Encontro nacional evidencia a produção agroecológica e reúne experiências de 125 cooperativas do MST

Evento foi realizado no Rio Grande do Sul e reuniu 220 camponesas e camponeses de 20 estados brasileiros
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Por Catiana de Medeiros 
Da Página do MST

 

 A efetivação da Reforma Agrária Popular é prioridade para o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). E para alcançar este objetivo, que se traduz em garantia de uma vida mais digna, justa e igualitária para a sociedade brasileira, trabalhadores acampados e assentados têm procurado se organizar de forma coletiva e cooperada. A fim de debater os caminhos deste tipo de iniciativa, na última semana o Setor de Produção do MST realizou o 4º Encontro Nacional das Cooperativas da Reforma Agrária no Assentamento Filhos de Sepé, localizado no município de Viamão, na região Metropolitana de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul. O evento reuniu 220 camponesas e camponeses de 20 estados brasileiros e de 125 cooperativas fundadas pelo Movimento.

De acordo com o assentado Milton José Fornazieri, o intuito foi aglutinar as experiências que os Sem Terra têm na área da produção no país e unificar as ideias em torno de uma proposta de desenvolvimento do cooperativismo e da cooperação agrícola. “Tratamos de temas políticos e organizativos que estão sendo discutidos a nível nacional, entre eles as conquistas que obtivemos nos últimos anos e que agora nos estão sendo retiradas, como o PAA [Programa de Aquisição de Alimentos] e a assistência técnica. Também debatemos como garantir a continuidade do Pnae [Programa Nacional de Alimentação Escolar]”, complementa.

Segundo dados da Confederação das Cooperativas de Reforma Agrária do Brasil (Concrab), o MST possui atualmente 167 cooperativas e inúmeras associações espalhadas pelo país. “É um processo onde o germe da cooperação é trabalhado. Alguns estados até pouco tempo atrás tinham uma ou nenhuma cooperativa e hoje têm 14 organizadas. Lógico, há dificuldades, justamente para superar as barreiras econômicas, mas há o propósito de trabalhar a questão da cooperação agrícola”, argumenta Fornazieri.

Conforme a baiana Elizabeth Rocha de Sousa, da coordenação do setor de produção, a partir das cooperativas, o MST avançou significativamente no debate da Reforma Agrária Popular e da cooperação e conseguiu fazer com que a produção dos assentamentos chegasse à sociedade com a marca e a identidade Sem Terra. “Para a região Nordeste, as cooperativas sempre foram um grande sonho. Nós víamos a região Sul avançar com potencialidade de mercado, de comércio e de relação, enquanto a nossa prática de agricultura familiar e camponesa encontrava dificuldades. Hoje conseguimos chegar ao nível de tratar a cooperação e as cooperativas com a realidade que é do Nordeste. Sabemos que há diferenças, mas são elas que nos dão unidade para colocar na centralidade do debate o tema da alimentação saudável”, explica. 

Para Fornazieri, as cooperativas são os melhores espaços para potencializar a Reforma Agrária Popular, uma vez que se deixa de lado o individual e se valoriza a organização coletiva e cooperada entre as famílias. “Dentro das propostas que trabalhamos, cabe às cooperativas o processo de organização da produção limpa para colocar na mesa dos trabalhadores da cidade uma alimentação saudável. A maioria delas já faz isto. O desafio é trabalhar a questão da agroecologia como nossa matriz tecnológica prioritária. Neste sentido, as experiências do arroz, das sementes e das hortas no Rio Grande do Sul são exemplos a serem seguidos”, aponta.

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Organizar a produção

A organização da produção de alimentos saudáveis nos assentamentos também foi tema de discussão do encontro. De acordo com o assentado Cedenir de Oliveira, os trabalhadores do MST têm a tarefa de massificar este tipo de cultivo, estimular a transição do modelo convencional para o agroecológico e praticar a cooperação agrícola. “Nós precisamos fazer diferente daquilo que o capital faz e a agroecologia tem que atender as necessidades reais de cada um. O método para fazermos diferente é a transição, mas a decisão política é a ruptura”, declara.

Oliveira acrescenta que a produção agroecológica deve ser priorizada pelos Sem Terra desde os acampamentos, assim como ocorre no município de Passo Fundo, na região Norte gaúcha. Lá, os acampados produzem inúmeros itens para o autossustento e até mesmo para vender na cidade. “O papel dos acampamentos é preparar as pessoas para quando elas tiverem o seu pedaço de terra. Eles têm que ser uma expressão dos assentamentos”, destaca.

O engenheiro agrônomo Adalberto Martins reforça que na Reforma Agrária Popular não basta as famílias conquistarem seus lotes: elas precisam produzir de maneira agroecológica para devolver à terra sua função social e fazer a recuperação de áreas que foram degradadas pelo agronegócio e o latifúndio. Ele ressalta que a produção de alimentos deve ser diversificada e capaz de gerar renda aos camponeses.

“Quando optamos pela agroecologia estamos convencidos que o modelo do agronegócio não serve para nós e para a sociedade brasileira. Esta ruptura começa pela decisão política e deve estar amparada por cooperativas, assistência técnica e políticas de fomento. Parte disto depende de políticas públicas, mas a nossa parte não depende delas. Nós podemos fazer o fomento, porque o que coloca o agricultor em movimento é ele ter garantia de renda. Precisamos ter planejamento, que não é apenas uma técnica administrativa, mas também é uma forma de organizar o pensamento e a intervenção política da realidade”, orienta.

As armadilhas do pacote do agronegócio foram socializadas pelo assentado Francisco Dal Chiavon. Para ele, além de valorizar a monocultura, o modelo em questão torna o agricultor refém de grandes empresas e compromete o futuro, especialmente das próximas gerações. Para combater a sua reprodução nas áreas de assentamento, Dal Chiavon destacou a importância de organizar as famílias em torno de núcleos de produção agroecológica. “Não podemos abrir mão do conhecimento histórico da humanidade, porque temos um sistema de produção que garante a diversidade genética. Não podemos ficar parados. Temos que começar a articular a nossa frente de agroecologia, incluindo as mulheres e a juventude, nos estados e nas regiões. A agroecologia tem que alimentar a humanidade, portanto, não pode ser uma coisa pequena, de fundo de quintal”, conclui.

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Análise de conjuntura

Durante o Encontro Nacional das Cooperativas também teve uma análise das conjunturas política e agrária. Débora Nunes, do Setor de Produção do MST, afirmou que há uma crise institucional do capital e que, para buscar a sua reprodução, ele tem avançado principalmente sobre o mundo do trabalho e os bens da natureza. No Brasil, acrescentou Débora, o golpe contra a democracia está no bojo desta reestruturação do capital.

“Neste processo de golpe, há uma série de medidas que ataca os direitos conquistados historicamente pelos trabalhadores e que é expressa através das reformas trabalhista e previdenciária. Isto tem uma relação direta com o aumento da desigualdade e, consequentemente, da violência. Se fizermos um recorte da situação do campo, há a entrega de terras, das águas e da biodiversidade para estrangeiros, além da destruição do Incra [Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária] e o fim de políticas públicas importantes para a Reforma Agrária e para a agricultura familiar, como a habitação rural e o PAA”, completou Débora.

Diante esta situação de crise institucional do capital, os participantes do encontro debateram acerca dos seus desafios enquanto sujeitos Sem Terra e sobre o que fazer para que a população brasileira se mobilize em defesa de direitos. Para Débora, o trabalho de base e a formação política devem ocorrer de forma permanente e precisam envolver o conjunto da sociedade. “É preciso elevar a consciência do povo, porque há um sentimento de que ele está anestesiado, e provocar reações de massas, como ocorreu em Correntina [município da Bahia]. Lá, de repente, o fazendeiro resolveu impediu as pessoas de terem acesso à água e de forma espontânea a população se revoltou. Temos que estimular os processos organizativos e as revoltas sociais. Então, o trabalho de base  e a formação permanente precisam ser canalizados para o processo das lutas de massas”, sinalizou.

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*Editado por Maura Silva