Educação do Campo, uma trincheira de luta no Norte de Minas Gerais

Roda de Conversa discute Educação do Campo durante Circuito Mineiro de Arte e Cultura da Reforma Agrária, em Montes Claros, e lança livro paradidático sobre o semiárido.

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Por Geanini Hackbardt
Da Página do MST

“Agora, o senhor vem ver,
aqui, onde eu aprendi.
A sala foi esta sombra
e o professor
foi este pé de pequi.
Aprendemos a lutar
Por nosso território
e nossos companheiros
Somos todos irmãos na luta.
Nós somos os Geraizeiros”.

 

O debate sobre Educação do Campo, realizado na tarde do Circuito, na Praça de Esportes de Montes Claros, começou e terminou assim, com versos. Mas foi perpassado pela denúncia da realidade das escolas rurais na região do semiárido e a exigência por respeito.
 

Marcos Fernandes, da Direção Estadual do Setor de Educação iniciou a prosa contando sobre a futura Escola Politécnica do Assentamento Estrela do Norte. Atualmente, 140 estudantes de seis comunidades rurais e do Quilombo Brejo dos Crioulos fazem parte do projeto, que é realizado na antiga sede da fazenda , à espera de recursos do Governo do Estado para a construção do prédio escolar. Além da grade curricular tradicional, na educação básica, eles aprendem percussão, canto coral e teatro. Já os cursos técnicos são de Agropecuária voltada à agroecologia, informática e administração.

A chamada “escola mãe” receberá o nome de Escola Estadual Miguel Teixeira Fernandes de Jesus, em homenagem a um militante da educação que residia no assentamento. No entanto, isso não é possível enquanto ela não for emancipada e conquistar recursos próprios, o que se espera desde sua criação em 2015. A expectativa é que isso ocorra no início de 2017.

A Professora Magda Martins, do Laboratório do Ensino da Educação do Campo na Unimontes, manifestou seu descontentamento com a situação. “É um embate, um nível de desrespeito tão grande por um direito garantido, que a indignação é indescritível”.

 

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Ela conta que pela regulação da quantidade de merenda, algumas crianças foram deixadas sem alimentação e a dispensa foi trancada, numa tarde de atividades de contra-turno, enquanto aquelas que estavam na aula formal lanchavam. Isso ocorre porque as diretrizes do estado não tem a menor consideração com realidades locais, metodologias diferenciadas que se aplicam nas escolas rurais e como a escola é um anexo de outra, todos os recursos dependem da escola sede. Outras duas escolas do MST estão na mesma situação, a Eduardo Galeano, em Campo do Meio, no Sul de Minas e a escola do Assentamento Denis Gonçalves, em Goianá, Zona da Mata.

A professora também denunciou os cortes promovidos pelo governo golpista de Michel Temer, ressaltando a resistência da Educação do Campo. “Quando nos sentimos encurralados, temos mais força para lutar e para vencer. Temer não vai conseguir nos derrotar. E mesmo nessa conjuntura de golpe, nós continuamos realizando dezenas de experiências, mesmo sem nenhuma condição”, afirma.

Para ela, a força desse processo está na diversidade e na organização das comunidades. “O grande trunfo da educação do campo é esse pé na educação popular, essas experiências que vão ganhando força de escolas transformadoras, que vem formando os jovens de uma forma diferente, com uma consciência diferente, ligada aos quilombolas, aos Sem Terra. É nessas experiências que a gente se agarra”.

A resistência se tornou uma característica intrínseca às escolas rurais. Nos últimos 15 anos, cerca de 35 mil escolas foram fechadas. Na região de Montes Claros, metade delas tiveram as portas trancadas pelo governo tucano de Anastasia, no entanto, o governo atual, do Partido dos Trabalhadores, não reabriu nenhuma delas. É o que denuncia o pesquisador da UFMG, Amaro Sergio Marques. “O governo atual poderia ter reaberto as escolas “nucleadas”, eles falam assim, mas isso é sinônimo de fechadas. Pelo menos no vale do São Francisco não foi reaberta nenhuma e a secretaria de educação não têm dados reais de alunos fora de escola, são índices dispersos e subnotificados”.

Ele ressalta a falta de uma pedagogia direcionada às comunidades tradicionais. “A escola que deveria ser das comunidades, não tem nenhum interesse, nenhuma empatia, nenhum respeito aos povos. Os professores não estão preparados para educar e combater o racismo institucional”, afirma.

Há também dificuldade na aplicação das diretrizes da Educação do Campo, aprovadas em 2015, após 20 anos de luta dos movimentos, mas ainda sem efetividade. “Os professores quilombolas lutam para conseguir dar aula na escola de seu território, mas mesmo que ele consiga, por sorte, a designação, não há garantias de que ele seja respeitado ou possa aplicar uma pedagogia diferenciada”, constata o pesquisador.

A urgência da regulamentação dessas diretrizes na prática foi consenso entre todos os participantes do debate. Outra questão é o engessamento do estado, que leva a situações como a descrita por Sônia Roseno, doutora em Educação do Campo e militante do MST. “Há pouco tempo, houve uma audiência contra o fechamento de uma escola. O estado queria fechar com a justificativa de que não havia carteira. E a comunidade quilombola dizia que as crianças não queriam carteiras, elas estudavam na esteira. Se a comunidade não é organizada, a escola fecha. Quando tira a escola da comunidade, tira a força da comunidade”.

Samuel Costa, da Direção Estadual do MST, relembrou os círculos de cultura e educação popular organizados na resistência ao Golpe de 64. Para ele, estas iniciativas conduzidas pelas Comunidades Eclesiais de Base foram fundamentais para rearticulação de um projeto popular pelo Brasil e o retorno à democracia, por isso a educação do campo é estratégia de resistência na atualidade.

“O nosso projeto construído no passado, foi corrompido e derrotado. Por isso teremos que construir outro. E esses projetos de educação são fundamentais para conceber isso. Com o fechamento das nossas escolas, fica muito claro o papel a que a burguesia submete a escola. A nossa escola da arte, do trabalho, da cultura, da vida, essa escola é elementar para construirmos outro projeto de classe da sociedade brasileira. Este é um caminho fundamental para resistir ao golpe”, assinalou o dirigente.

Ao final do debate, foi apontada a necessidade de se criar uma superintendência ou subsecretaria de Educação do Campo pelo governo de Minas e foi redigida uma carta direcionada à Secretaria de Educação do Estado, Macaé Evaristo, em denuncia e cobrança pela aplicação das Diretrizes da Educação do Campo.

Versos da educação semiárida

 

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Durante a atividade, foi lançado o livro “Opará e o Jequi”, com rimas de autoria coletiva, da “Articulação por uma Educação do Campo no Semiárido”. Uma delas inicia esta matéria. O livro é paradidático e traz belas ilustrações coloridas e uma linguagem acessível que torna o adequado para crianças e adultos. Em suas páginas, há o diálogo entre o rio e os sujeitos do território, retratando as belezas e agruras de ser geraizeiro e o desrespeito histórico que há com esse povo.

A produção foi iniciada em 2011, a partir da seleção de quatro regiões do semiárido feita durante uma oficina. A partir de então, uma comissão passou a se reunir mensalmente para construir o conteúdo e debater o território. Os 800 exemplares lançados serão distribuídos nas escolas do campo da região.

 

*Editado por Leonardo Fernandes