Justiça Federal promove a impunidade sobre o crime ambiental de Mariana

MAB repudia decisão da Justiça Federal de Ponte Nova, na Zona da Mata Mineira, que suspendeu os processos criminais contra 22 pessoas e as empresas Samarco, Vale, BHP Billiton e VogBR, responsáveis pelo crime ambiental de Mariana.
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Por Leonardo Fernandes
Da Página do MST

 

Quase dois anos depois do maior crime socioambiental da história do Brasil, e dadas as dimensões, um dos maiores do mundo, a Justiça Federal de Ponte Nova, na Zona da Mata mineira, decidiu no último dia 7 de agosto, suspender os processos criminais contra 22 pessoas e as empresas Samarco, Vale, BHP Billiton e VogBR, por causa do rompimento da barragem de Fundão, em Mariana, em novembro de 2015.

O despacho, assinado pelo juiz Jacques de Queiroz Ferreira, atende ao pedido dos advogados de defesa dos réus, sob a alegação de que a quebra do sigilo telefônico dos acusados teria ultrapassado o período autorizado pela justiça.

O magistrado disse ainda na decisão que a defesa dos réus levantou “duas graves questões que podem implicar na anulação do processo desde o início” e, por isso, determinou a suspensão do processo até que se tenha uma decisão sobre os dois questionamentos.

Em nota, o Ministério Público Federal (MPF) rebateu o argumento do juiz e afirmou que “as interceptações indicadas pela defesa como supostamente ilegais sequer foram utilizadas na denúncia, por isso, não teriam a condição de causar nulidade no processo penal”.

Para o Movimento de Atingidos por Barragens (MAB), com a decisão, a Justiça Federal abre caminhos para a impunidade, atendendo prontamente aos interesses das empresas causadoras do crime ambiental, e prejudicando milhares de famílias atingidas pela tragédia, e que permanecem à espera de uma reparação.

“A visão do juiz beneficia os criminosos e vai prejudicar as populações que foram atingidas por esse crime. São milhares de famílias atingidas que até hoje têm os seus direitos negados, sem receber qualquer tipo de reparação pelo dano causado”, afirma Ivanei Farina Della Costa, da Coordenação Nacional do MAB.

Segundo Della Costa, a decisão do juiz não possui qualquer legitimidade jurídica. “Não há justificativa legítima para essa decisão. Trata-se de uma decisão eminentemente para beneficiar as empresas”.

Através de uma nota, o MAB repudiou a decisão de suspender os processos, que qualificou como ‘vergonhosa’. “Esta decisão é a única resposta que a justiça consegue dar aos atingidos e a toda sociedade brasileira 21 meses depois do crime, e reafirma em nós, os atingidos, a completa descrença no poder judiciário, que atua para favorecer as mineradoras responsáveis pelo maior crime ambiental da história do Brasil e o maior da mineração global”, declarou o movimento.

O rompimento da barragem do Fundão, na cidade mineira de Mariana, no dia 5 de novembro de 2015, matou 19 pessoas, destruiu povoados inteiros, como foi o caso de Bento Rodrigues, zona rural da cidade histórica, e destruiu mais de 650 quilômetros do Rio Doce, um dos maiores do país. Foram mais de 35 milhões de metros cúbicos de rejeito de mineração despejados em suas águas, o que provocou uma forte crise social, ambiental, hídrica, para as populações de 40 cidades ao longo da bacia. Além da perda imediata de suas fontes de trabalho, os camponeses e pescadores da região ainda hoje têm que lidar com a contaminação, que tem provocado diversas doenças na população local.

Leia a íntegra da nota publicada pelo Movimento dos Atingidos por Barragens:

Atingidos repudiam suspensão de processo criminal contra a Samarco

O Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) repudia a decisão da Justiça Federal de Ponte Nova (MG) que suspendeu o processo criminal contra 22 pessoas acusadas de serem responsáveis pelo rompimento da barragem de Fundão que provocou a morte de 19 pessoas e um aborto forçado pela lama em Bento Rodrigues. O juiz Jacques de Queirós Ferreira acatou o argumento da defesa que considera que as escutas telefônicas foram feitas de forma ilegal.

A decisão beneficiou além do presidente afastado da Samarco, Ricardo Vescovi de Aragão, o diretor de Operações e Infraestrutura, Kleber Luiz de Mendonça Terra, três gerentes operacionais da empresa; 11 integrantes do Conselho de Administração da Samarco e cinco representantes das empresas Vale e BHP Billiton na Governança da Samarco que respondem pela ação penal.

Eles também são acusados pelos crimes de inundação, desabamento e lesões corporais graves. As 22 pessoas ainda foram denunciadas por crimes ambientais, os mesmos que são imputados às empresas Samarco Mineração S.A., Vale S.A. e BHP Billiton Brasil LTDA.

Vergonhosamente, esta decisão é a única resposta que a Justiça consegue dar aos atingidos e a toda sociedade brasileira 21 meses depois do crime e reafirma em nós atingidos a completa descrença com o poder judiciário que atua para favorecer as mineradoras responsáveis pelo maior crime ambiental da história do Brasil e o maior da mineração global.

Esta decisão soma-se a outras que beneficiam as empresas. Em março de 2016, após discordância sobre a competência judicial, a investigação criminal conduzida pela Polícia Civil foi suspensa, o que atrasou a apuração dos fatos.

Um ano depois, as rés nos processos firmaram Termo de Colaboração com o Tribunal de Justiça de Minas Gerais em que assume a responsabilidade de organizar o processo de indenização dos moradores de Governador Valadares, no que concerne a problemática da água, entregando nas mãos das criminosas o protagonismo que deveria ser das comunidades atingidas na reconstrução de suas vidas. A “mediação” deste conflito é uma falácia visto que é feita nos próprios escritórios das empresas, cerceando para as famílias o acesso à Justiça.

Há menos de um mês, o juiz da 12ª Vara Federal suspendeu a Ação Civil Pública do Ministério Público Federal (MPF) que, entre outras violações, questiona a não participação dos atingidos na criação da Fundação Renova o que, na prática, enfraquece a pressão sobre as criminosas. Novamente, nessa decisão o juiz ignora o posicionamento do MPF no caso, ao não aceitar o pedido de não interrupção da ação criminal.

Enquanto isto, as mineradoras avançam no controle de todos os espaços de discussão sobre a reparação na bacia do rio Doce, no combate à organização dos atingidos e a qualquer forma de autonomia frente ao poderio político das empresas, além de insistirem na farsa do chamado “diálogo social” que promove a dispersão, a mentira e a permanente justificação dos atrasos nas ações das empresas.

Diante da total parcialidade da Justiça brasileira em tempos de Golpe de Estado e destruição dos direitos, os atingidos e as atingidas em toda a bacia do rio Doce reafirmam o compromisso e o entendimento de que é preciso se organizar pela base e promover a luta de massas para garantir a construção dos reassentamentos, a recuperação ambiental ampla, a reativação econômica das comunidades, o acesso a água de qualidade em toda área atingida, a indenização justa, entre muitos outros direitos hoje negados pela Samarco.

Cada vez mais o judiciário brasileiro demonstra sua distancia com as causas do povo, comprovando toda a sua seletividade na aplicação da lei, mesmo frente ao maior desastre socioambiental da história do país, que destruiu toda uma bacia. Nós atingidos e atingidas acreditamos que apenas o povo organizado em luta é capaz de garantir a justiça e a efetivação dos direitos. Seguimos marchando por um mundo com mais dignidade, solidariedade e respeito.

8 de agosto de 2017

Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB)