É por Damiana e todas nós

No último dia 22 de dezembro, mais uma mulher foi sentenciada. A Sem Terra Damiana Farias (46), moradora do acampamento Gildásio Sales Ribeiro foi morta.

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Por Flávia Vieira*

 

Plantar, adubar, esperar germinar, colher e se alimentar. O dia a dia da mulher Sem Terra nos assentamentos e acampamentos espalhados pela Bahia não são diferentes da rotina dos homens, porém, com uma carga maior, pois se dividem entre os afazeres externos ao ambiente doméstico, como os trabalhos da roça, às atividades do lar, como a limpeza da casa, cuidar dos filhos, preparar as refeições e lavar as roupas.

Se olharmos para o cotidiano das mulheres nos diversos espaços que ocupam na sociedade, podemos afirmar que enfrentam a violência presente em cada olhar machista que a subordina ao ambiente doméstico; as pressões sociais que a condicionam ao cuidado do marido e dos filhos; a submissão no ato sexual, mesmo sem seu consentimento (estupro); a imagem de frágil e sem pulso, que não a destaca no campo das decisões políticas; e ainda, a sentença de morte, apenas por ser mulher.

Foi nesse sentido que no último dia 22 de dezembro, mais uma mulher foi sentenciada. A Sem Terra Damiana Farias (46), moradora do acampamento Gildásio Sales Ribeiro, localizado às margens da BR 367, entre o povoado de Vera Cruz e o município de Porto Seguro, foi morta na estrada que liga o lote, onde trabalha, à sede do acampamento. Segundo relatos das famílias, Damiana foi vítima de agressão física e morta a pauladas. Até então, nenhum suspeito foi indiciado.

Motivos? Não se sabe.

 

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A trabalhadora Sem Terra, Damiana Farias.

Após o ocorrido, na manhã do dia 23, cerca de 100 pessoas trancaram a BR por quatro horas. Durante a manifestação exigiram justiça e denunciaram os altos índices de violência contra as mulheres e a omissão do Estado em responder concretamente os casos.

Para além de um triste fato, a morte da Damiana se somou as estatísticas, nas quais, vergonhosamente, a Bahia se destaca. Neste primeiro semestre, a Secretaria de Segurança Pública do Estado (SSP-BA) divulgou que 23,4 mil casos de violência contra as mulheres baianas foram notificados. Já em 2015, os números apontaram que nas regiões sul e extremo sul do estado 517 casos foram registrados. O mais alarmante é que 30, das 70 cidades localizadas nestas regiões, superam as estimativas de Salvador, município mais populoso do estado.

Dos dados apontados, apenas foram mapeadas as denúncias que chegaram até as delegacias, especializadas ou não, localizadas nos centros urbanos, ou por ligações através do número 180. Uma mulher violentada que reside a quilômetros de distância da cidade e que não possui acesso a nenhuma rede telefônica, como é a realidade da maioria das áreas rurais, terá que realizar esse percurso se quiser prestar queixa.

Nos questionamos: não existe violência contra as mulheres no campo? Ou não existem mecanismos que ajudem a mapear, prevenir e combater a violência no meio rural?

Infelizmente, ainda temos limites institucionais e sociais que não ajudam a pensar o acesso das mulheres as políticas de prevenção e combate à violência, principalmente para aquelas que moram no campo, e claro, os assentamentos e acampamentos de Reforma Agrária não estão fora desta triste realidade.

Vamos cruzar os braços e aguardar um posicionamento que realmente garanta direitos, entre eles, o direito à vida? Ou vamos, desde já, construir instrumentos de superação destas questões?

Nesse sentido, setores sociais organizados a partir de movimentos populares, como o próprio MST, têm impulsionado várias ações de estudo e sistematização da forma como o modelo capitalista tem se apropriado do patriarcado e, consequentemente, da divisão sexual do trabalho e do heteressexismo para implementar um modelo não apenas de subordinação e dominação de um sexo (masculino) sobre o outro (feminino), mas de exploração da força do trabalho, seja no âmbito privado ou público.

Aprendemos que a violência contra mulher é reflexo de uma estrutura capitalista e para superá-la é necessário derrubar essa lógica de organização social, que é machista, racista e LGBTfóbica.

Damiana foi vítima deste processo histórico e as lutas feministas tem nos apresentado o quanto é fundamental alinhar nossos projetos ao enfrentamento diário a toda forma de opressão e exploração do capital. O sangue derramado não pode ser esquecido, pelo contrário, torna-se um motivo a mais para seguirmos em marcha por Damiana e todas nós.  

 

*Flávia (27) é uma jovem dirigente do MST e coordena o setor de gênero no estado da Bahia.

**Editado por Leonardo Fernandes