Cercados pelos três Poderes, manifestantes reivindicam a restauração da democracia

Enfrentamento às reformas e à condenação de Lula também foram pautas do ato em Brasília.
Manifestantes de reuniram na Praça dos Três Poderes. Foto Mídia Ninja.jpg
Manifestantes de reuniram na Praça dos Três Poderes. Foto Mídia Ninja

 

Por Lizely Borges
Da Página do MST

 

Com críticas às medidas adotadas pelo governo de Michel Temer (PMDB) para a conformação de um Estado reduzido para a população, com o esvaziamento dos direitos sociais, e amplificado para o mercado, integrantes de movimentos populares, de centrais sindicais, de partidos de alinhamento à esquerda e servidores públicos participaram na noite desta quinta-feira (20), em Brasília, de ato público em defesa da democracia e contra a condenação do ex-presidente Luiz Inácio da Silva pelo juiz de 1ª instância, Sérgio Moro.

Organizadas pela Frente Brasil Popular (FBP) em diversas cidades do país, as mobilizações ganham novos elementos de contestação com os fatos recentes na política nacional. Na mesma data o Ministério Público Federal (MPF) determinou o bloqueio de R$ 9 milhões depositados em planos de previdência privada do ex-presidente. Além do montante, bens de propriedade de Lula, como carros e apartamento, também foram confiscados. O sequestro do montante e dos bens seria destinado, segundo o MPF, para reparar danos à Petrobrás no processo em que ex-presidente foi condenado a pena de 9 anos e 6 meses por decisão de Moro, no âmbito da Operação Lava Jato. O recente confisco reforça argumentos dos apoiadores do petista de que Lula sofre uma perseguição político-jurídica, com ações sem sustentação jurídica. 

A denúncia contra a atuação do Judiciário teve forte acento nos atos desta quinta-feira. No entanto, as sombras recentes da aprovação da reforma trabalhista, sancionada por Temer no último dia 13, e a rejeição ao parecer pela continuidade da denúncia contra Temer, por crime de corrupção passiva, neste mesmo dia, pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJC) da Câmara ainda paira sobre os manifestantes. “A classe trabalhadora está nas ruas em solidariedade ao Lula e pela defesa do direito dele participar das próximas eleições, mas sobretudo nossa tarefa é fazer a luta contra as reforma que estão aí. A reforma trabalhista já foi aprovada e da previdência deve entrar em curso nos próximos dias”, defende o membro da coordenação nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Alexandre Conceição. A pauta da reforma da previdência deve ser apreciada pelo Plenário da Câmara logo após o retorno do recesso parlamentar. 

Poder popular

Reunidos na Praça da República, e cercados pelo imobiliário que responde pelos três poderes – o Congresso Nacional, Supremo Tribunal Federal (STF) e o Palácio do Planalto – os participantes do ato na capital federal destacaram como os poderes constituídos tem servido à fragilização da democracia. “O povo brasileiro, mais do que as elites, lutaram muito para que o Judiciário e Legislativo tivessem outro valor e que pudéssemos eleger, pelo voto direto, alguém que o povo escolha”, comenta o integrante da FBP, Marcelo Didonet, apontando em direção ao Palácio do Planalto, sede do poder executivo federal.

Para ele a destituição da ex-presidenta Dilma Rousseff e a imposição de uma agenda de austeridade evidencia a necessidade de construção de bases mais sólidas de um poder popular, não vulnerável à ações articuladas de setores do capital nacional e internacional. “Temos o simbolismo da gente estar aqui [Praça dos Três Poderes] e em meio aos poderes afirmar a necessidade de um outro poder que a gente precisa consolidar no Brasil para avançar nas transformações, que é o poder popular. Nós precisamos sim, com toda força, garantir a eleição e melhorar o voto, mas temos que construir o poder popular porque senão a gente ganha as eleições e sofremos o golpe de novo”, diz em referência

Fragilização da democracia

Para a juventude presente no ato, a ocorrência da criminalização da ação política e o cerceamento à participação popular são fatos experimentados com intensidade no último ano. “Nos últimos anos, pelas políticas adotadas, a gente pode entrar mais nos espaços de poder, pode participar, acessar a universidade e agora isto agora está sendo retirado”, lamenta o integrante do Levante Popular da Juventude, Tobias Pereira. 

Assim como a juventude, as mulheres são intensamente afetadas pela adoção de uma política de austeridade. “As mulheres sempre são mais atingidas, um exemplo é a proposta contida na reforma da previdência”, aponta a integrante do Movimento de Mulheres Camponesas. Pela proposta em tramitação no Congresso, a idade mínima de aposentadoria das mulheres é elevada, desconsiderando as especificidades das múltiplas jornadas de trabalho da população feminina. 

Outra população que sente com força a diminuição do Estado é o campo. Desde a extinção do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), em maio de 2016, e a redução do orçamento destinado às políticas agrárias, como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), que o campo experiência um contexto de progressiva vulnerabilidade.

Para o membro da coordenação nacional do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), Bruno Pillon, as ações dos poderes levam ao grave cenário rural da década de 90, de ampla desassistência ao trabalhador rural. “A gente volta a ter o mesmo sentimento no início do período neoliberal, onde não tinha nenhum direito. Retornamos ao momento de abandono total do Estado. Voltamos a não ter espaço para comercialização dos alimentos, acesso à crédito, à educação. A gente sente a mão fria do neoliberalismo tocar em nossos corpos”, lamenta em referência à política de governo que defende a liberdade total ao mercado e ausência do Estado na efetivação de políticas voltadas à população.

“Mais do que nunca sentimos a repressão da forma mais covarde. Vemos companheiros sendo assassinados. Faz uma semana um trabalhador quilombola foi assassinado às 15h quando trabalhava na roça, na frente dos familiares”, problematiza Bruno. O assassinato de José Raimundo Mota de Souza Júnior, 47º trabalhador rural assassinado neste ano, revela o contexto de convulsão social no campo e floresta.

Na avaliação dos manifestantes o congelamento dos gastos sociais, pela aprovação da Emenda Constitucional 95 (anterior PEC 55/241), inaugurou a intensificação da política de redução do recurso público ao conjunto das políticas sociais. “Hoje o pobre foi tirado do orçamento. O orçamento que vem bolso do povo não volta para o povo, está direcionado para sistema financeiro e multinacionais”, lamenta o coordenador do Observatório de Políticas Públicas da Comissão Brasileira de Justiça e Paz (CBJP), Márcio Contigo. Ainda com forte oposição popular, a Emenda Constitucional foi promulgada em dezembro do ano passado e congela, por 20 anos, o recurso destinado à políticas das áreas de saúde, educação, assistência social e outros.