O branco converteu-se em luta e o vermelho em rebeldia

As celebrações do Senhor do Bonfim, desta última quinta-feira (11), foram marcadas por uma onda vermelha de trabalhadores Sem Terra em marcha

 

photo_2018-01-12_18-32-03.jpg

 

Por Coletivo de Comunicação do MST na Bahia
Da Página do MST

Nas primeiras horas da quinta-feira (11), cerca de mil trabalhadores e trabalhadoras Sem Terra, que participam do 30º Encontro Estadual do MST na Bahia, se organizam. Preparam as bandeiras; os bonés são colocados sobre a cabeça; e vestem camisas vermelhas com o símbolo do MST, representando identidade, luta e resistência. Tantos preparativos marcam a participação do Movimento nas celebrações da Lavagem do Senhor do Bonfim.

No início do tradicional cortejo das comemorações, na ladeira da Conceição, entre ruinas e casebres, que parecem mais maquetes, querendo alcançar o céu azul da capital baiana, crianças, jovens e adultos Sem Terra descem a ladeira, seguindo uma multidão de fiéis e devotos.

Um objetivo comum: resgatar a resistência e completar o rito que o tempo não deixou morrer, que neste caso é marcado pela procissão até a Colina Sagrada, onde são atribuídos poderes milagrosos ao Senhor do Bonfim, objeto de devoção popular e centro de peregrinação mística e sincrética.

Essa manifestação popular, que acontece todos os anos, atrai milhares de pessoas, que vestidas de branco, a cor de oxalá, orixá associado à criação do mundo e da espécie humana, percorrem 8 km em procissão, desde a Igreja da Conceição da Praia até a Igreja do Nosso Senhor Bonfim. Foi neste ponto que um mar vermelho se somou ao branco ancestral, numa festa sagrada e profana, porém de encantos que a trajetória logo traria no caminho.

A passos curtos, os “cortejantes” se esbarram, se olham, se complementam e dançam graciosamente embalados pelo som de tambores, pandeiros, agogôs e das próprias palmas. Suor e cheiro de água benta também compõem o cenário, todos afins de molhar o corpo para benzer ou refrescar durante a caminhada que virou patrimônio imaterial da humanidade.

photo_2018-01-12_18-32-20 (1).jpg

Há de haver muita devoção. A multidão não se intimidou com o sol quente, nem com a garoa que São Pedro, santo conhecido popularmente por fazer chover, deixou cair do céu naquele dia para lavar a alma dos devotos antes de subir a ladeira do glorioso.

Neuza de Jesus, moradora do Acampamento Irmã Dorothy, localizado em Eunápolis, após caminhar os 8 km do cortejo, disse que aquele momento simboliza fé. “A gente caminhar em defesa de uma fé é muito forte, pois apenas com ela [fé] a gente tem certeza as coisas vão acontecer”, explica.

Para ela o cortejo aponta o elemento da igualdade com força. “Quando você olha para os lados vê pessoas de todas as cores, de todos os sexos e de todas as classes sociais. Nesse momento todos somos iguais”, destaca Neuza.

Jarros de folhas e flores sustentados nas arrodilhas sobre os “orís” das baianas ajudaram a colorir aquela manhã, deixando exalar um cheiro bom, de vida, era uma nostalgia tamanha, cheio de sincretismo, cheio de crença, cheio de gente e história.

O ponto alto da festa ocorre quando as escadarias da igreja são lavadas por cerca de 200 baianas. Nesse momento, despejam a água dos jarros nas escadarias e no átrio da igreja, ao som de palmas, toque de atabaque e cânticos de origem africana.

Terminada a parte religiosa, a festa continua no largo do Bonfim, com batucadas, danças e barracas de bebidas e comidas típicas. A festa, primeira grande manifestação de rua do ano que se inicia, anuncia que 2018 será um ano de muita luta e resistência para o povo baiano.