Agroecologia é alternativa para garantir alimentos saudáveis para população, apontam painelistas

Com o Teatro Dante Barone lotado, a Assembleia Legislativa deu início, na noite desta quarta-feira (4), ao Seminário Políticas Públicas para Agroecologia na América Latina e Caribe, que prossegue até sexta-feira (6) e reúne em Porto Alegre
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                                                                                     Fotos: Letícia Stasiak
 
 
 
Por Olga Arnt
Agência de Notícias ALRS

Com o Teatro Dante Barone lotado, a Assembleia Legislativa deu início, na noite desta quarta-feira (4), ao Seminário Políticas Públicas para Agroecologia na América Latina e Caribe, que prossegue até sexta-feira (6) e reúne em Porto Alegre 42 especialistas de 11 países.

O primeiro painel do evento, promovido pelo Parlamento gaúcho, Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Rural da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRS), Red Políticas Públicas y Desarrollo Rural em America Latina e Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), tratou do tema Agroecologia e Alimentação Saudável: Desafios para a Intervenção do Estado. A chef de cozinha natural Bela Gil, o presidente do Painel de Alto Nível de Especialidades (HLPE) do Comitê de Segurança Alimentar da FAO, Patrick Caron, e o dirigente do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) e da Via Campesina, frei Sérgio Göergen, protagonizam os debates da noite, que atraíram ao Legislativo pesquisadores, estudantes universitários, agricultores, ecologistas, consumidores, e ativistas de movimentos sociais.

Mesmo com abordagens diferentes, os debatedores chegaram à mesma conclusão: a agroecologia é uma alternativa possível para a crise da agricultura convencional, expressa nos malefícios causados ao meio ambiente e a saúde humana em decorrência da utilização intensiva de agrotóxicos nas lavouras. Embora considere inviável uma solução única para todos os lugares, Caron defende a necessidade de uma nova revolução na agricultura, na mesma amplitude da Revolução Verde, conjunto de práticas que permitiram o aumento da produção agrícola a partir dos anos 1950 na Europa e nos Estados Unidos. Para ele, diferentes desafios locais, exigem soluções adaptadas para fortalecer o capital social e agregar inovação à atividade. A agroecologia, na sua concepção, é um dos caminhos possíveis para a produção de alimentos saudáveis e para a superação da fome e da desnutrição no mundo.

Adepto da chamada Revolução Arco-íris, ele considera que a agricultura produz mais do que alimentos, podendo promover ou não a saúde, geração de renda e empregos e até migrações. A proposta que defende á baseada no entendimento de que o conjunto de alterações adaptadas a cada contexto local pode contribuir para a mudança no contexto global. “O conhecimento está no coração da questão. É preciso mobilizar todas as formas de conhecimento para produzir tecnologia e para identificar e prevenir críticas e emergências”, apontou.

O pesquisador da FAO afirmou ainda que o atual padrão alimentar hegemônico no mundo, baseado no consumo de alimentos ultraprocessados, ricos açúcares e gorduras, está provocando uma nova epidemia mundial, caracterizada pela associação da desnutrição à obesidade. “A transição de costumes alimentares tradicionais para o consumo de alimentos ultraprocessados criou uma nova realidade nutricional. Hoje, Brasil e México ocupam o 5º e o 6º lugares, respectivamente, no ranking da obesidade mundial, ficando atrás dos Estados Unidos, Índia, China e Rússia”, revelou.

Agrovenenos

Frei Sérgio Görgen afirmou que o agronegócio e a agroecologia são caminhos diferentes, opostos e inconciliáveis. Segundo ele, o agronegócio não é a terceira fase da Revolução Verde e nem a introdução da transgenia no arsenal de práticas agrícolas, como alegam seus defensores, mas um pacto de poder. “Não é mais o fazendeiro quem decide o que será plantado e como será comercializado. É o grande capital internacional”, criticou.

