Projeto garante acesso social à água para famílias assentadas no Pampa do RS

Cisternas implantadas pelo ICPJ, CIDEJA e Ministério da Cidadania viabilizam armazenamento e qualidade da água para períodos de estiagem para até 283 famílias
 
Por Marcos Corbari
Do ICPJ

A região da Campanha do Rio Grande do Sul tem sido afligida ano após ano com prolongados períodos de estiagem. Trata-se de um intercurso climático que se mostra reincidente em todo grande espaço do Bioma Pampa, em especial nos locais onde há maior degradação ambiental. Ali, muitas famílias tem sofrido com a escassez de recursos hídricos, sendo inclusive privadas de condições ideais de acesso à água para o consumo humano. A equipe técnica do Instituto Cultural Padre Josimo (ICPJ), desafiada pelo Consórcio Público Intermunicipal de Desenvolvimento Econômico, Social e Ambiental da Bacia do Rio Jaguarão (CIDEJA), buscou exemplos no Nordeste do país e trouxe de lá a experiência de uma tecnologia social de acesso à água.

 
 
Trata-se de Cisternas construídas pelo sistema de placas, utilizadas para captação de água da chuva e mantendo capacidade de até 16 mil litros. Até o momento já foram concluídas 44 unidades, produzidas coletivamente, no município de Candiota, com a aplicação do sistema de placas. “O objetivo geral dessa tecnologia social é proporcionar o acesso à água de qualidade e em quantidade suficiente para o consumo humano às famílias de baixa renda e residentes na zona rural”, explica o coordenador do ICPJ, Frei Sérgio Görgen. Além de garantir água suficiente para prover as necessidades imediatas das famílias beneficiadas, o dirigente destaca ainda o aspecto pedagógico do procedimento de construção, onde os beneficiados participam ativamente do processo, ajudando na fase inicial da construção e depois assessorando os operários em suas necessidades diárias.

Para Görgen, cada família que passa a contar com uma cisterna instalada junto à sua unidade habitacional, tem condições para enfrentar com dignidade o período de estiagem, minimizando os riscos à que ficam expostos: “Espera-se que as famílias beneficiadas possam melhorar suas condições de vida, facilitando o acesso à água de qualidade para consumo humano, com impacto direto sobre a saúde e a segurança alimentar e nutricional”. Conforme explica o diretor do ICPJ, cada família recebe ainda acompanhamento social, capacitação e formação para a gestão da água.

 

 

 Presidente do CIDEJA tem acompanhado os trabalhos de perto e conferido os resultados positivos alcançados

Para o prefeito de Candiota e presidente do CIDEJA, Adriano Castro dos Santos, a expectativa para ver o projeto sendo efetivado era grande. “Sempre foi um desafio para a região buscar alternativas para abastecimento de água da população”. Conforme explicou, a área de abrangência do consórcio está localizada em um ponto geográfico castigado seguidamente com estiagens prolongadas: “Nós estamos em uma região que sofre com secas cíclicas, com períodos prolongados sem chuvas de tempos em tempos, levando grande parte da nossa população a sofrer intensamente com a falta de água”, relembrou. “Hoje temos só a agradecer às equipes de operários que tem se dedicado às construções das cisternas e ao Instituto Cultural Padre Josimo que se empenhou em pesquisar, adaptar e desenvolver a técnica de construção da maneira mais adequada aos nossos municípios”, arrematou.

Conforme explicou o prefeito, tão importante quanto disponibilizar a estrutura da Cisterna e os equipamentos para acesso e tratamento da água para consumo, são as atividades de formação e informação que os beneficiados recebem. “Assim se passa a compreender a respeito da preservação dos recursos hídricos, procedimentos adequados para a utilização da água na propriedade e cuidados necessários para manter a água armazenada na cisterna sempre dentro das melhores condições de qualidade para ser consumida pela família toda”, completou.

 

Qualidade de vida garantida: Famílias beneficiadas saciam sua sede de água e de dignidade

O técnico do ICPJ, Sérgio Ferrarez, que coordena uma das equipes responsáveis pela construção das Cisternas, expressou a satisfação em participar de um programa que ao mesmo tempo em que oferece alternativa de trabalho para ele e seus companheiros, viabiliza uma garantia a mais de qualidade de vida para as famílias beneficiadas. “A gente sabe o quanto as pessoas aqui na região sofrem quando vem a seca, então é uma satisfação muito grande poder participar e ajudar com nosso trabalho para que todos tenham acesso garantido a água com abundância e boa qualidade”, explicou. Muitos dos beneficiados, conforme explicou Ferrarez, sequer tem acesso a poços ou redes de água, tendo que subtrair de açudes até mesmo a água para consumo da família. “Com a cisterna ao lado da casa, essas famílias vão estar muito bem servidas, podem ter certeza disso”, concluiu.

