Cooperativa do MST aposta em planejamento estratégico para enfrentar crise econômica

Plano de ações foi apresentado pela Cooperativa dos Trabalhadores Assentados da Região de Porto Alegre (Cootap) em assembleia geral, na última terça-feira (1º).
Assembleia geral aprovou o planejamento estratégico para enfrentar a crise econômica.jpg

Por Catiana de Medeiros
Da Página do MST
Fotos: Caco Argemi

O enfrentamento da crise econômica por meio do planejamento estratégico tem sido prioridade para a Cooperativa dos Trabalhadores Assentados da Região de Porto Alegre (Cootap), que tem sua sede administrativa no Assentamento Integração Gaúcha, no município de Eldorado do Sul, a 16 quilômetros da Capital do Rio Grande do Sul. Uma das medidas adotadas é a busca de novos mercados para a comercialização de alimentos das 1600 famílias associadas.

A construção dos próximos passos ocorreu num trabalho de aproximação, nestes últimos cinco meses, da Cootap com seus associados, através de assembleias nas microrregiões onde há atuação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e de reuniões do conselho deliberativo. O resultado das avaliações conjuntas do primeiro semestre e as ações para os próximos meses foram apresentados nesta terça-feira (1º), em assembleia geral. Na ocasião, Cedenir de Oliveira, dirigente estadual do MST, falou sobre as conjunturas política e econômica. Ele definiu o atual momento como “complexo e de resistência” para a esquerda e a classe trabalhadora, especialmente nos países da América Latina.

“No Brasil o projeto de conciliação de classes, que resultou em distribuição de renda e ganhos para todos, inclusive o capital, se esgotou com a crise econômica, gerando uma crise institucional. A burguesia tirou Dilma da presidência e hoje, com Temer, há derrotas das conquistas que obtivemos nos governos de esquerda. Ocorreram retrocessos tremendos na Saúde e Educação e em programas como o PAA [Programa de Aquisição de Alimentos]. Agora há mais de 14 milhões de desempregados e a diminuição do Estado. Portanto, este é um período de resistência para não sermos rebaixados”, explica Oliveira.

Segundo o dirigente, entre os principais desafios dos trabalhadores está a construção de uma “força real e da massa”, que seja capaz de barrar os retrocessos e de fortalecer o controle sobre os seus territórios. Neste sentido, Oliveira aponta a Cootap como uma ferramenta fundamental para organizar os assentamentos da Reforma Agrária, conquistados na luta pela terra, nos aspectos produtivo e econômico. “Precisamos nos organizar para sobreviver nas cadeias produtivas, porque estamos em meio a uma crise econômica onde há superprodução, ao mesmo tempo em que ocorreu a diminuição do consumo. O nosso desafio é superar esse momento histórico. Temos total convicção de que vamos sobreviver e resistir devido nossa base”, argumenta.

Organizada por setores, hoje a Cootap tem em suas principais linhas de produção o arroz orgânico, cultivado por cerca de 600 famílias em 22 assentamentos e 16 municípios gaúchos; o leite in natura e em pó, que envolve a produção de 96 famílias; e as hortaliças, que chegam especialmente aos mercados institucionais e em feiras públicas e particulares da região Metropolitana, a partir do trabalho de cerca de 200 famílias. Além disto, parte destes alimentos é comercializada na Feira Nacional da Reforma Agrária, na Feira Latino-Americana de Economia Solidária e no Mercado Público de Porto Alegre.

Mas, com a atual conjuntura brasileira, uma das preocupações da cooperativa diz respeito às vendas institucionais, uma vez que alguns governos municipais, através de articulação política, passaram a dar preferência aos produtos com agrotóxicos em vez dos orgânicos para alimentar os estudantes, em algumas situações deixando de cumprir a Lei nº 11.947, que recomenda a aquisição de pelo menos 30% dos produtos da agricultura camponesa e familiar para a merenda escolar.

Um exemplo é que a prefeitura de São Paulo, na gestão de João Doria (PSDB), deixou de comprar para a merenda escolar do município neste último período em torno de 1 mil tonelada de arroz orgânico do MST, que hoje é conhecido como o maior produtor do alimento na América Latina. “A prefeitura vai comprar arroz convencional, então nós, que produzimos orgânico, estamos fora. As ferramentas de comercialização existem, eles só mudaram o foco. A prioridade deles agora é outra”, avalia o assentado Marcos Vanderlei dos Santos, do setor financeiro da Cootap.

Santos também afirma que no primeiro semestre deste ano não ocorreram novas contratações de projetos por meio de PAA, programa que somente no ano de 2016, via Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), teve corte de R$ 5,7 milhões e em 2017 de R$ 1,1 milhão. “É um momento de dificuldade econômica, mas a cooperativa não está mal, nem quebrada. Para enfrentar essa crise precisamos comercializar nossa produção e fazer contenção de gastos. Temos grandes apostas em chamadas públicas da Conab, que, se derem certo, nos possibilitarão vender cerca de um milhão de quilo de arroz para seis ou sete estados brasileiros”, revela.

Outras ações

A Cootap quer ser referência no Brasil na organização socioeconômica da produção, agroindustrialização e comercialização de alimentos produzidos com base agroecológica. Para isto, investe no planejamento estratégico como ferramenta de gestão para o funcionamento da cooperativa em suas instâncias e atividades econômicas. Hoje, esta forma de organização, que culmina na reorganização dos seus setores de produção, continua sendo a sua principal aposta para o próximo período (2017/2018), sobretudo para vencer a crise econômica.

Na área do leite o objetivo da Cootap é organizar os grupos de produção, inclusive com a inserção de novas famílias, aumentar a quantidade produzida e melhorar a qualidade do alimento. Para isto, a cooperativa promoverá capacitações e colocará no debate com os associados a experiência de leite orgânico. Já no setor das hortas o intuito é fortalecer a agroindústria vegetal do Assentamento Itapuí, construída em 2016 no município de Nova Santa Rita, também na região Metropolitana de Porto Alegre. Os produtos minimamente processados e higienizados, como geleias e kits sopas, já são vendidos nas feiras orgânicas do Parque da Redenção e dos bairros Auxiliadora, Três Figueiras e Petrópolis, além de alguns shoppings da Capital. Também são entregues às escolas municipais de Nova Santa Rita. De acordo com Santos, a Cootap vai buscar novos espaços de comercialização e aumentar a diversidade de produção da agroindústria.

Para o assentado Emerson Giacomelli, presidente da cooperativa, o planejamento estratégico construído em conjunto com as famílias associadas ajudará no enfrentamento da crise política e econômica que atinge vários setores do país. Conforme ele, é prioridade para a Cootap manter todas as suas atividades produtivas. “Temos consciência do momento que estamos passando e dos desafios que nos esperam. É nas situações difíceis que percebemos o valor do planejamento, da gestão, da cooperação e da unidade política. O nosso compromisso para o segundo semestre é continuar organizando os assentamentos e fazendo a luta política e de projeto de sociedade. Essa tempestade vai passar e nós vamos continuar gerando vida e lutando por mais direitos a todos”, declara.