Na sua avaliação, a qualidade dos alimentos não preocupa. “O fator decisivo, para o agronegócio, é a facilidade de conservação. Esse é o motivo pelo qual a soja é tão valorizada”, apontou.

O dirigente da Via Campesina afirmou ainda que a agroecologia vem sendo construída heroicamente por pequenos agricultores, que lutam para superar a monocultura sem apoio algum de políticas públicas no Brasil e no Rio Grande do Sul. “Temos um caminho longo pela frente, que passa pela superação de nosso complexo de Jeca Tatu, que desvaloriza a cultura rural, e pelo enfrentamento do agronegócio. A união entre produtores e consumidores é fundamental para que seja possível encontrar produtos orgânicos em outros lugares, além das gôndolas de supermercados que vendem para ricos”, defendeu.

Ato político

Para a chef cozinha Bela Gil, comer é um “ato político quando se tem o poder da escolha”. Ativista da alimentação saudável, ela considera que a bandeira da produção de alimentos para superar a fome e a desnutrição no mundo não pode ser usada para justificar o uso de agrotóxicos e da transgenia. “A fome não é um problema de ordem técnica. É uma questão política. A produção concentrada e a forma com que a comida é distribuída no mundo é que geram a fome”, opinou.

Bela Gil acredita que a agroecologia “com seu jeito ético e justo de produzir e distribuir” é o caminho para democratizar a oferta de alimentos que façam bem para a saúde e cuja produção respeite o meio ambiente. “A agroecologia é a resistência a um modelo baseado em produtos ultraprocessados e que desvaloriza a riqueza de nossas cozinhas regionais”, salientou.

Ela deu três dicas para inserir a alimentação saudável no dia a dia da população. A primeira delas é o cuidado com a terra, que passa pelo conhecimento sobre as formas de produção do alimento. A segunda sugestão é a redução de alimentos superprocessados. E a terceira é a atenção aos rótulos. “Muita gente não sabe de onde vem os alimentos. Além disso, a padronização do consumo, imposta pela indústria, empobreceu o prato dos brasileiros. O papel do consumidor é fundamental no processo de mudança”, frisou.

Campanha institucional

Na abertura do seminário, o presidente da Assembleia Legislativa, Edegar Pretto (PT), afirmou que a atividade atende a uma demanda do consumidor, que não quer levar para mesa qualquer produto. “O consumidor tem o direito de saber de onde vem e se o produto que pretende adquirir teve ou não contato com produtos químicos. Além disso, consideramos que a viabilidade das lavouras não pode ser sinônimo de morte”, salientou.

Representando a UFRGS, a professora Cátia Grisa lembrou que, no atual contexto de retomada de valores conservadores e de redução de políticas públicas, a reunião de pesquisadores, consumidores e produtores de alimentos “representa a constituição de um importante espaço de resistência”.

Durante o evento, a Assembleia Legislativa apresentou algumas das peças publicitárias que integram a campanha institucional que está lançando para estimular o consumo consciente de alimentos. Com o slogan “Antes de abrir a boca, abra a cabeça”, o Parlamento pretende incitar o consumidor a buscar informações antes de escolher os produtos que pretende adquirir.

Continuação

O seminário prossegue nesta quinta-feira (4) a partir das 8h30 com a realização de mais cinco painéis. O primeiro deles tratará do estudo elaborado pela Red Políticas Públicas y Desarrollo Rural em America Latina e Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO). O segundo abordará as concepções que norteiam as políticas públicas para agroecologia no Brasil, Costa Rica e Chile. O último painel da manhã, analisará o papel dos movimentos sociais na formulação de políticas para o setor.

À tarde, o debate iniciará com a avaliação dos instrumentos de políticas públicas para agroecologia na Argentina, El Salvador e México. O último tema a ser abordado no segundo dia do seminário será as perspectivas para a agroecologia na América Latina e no Caribe.

Por Olga Arnt
Agência de Notícias ALRS