentos da Reforma Agrária, o não acesso à moradia impede o acesso a outras políticas públicas como o crédito. Uma política pública não pode inviabilizar  a outra – se ele não acessou moradia, ele não pode acessar o credito. Dobrar o orçamento para o próximo ano não passa nem perto do déficit habitacional no campo”, diz.

O mesmo estudo do PNAD aponta que houve uma redução em 25% do déficit habitacional de 2012 em relação ao ano de 2007. Como o primeiro programa habitacional com ações para o campo, o Programa Minha Casa, Minha Vida, foi lançado só em 2009 e a faixa 1, que cobre 90% de subsídio do valor do imóvel, representa um baixo número de moradias do Programa, uma das conclusões possíveis é a de que a população rural mais empobrecida tenha, neste período, migrado para a área urbana. 

Na avaliação dos movimentos a paralisação ou baixa meta da política habitacional para 2017, aliada à obstrução de políticas públicas agrárias com as medidas adotadas pelo governo de Michel Temer (PMDB), pode intensificar o êxodo rural em curso.“Antes financiaram a casa do boi, do terneiro, mas não tinha condição de fazer um financiamento para nós. A interrupção do Programa ou as baixas metas trazem um grande prejuízo para nós. As pessoas estão indo embora. A casa não é só uma casa, ela fixa as pessoas no meio rural”, pondera Arnaldo. A liderança refere-se ao fato de que anterior à política habitacional rural o governo federal desenvolveu políticas públicas de financiamento para aquisição de animais, como o Crédito Pronaf.

Em março, no lançamento da terceira fase do Programa, a meta inicial era de 500 mil unidades para faixa 1 para o campo e cidade. Esta faixa, a mais demandada pela população rural, é destinada a famílias com renda mensal de valor limite de R$ 1.800,00 e prevê que os beneficiários paguem prestações mensais de até R$ 270, de acordo com a renda, sem juros e durante 10 anos. Com a paralisação de liberação de moradias neste ano e baixa meta para 2017 a moradia rural volta a um lugar de baixo orçamento e prioridade na ação do estado brasileiro. 

“Se pegarmos número de moradias para o campo está aquém do que vai para o urbano. Queremos que [o governo] dê relevância para suprir aos poucos o déficit. Se não vamos gastar algumas décadas para suprir este déficit. Temos que ser ousados, respeitando o orçamento, mas possibilidade de estruturação no próximo período”, defende o coordenador do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), Anderson Amaro. 

Retomada do Grupo de Trabalho de Habitação Rural

Outra reivindicação defendida pelos movimentos populares é a retomada do grupo de trabalho de habitação rural, paralisado em abril deste ano. Vinculado ao Ministério das Cidades, o espaço de caráter consultivo é entendido pelos movimentos como canal necessário à participação direta dos sujeitos mais interessados na política para a moradia no campo. Até sua paralisação o GT contava com participação de representantes de movimentos populares, agentes financeiros, Incra e Ministérios das Cidades, Desenvolvimento Social e Desenvolvimento Agrário, este último extinto durante o governo interino de Michel Temer. 

Para os movimentos, a eficácia do Programa só foi possível com a contribuição dos movimentos populares – grandes conhecedores das realidades do campo. O coordenador geral da Federação Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras da Agricultura Familiar (Fetraf), Marcos Rochinski, recorda o reconhecimento do governo federal para a contribuição dos movimentos para a eficácia do Programa para a população rural: “Ontem vocês diziam das qualidades das casas rurais. Quem construiu, deu primeiros passos e ensinou o estado a executar a política habitacional rural foram os movimentos sociais. Temos orgulho de ter construído um programa de habitação rural. A gente preza muito por isso”, diz. 

Marcos complementa que a continuidade da eficácia de políticas rurais está necessariamente vinculada à participação dos movimentos e defende a transformação do grupo de trabalho em Conselho permanente, não mais vulneráveis à ações de gestões. “O fato de ter sido ventilado de não mais existência de GT rural, um espaço de relacionamento de entidade rurais, cria um mal-estar muito ruim. O senhor quer efetividade no Programa faça parceria com esse povo – o que de melhor qualidade tem no programa. Quer tornar esse Programa mais exitoso transforme o grupo de trabalho num conselho de habitação rural. Dê ao Programa de habitação o status de habitação e não apêndice que é no MCMV”, complementa.

Os movimentos destacaram que o objeto de debate pelo grupo de trabalho não se limita à construção de casas, mas a estruturação das condições para uma moradia digna, tal como saneamento e cisternas.

Alterações nas Portarias

Outro ponto sensível nas reivindicações dos movimentos é a necessidade de revisão das Portarias 172 e 235, ambas publicadas em 2016, 12 de maio e 09 de junho, respectivamente. A primeira trata da regulamentação do MCMV nesta terceira fase. E a segunda dispõe sobre a habilitação das entidades sem fins lucrativos no desenvolvimento no Programa. Entre diversos pontos a serem revisados pelo Ministério, as lideranças presentes destacam a necessidade de alteração da atribuição dos movimentos populares como fiscalizadores das obras no campo pelo Minha Casa, Minha Vida Entidades.

“Apresentamos propostas de mudanças e não nos foi ouvido. Na obrigação de fiscalizarmos a obra há contradição porque somos executores da obra. Sem falar que não temos condição técnica para fiscalizar a obra”, pondera Arnaldo. Os movimentos defendem que a fiscalização seja feita pelos agentes financeiros.

Outra alteração reivindicada trata das exigências de documentos apresentados por posseiros de terras públicas e privadas. Muitos deles não dispõem dos documentos, o que os excluem como beneficiários do Programa. “A portaria não atende a posseiros. É preciso um parecer favorável da Justiça a quem está 30, 40 anos na terra”, completa o coordenador do Movimento Camponês Popular (MCP), Denis Lucas Gonçalves.

Movimentos campesinos apresentam pauta de reivindicação ao Ministério das CidadesFoto Patrícia Costa.jpg
Movimentos do campo marcham pela Esplanada em direção ao Ministério das Cidades. Foto Bruno Pilon

Novas agendas

O Ministro comprometeu-se com os movimentos populares a retomar o grupo de trabalho em reunião em outubro e a revisar as portarias para incluir as proposições feitas pelos movimentos. “O objetivo da reunião era o de retomar o diálogo com o Ministério, assim como havíamos feito com o governo anterior. Com exceção da retomado do grupo de trabalho e o debate sobre a alteração das portarias, saímos decepcionados.

No detalhamento da pauta foi desdito o que foi confirmado na reunião com Casa Civil [sobre metas de moradias rurais]. Não tendo efetividade dos compromissos firmados não há outro caminho senão mobilizar”, avalia Marcos.