Julia, a assentada do MST que chegou à final da Olimpíada de História

Estudante de um IF que tem como principal curso a agropecuária, ela conta que não aprendia sobre a reforma agrária

 

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Estudantes Vitória, Julia e Camila disputaram a final da Olimpíada Nacional em História do Brasil no dia 19 de agosto, em Campinas (SP) – Créditos: Foto: Arquivo Pessoal

 

Por Júlia Dolce
Do Brasil de Fato 

 
Nas últimas semanas, a estudante Julia Kaiane Prates da Silva, de 18 anos, tem protagonizado uma reviravolta no Campus Visconde da Graça do Instituto Federal Sul Riograndense, onde cursa o terceiro ano do Ensino Médio e o Ensino Técnico em Meio Ambiente, na cidade de Pelotas. Isso porque o Campus, que tem como formação principal a agropecuária, se tornou nacionalmente conhecido pela conquista de Júlia, uma assentada do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), que chegou à final  da 10ª Olimpíada Nacional em História do Brasil, finalizada no dia 19 de agosto, em Campinas, no interior de São Paulo.

Nascida e criada no assentamento de São Virgílio, na cidade de Herval (RS), onde sua família vive há 12 anos produzindo milho, soja e feijão, Julia conta que cursou todo o Ensino Fundamental em uma escola rural instalada dentro do assentamento, e posteriormente movida pelo Governo Municipal da cidade. Julia destaca que sempre gostou de história, mas que ela e suas colegas de grupo, as alunas Vitória Camargo e Camila Porto das Neves, nunca esperavam participar, e, principalmente, chegar à final de uma Olimpíada da matéria.

“Minha amiga Vitória disse algo que concordo, que a Olimpíada foi alimento para os nossos sonhos. Não conseguimos ganhar uma medalha, mas ganhamos muito mais do que isso: o reconhecimento das pessoas. Na Olimpíada, vários professores demonstraram o apoio ao MST. A gente nem tinha o conhecimento das pessoas que são a favor do movimento. Há muitas pessoas que são a favor e acham uma luta digna”, afirmou.

A estudante gaúcha destaca ainda que na região onde cresceu o preconceito contra os assentados e militantes do MST é grande, por ser formada principalmente por grandes latifúndios voltados para a produção pecuária. Julia acrescenta também que o professor de história que indicou e acompanhou seu grupo durante a Olimpíada, Deomar Villagra Neto, foi o único que mencionou a teoria da reforma agrária popular durante seus três anos de Ensino Médio.

“Acho que precisamos rever a forma como a história é contada no país. Outros professores nos ajudaram, mas em sala de aula você vê pouco sobre o MST e a reforma agrária. É um movimento pouco divulgado”, lamentou.

Para o professor Deomar, a conquista do grupo de Julia, chamado de Lutzenberger em homenagem ao agrônomo e ecologista gaúcho, representa “um tapa na cara da estrutura posta”.

“O MST é muito malvisto ainda dentro do Instituto Federal do nosso campus. Eles ainda são vistos aqui como saqueadores de terra e ladrões que destroem o sagrado valor da propriedade. Quando se tenta trabalhar o outro lado disso em um instituto tão conservador enfrenta-se uma série de paradigmas. O curso mais tradicional que temos dentro do nosso IF é uma agropecuária que pensa apenas o latifúndio. Imagine o choque que é uma filha de assentados ir a Campinas participar de uma Olimpíada de História”, afirmou, orgulhoso.

Deomar destacou ainda a importância da competição para a manutenção do curso de história, em uma conjuntura pós Reforma do Ensino Médio, que pensa em reestruturar os currículos escolares, excluindo matérias específicas.

“A conquista das gurias é importante porque dar visibilidade para a história é garantir a sobrevivência de nossas disciplinas e mostrar que um aluno técnico tem que ter uma visão humanística. Nós estamos vivendo uma onda conservadora que não sei se nos dá muito espaço para uma outra historiografia. Mas só da gente incomodar um pouquinho já vale a pena”, completou.

Já para Julia, a principal mensagem que gostaria de deixar com a visibilidade que ganhou na escola, é a de que o poder público precisa prestar mais atenção na educação no campo.

“Nós não estudamos de terça e quinta, estudamos o dia inteiro de segunda, quarta, e sexta. Para tu ter noção, tem pessoas que moram muito distante da escola, então tem que sair muito cedo de casa. O governo tem que olhar para a educação no campo, para como as crianças sofrem para ter um Ensino Fundamental básico, e se querem ter um Ensino Médio de qualidade tem que sair de casa, como eu fiz”, denuncia.

A estudante revela que pensa em estudar história na graduação, mas que ainda não tem objetivos definidos para o futuro. A Olimpíada Nacional em História do Brasil é um projeto realizado pela Universidade Estadual de Campinas, e é composta de seis provas online, com questões de múltipla escolha e realização de tarefas.

Edição: Diego Sartorato