Psicanalista trabalha a valorização humana e social em áreas da Reforma Agrária

Pertti Simula quer construir relações que não sejam pautadas na lógica capitalista
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Por Letícia Stasiak
Da Página do MST

Pertti Simula, psicanalista finlandês e autor do livro “Transformação das relações humanas e cooperação”, que foi lançado na última sexta-feira (18) no Rio Grande do Sul, tem como objetivo de trabalho construir relações que não sejam pautadas na lógica capitalista. Por meio do método Conscientia, o autor trabalha com escolas, cooperativas e organizações populares e desafia as pessoas a compreenderem que as relações humanas no mundo em que vivemos hoje se desenvolveram sob os valores do modo de produção capitalista, baseadas na competitividade, no individualismo e na desvalorização do outro.

No RS, Simula iniciou seu trabalho junto à Cooperativa de Produção Agropecuária Nova Santa Rita (Coopan), depois atuou na Escola Estadual Nova Sociedade, ambas no município de Nova Santa Rita, na região Metropolitana de Porto Alegre, seguido do Instituto de Educação Josué de Castro (IEJC), em Veranópolis, na Serra gaúcha, e do Instituto Educar, em Pontão, na região Norte. O psicanalista ainda trabalhou com a Cooperativa de Produção Agropecuária dos Assentados de Charqueadas (Copac), em Charqueadas, na região Metropolitana, e a Cooperativa de Produção Agropecuária Cascata (Cooptar), em Pontão.

Conforme Simula, o intuito do seu trabalho é despertar o crescimento humano, melhorar suas relações e suas capacidades de cooperação nos coletivos do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). É também contribuir em comprometimento, coragem, ética e uma melhor qualidade de vida na luta pela Reforma Agrária Popular e por uma sociedade justa.

Nas escolas, o autor realiza seu trabalho primeiramente com os professores, que captam a metodologia para depois transmitirem aos estudantes em sala de aula. Já nas cooperativas, a metodologia é aplicada a todos os cooperados.  O principal objetivo é que os “educadores e líderes reforcem a consciência das riquezas humanas em cada um e tenham uma compreensão das dificuldades, as quais chamamos de empecilhos”, comenta o autor.

Elizabete Witcel, diretora da Escola Nova Sociedade, a primeira a ser trabalhada por Simula no estado, explica que a instituição hoje é outra, em termos de relações, de crescimento e construção da própria identidade. “Temos um olhar mais integral para a sociedade e a autogestão e a auto-organização são o fio condutor desse trabalho que viemos construindo. A crítica e a cobrança foram deixadas de lado na escola e deram lugar a conversa e a conscientização. Professores e professoras se sentem menos reprimidos e mais libertos depois desse trabalho”, explica.

A periodicidade do trabalho desenvolvido pelo psicanalista varia de acordo com o público e a necessidade. Na primeira etapa, que dura de um a dois dias, a discussão fica em torno do conceito socialista sobre o ser humano. Nas próximas etapas o assunto é aprofundado, são estudados os métodos de valorização humana e valorização coletiva e se aplica o método Conscientia.

A Coopan foi a pioneira a receber o trabalho de Simula no estado gaúcho. Segundo o presidente da cooperativa, Nilvo Bosa, o maior trabalho aconteceu de forma social. “Hoje as pessoas conseguem ser mais felizes, se divertirem mais e se aproximam mais um dos outros. Simula consegue trabalhar a questão coletiva, a organização e os fundamentos do Movimento Sem Terra de uma forma impressionante”, afirma Bosa.

Confira entrevista com Pertti Simula, autor do livro Transformação das relações humanas e cooperação.

Página do MST – Como funciona o método que você trabalha? Ele muda a forma como é feito nas cooperativas e nas escolas?

Se trabalha nas cooperativas e nas escolas praticamente da mesma forma, a diferença é o objeto de aplicação. Na escola o primeiro objeto seria os professores, que captam a metodologia para depois transportar aos estudantes na sala de aula. Na cooperativa se tenta fazer todos compreenderem a metodologia.

A primeira compreensão apresentada pela metodologia é a que nós reproduzimos os modos e práticas das relações humanas do capitalismo, que são os que causam os problemas e os tornam crônicos. Por isso, se parte do paradigma de ter que quebrar esses modos e não aceitá-los.

A ideia é que na cooperativa e na escola, o objetivo do educador e da liderança seja sempre reforçar a consciência das riquezas humanas em cada um e ter uma compreensão das nossas dificuldades, que chamamos de empecilhos.

Existe uma periodicidade de acompanhamento?

Vamos numa cooperativa, discutimos primeiro o conceito socialista sobre o ser humano, os deixamos pensarem, damos exemplos. Esse passo pode durar um dia, ou de preferência dois dias. Depois soltamos o assunto e voltamos alguns meses mais tarde, ou meio ano. Voltamos mais dois dias e aprofundamos o pensamento e já estudamos os métodos de valorização humana e valorização coletivos e aplicamos no sentido mais metodológico. Talvez seja preciso uma terceira ou quarta etapa. Depois de um ano ou dois, pode-se voltar a fazer uma reflexão, ou talvez mudar a dinâmica, focando nos desafios das pessoas logo na segunda etapa.

A periodicidade varia de acordo com o público e suas necessidades. É feita uma pesquisa antes e pergunta-se para todos os principais assuntos que desejam trabalhar. O que recebe mais atenção será o foco do curso.

Quais os resultados desse método?

Cada vez que se faz uma etapa da atividade, minha opinião é que o coletivo acha que foi mais um passo para frente. Para internalizarmos, conscientizar e cair a ficha, não é um processo simples e curto e não temos pressa. Não queremos chegar ao fim, só queremos seguir no caminho de como ser. As pessoas estão querendo seguir no caminho.

Quanto tempo você demorou para escrever o livro Transformação das relações humanas e cooperação?

Simula – Este é o sétimo livro que estou publicando. Foram quatro livros na Finlândia e três livros na Suécia. Este livro demorou mais do que qualquer outro, foram quase 20 anos para amadurecer. Os dois primeiros livros publiquei até 2000. Depois publiquei na Finlândia, em 2013, um livro com o conteúdo parecido com este. Em 2015 publiquei o mesmo livro na Suécia. O conteúdo é bastante similar, mas o livro aqui do Brasil, em que estamos dentro do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, posso falar abertamente sobre a questão social e do capitalismo para o socialismo.

Qual o objetivo do livro? Como conseguimos transformar as relações humanas?

O livro fala como praticar e treinar relações de liderança, cooperação e educação nas casas, nas escolas. Que a igualdade e a solidariedade sejam coisas concretas e diárias.  Seu principal objetivo é fazer com que as pessoas sintam mais amor pela vida e por tudo o que as rodeia, seja a natureza ou o ser humano.

Mais amor significa mais liberdade, mais liberdade significa mais coragem e todos esses sentimentos juntos vão criar no nosso interior uma força de luta para que transformemos essa sociedade capitalista e repressora. Que consigamos reverter uma pressão de baixo para cima e ter coragem e alegria de mudar o mundo capitalista. A luta precisa ser alegre e transformar as pessoas.

O MST está entendendo que a visão que temos e que está escrita no livro está de acordo com o materialismo histórico dialético do Marxismo, mesmo que não sejam usadas as mesmas terminologias, mas os conceitos e a compreensão são as mesmas.  Se fazemos a revolução, nossa cabeça não está revolucionada. O MST entende que temos que aprender minimamente a revolução nas nossas cabeças antes de ter a revolução das estruturas, se não vamos cair em outra ditadura.

Confira aqui as fotos do lançamento do livro