Os desafios da agroecologia desde dentro

Integrantes de diversos movimentos sociais da América Latina se reúnem na ELAA, no município da Lapa (PR), para discutir os desafios da agroecologia

 

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Por Michele Torinelli/Vida Boa e Laís Rossatto/ELAA​

Patriarcado, empoderamento das mulheres, divisão sexual do trabalho. Produção, distribuição, cooperativismo. Culturas tradicionais, diálogo de saberes e buen vivir. Sementes crioulas, soberania alimentar, saúde na mesa. Juventude, autoestima camponesa, integração das lutas sociais. Organização popular, transição agroecológica e reforma agrária. Teoria, prática e práxis. Resistência e revolução.

Esses foram alguns dos desafios da agroecologia levantados por integrantes de diversos movimentos sociais da América Latina, no Seminário de 11 anos da Escola Latino Americana de Agroecologia (ELAA), localizada no município da Lapa, no Paraná.

Os participantes se reuniram em grupos e depois compartilharam a síntese dos debates. O ponto de partida foi a realidade de cada um. Honório compartilhou a experiência da cooperativa Terra Livre, do Assentamento Contestado, em que a produção dos agricultores locais é escoada por meio de convênios com o Estado, que distribui esses alimentos para escolas, creches e hospitais. Ele conta que a cooperativa só trabalha com agricultores que possuem certificação orgânica, mas entende que é preciso buscar outras formas de distribuição para garantir a autonomia da cooperativa.

Para enfrentar esse desafio, a cooperativa está construindo uma estratégia para venda de cestas de alimentos em Curitiba e algumas feiras, que já foram realizadas em paróquias da cidade. “A receptividade foi bem grande”, afirma Honório.

Já Maria Arlete, da comunidade quilombola de Palmas (PR), fala da importância da valorização dos saberes tradicionais, “que não quer dizer voltar ao passado”, esclarece. Ela lembra que esses saberes relacionados à agricultura, às ervas medicinais, aos ciclos naturais e ao convívio social como um todo já foram tombados como patrimônio histórico – cabe a nós reconhecer, aplicar e disseminar esse arcabouço cultural. Para isso é importante incluir essa temática na educação escolar, como é feito nas duas escolas estaduais em comunidades quilombolas no Paraná.

Companheiras e companheiros internacionalistas trouxeram a experiência de seus países. Ernesto, do Instituto de Agroecologia Latino Americano Paulo Freire, da Venezuela, conta que grande parte dos egressos se afasta dos movimentos em sua trajetória profissional. Ele defende que para mudar isso é preciso contar com professores que contribuam com formação política e social. “Conhecimento técnico é fácil achar quem tenha, é preciso ir além”, entende. Uma solução seria criar uma rede para que os egressos contribuam com formação nas bases.

Paola, do Movimento Campesino da Argentina, relata que a escola de agroecologia de lá não foi reconhecida como ensino formal pelo Ministério da Educação, mas como não-formal. “Foi um grande debate dentro do movimento se queríamos ou não o reconhecimento oficial”, problematiza a militante. Ela também aponta para a necessidade de recuperar a autoestima do camponês, pois tudo que vem do campo é rotulado como atrasado. Paola acredita que a importância da origem e da qualidade do que comemos pode auxiliar nesse processo de valorização do campo.

Baseada na vivência das lutas camponesas do Chile, Isabel Armijo, militante da Asociación Nacional de Mujeres Rurales e Indígenas (ANAMURI), ressalta o reconhecimento a ser feito dos saberes detidos pelas mulheres, que contribuem na construção da agroecologia, principalmente no que se refere à alimentação das próprias famílias, e pouco são valorizadas por isso.

Outra importante questão que Isabel lembra é o direito às sementes crioulas, que já estão sendo patenteadas pelas transnacionais no país e colocando em risco a livre reprodução dessas sementes que são, antes de tudo, patrimônio da humanidade.

Tendo em vista esse panorama de desafios, percebemos a grandeza das transformações que os movimentos sociais do campo se propõem ao adotar a agroecologia como bandeira de luta. A agroecologia é um novo modo de vida e para vivê-la é necessário romper com antigos paradigmas e seguir com passos firmes rumo a um mundo melhor, o que exige muita coragem. A força das companheiras e companheiros que ousam encarar essa batalha irradia e dá esperança para seguirmos, juntos, na luta.

AGROECOLOGIA É REVOLUÇÃO!