Zé Pinto, um cantador da agroecologia

O cantor e compositor fala sobre a relação entre cultura e agroecologia
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“Porque a agroecologia é tudo aquilo que dá oportunidade”, afirma Zé. Fotos: Luara Dal Chiavon 

 

 

Por Joyce Fonseca e Geanini Hackbardt
Para Página do MST

 

O cantor e compositor Zé Pinto, um dos principais criadores de canções do MST, é integrante do setor de cultura e produtor agroecológico. Em suas canções o cantador Sem Terra defende a precisão de se “amar a terra e nela plantar semente” porque “a gente cultiva ela e ela cultiva a gente” (trecho da música Caminhos Alternativos). Ele nos conta um pouco sobre a relação entre cultura e agroecologia e a importância de ambas para sua vida. 

Confira a entrevista:

Zé, nos conte um pouco sobre você e sua relação com a agroecologia. Como tudo começa?

Agroecologia e cultura! Que coisa maravilhosa! Pra gente começar uma proza sobre esse tema tão bonito eu já tenho que falar uma coisa sobre mim. Porque o meu nome é José Pinto de Lima. Até esse nome, Zé Pinto, já é uma construção dessa participação nos movimentos sociais, nesses debates, nessas instâncias que nos ajudam a ir se construindo enquanto poeta, cantador, apaixonado por essa ideia de que todo mundo pode ter seu direito de ter um pedacinho de terra, de ter os seus direitos respeitados, de se orientar pra poder dentro dessa conquista por terra, trabalhar a terra com respeito, com paixão sem qualquer tipo de agrotóxico ou algo que possa prejudicar esse relacionamento com a Mãe Terra.

Na verdade, tudo o que eu sou quanto ser humano, numa visão crítica, política, ideológica, eu devo a estar em movimento, aos movimentos populares e sociais. Isso é a primeira coisa, depois eu tive a grande oportunidade de ter nascido no seio de uma família de um pai e uma mãe que eram genuinamente camponeses, trabalhadores rurais e que viveram toda a vida na roça. E, apesar de toda a sua humildade, simplicidade e pouco estudo, sempre defenderam a terra.

Meu pai  sempre dizia que: ‘uma árvore a gente poda, a gente não corta. Tem que pensar muito pra poder derrubar uma árvore’. Então a gente foi criado nesse ambiente e isso ajudou muito e além disso eles eram artistas. Meu pai tocava violão e minha mãe gostava de fazer teatro com a molecada no catecismo e nas quermesses. A gente se reunia pra fazer roda de prosa e cantarolar as coisas das raízes camponesas. Isso foi uma coisa importantíssima na minha vida.

Do ponto de vista da cultura, o que é agroecologia?
 

Na verdade, do ponto de vista da cultura, o que é a agroecologia? E no ponto de vista da agroecologia, o que é cultura? (risos) Se cultura é tudo, se é a nossa sobrevivência, é tudo aquilo que a gente usa, experimenta, constrói para sobreviver na face da terra. A agroecologia é uma coisa que sem essa visão cultural não vinga. Porque a agroecologia é tudo aquilo que dá oportunidade, que é preciso, que cobra essa presença de se juntar, de rezar junto, cantar junto, brincar junto, de reunir a molecada, de aproveitar as noites de lua, de voltar a conhecer o que é a beleza da lua, a beleza das flores brotando no campo, a beleza da fartura na hora das festas camponesas e da partilha, assim, estão profundamente casadas.

O MST possui uma cultura agroecológica? Como ela se constrói?

O MST é essa labuta de estar compreendendo a importância da agroecologia, inclusive como modelo novo no campo, modelo alternativo pro campo e na realidade nem deveria ser alternativo, deveria ser o principal mesmo. Alternativo é até meio complicado, mas é uma proposta radicalmente contra o agronegócio, que vem contra toda essa beleza. Nesse caso o MST pode não ser toda uma coisa pronta, e ainda bem que não é mesmo! Mas vem se construindo com muita luta e isso é o que dá tanta beleza pra essa organização.

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“Meu pai  sempre dizia que: ‘uma árvore a gente poda, a gente não corta. Tem que pensar muito pra poder derrubar uma árvore’”.​ Fotos: Luara Dal Chiavon 

O Movimento tem travado o que chamamos de “batalha das ideias”, com o objetivo de conquistar as pessoas para a defesa da reforma agrária popular e da agroecologia como novo modo de produção no campo. Qual é o papel da cultura nesse processo?

O movimento pelo fato de tá travando numa luta tão aguerrida, tão difícil no campo brasileiro, inclusive porque não é uma luta, uma batalha no campo das ideias só, né? O que já é muito importante, mas vem aí tentando na prática realmente conquistar mentalidades no seio do movimento, nos amigos que tão de fora e que às vezes nem simpatizam muito com o movimento pelo que escutam dos grandes meios de comunicação.

Mas é que como a coisa é mágica e bonita, acabam se apaixonando pelo movimento. É uma coisa que tem causado muita paixão de muitos artistas que tem uma sensibilidade e uma paixão cultural. A gente tem até que ter muito cuidado para não confundir cultura simplesmente com arte porque arte é o que dá essa beleza. O movimento vem travando isso justamente por esse motivo, porque acredita junto com outras organizações e com muitas pessoas nesse Brasil que é preciso implantar um modelo diferente no campo brasileiro, na forma de plantar, na forma de possuir a terra, na forma de brincar, de fazer arte. Então, é uma luta muito bonita e o movimento vem se construindo, já tem uma história em cima dessa questão e vai deixar realmente um legado muito bonito pro Brasil.

A gente junto vai ajudar na construção dessa nossa nova sociedade como isso que a gente já conseguiu construir dentro do MST. Eu, enquanto cantador, minha vida ficaria muito sem sentido se eu não tivesse aprendendo dentro dessa beleza de ser defensor da agroecologia, onde você planta de uma forma sem precisar de tá envenenando a terra. Você planta com a consciência de que você entrega um alimento pro seu filho, ou até que seja pro filho de seu inimigo de classe, mas que você sabe que não está matando aquele inocente com uma porcaria que o agronegócio acha que é tudo de bom. Acredito que estamos no caminho certo, porque a gente planta, colhe e canta a vida e essa é a grande lógica de quem acredita num sonho futuro, na beleza de sermos gente realmente superiores.