O projeto pioneiro está em plena execução e teve a primeira etapa concluída há cerca de um mês, finalizando o lote de 44 unidades inicialmente previstas. Mais 20 unidades devem estar concluídas nos próximos dias, já integrando a segunda etapa da ação. A efetividade e viabilidade do processo, que recebeu investimentos do Governo Federal através do Ministério da Cidade, já estão comprovadas. Nesta etapa ficou demonstrada a eficácia do processo, otimizando o investimento de recursos públicos ao viabilizar uma infraestrutura de baixo custo e alta eficiência. Conforme relatou Görgen, o sistema já poderia ter sido implantado na região há mais tempo, porém houve resistência e desconfiança de órgãos vinculados ao governo estadual passado, quanto à adequação da tecnologia que inicialmente foi desenvolvida visando atender as necessidades do povo nordestino.

 

Ações continuadas de educação e informação são mantidas pelo núcleo pedagógico do projeto

O projeto não prevê apenas a construção da cisterna, mas sim todo um processo pedagógico que vai desde a conversa inicial onde se identifica as condições e necessidades da família, até os procedimentos de manejo da água, de modo que se preserve a qualidade do volume armazenado e se possa otimizar de forma racional sua utilização. O planejamento da obra prevê desde a escolha do local ideal onde será escavado o solo, fabricação das placas e caibros, levantamento das paredes, montagem da cobertura e a instalação do sistema de captação.

A técnica do ICPJ Lara Rodrigues da Silveira, que atua junto às famílias conduzindo o processo educativo e formativo ressalta como esse procedimento se desenvolve: “São dois processos, o primeiro é de informação e fica mais voltado aos procedimentos que os beneficiários devem ter para com a utilização da cisterna, funcionamento, armazenamento, limpeza, etc. O segundo é de orientação, a respeito do uso da água, tratamento, melhores procedimentos para que seja construído conhecimento e conscientização para utilização da água para a vida”. As atividades de educação e informação são realizadas junto a todas as famílias, através de oficinas práticas, para que cada pessoa envolvida no processo esteja plenamente capacitada para garantir a melhor utilização da estrutura e equipamentos.

 

Água de qualidade e com abundância, para garantir qualidade de vida digna para os assentados no Pampa

Entre as vantagens apontadas pela equipe técnica do ICPJ, além do armazenamento de água com boa qualidade para o consumo humano e baixo custo para o poder público, está o fato de o reservatório ficar protegido da evaporação e de contaminações, proporcionando água de qualidade e em localização próxima da casa dos beneficiários. O projeto contempla a construção da cisterna – que fica parcialmente enterrada ao lado da unidade habitacional -, a instalação de calhas coletoras da água da chuva junto ao telhado, um sistema intermediário de limpeza que garante que o primeiro volume de precipitação que limpa o telhado não se misture com a água potável, uma bomba manual de sucção desenvolvida pela própria equipe do ICPJ e um filtro de barro onde são aplicadas pastilhas de cloro para o tratamento final da água a ser consumida pela família.

Visando a partilha de saberes, o projeto também contemplou a impressão de folders e cartilhas explicativas, para que se possa ampliar e compartilhar a experiência do ICPJ e CIDEJA até outras localidades que estejam expostas às mesmas condições climáticas. Até o momento foram investidos R$ 193 mil de um recurso previsto de R$ 1 milhão. Além de Candiota, outros municípios do consórcio poderão ser beneficiados.  No total serão construídas 283 cisternas.

 

Água potável é um desafio constante para os assentados na região da Campanha no RS

Presente há 30 anos na região, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) é testemunha ocular das transformações sociais que a instalação de camponeses e camponesas assentados da reforma agrária trouxeram para a Campanha do RS, bem como as dificuldades que enfrentaram desde a sua chegada. Atualmente estima-se que sejam em torno de 1,8 mil famílias em 52 assentamentos nos municípios de Hulha Negra, Candiota e Aceguá. Juntamente com estes, somam-se os trabalhadores egressos das antigas fazendas, agregados e quilombolas que resistiram ao tempo, às dificuldades do clima e a ausência de políticas públicas de fomento que solucionassem problemas graves, entre os quais a falta de água potável tem destaque.

– A maior parte dos lençóis subterrâneos podem ser acessados, mas vertem água salobra, imprópria para o consumo humano -, explica Lara Silveira . Os cursos de água, açudes e reservatórios na superfície, por sua vez, são sujeitos aos períodos de seca, além de não contemplarem acesso a todos os que de fato tem necessidade. Tal situação faz com que não seja surpresa encontrar a região fronteiriça entre Brasil e Uruguai o mesmo tipo de caminhões pipa que percorrem as regiões mais áridas do nordeste para levar água até os habitantes locais.

 

A garantia de água potável é um incentivo a mais para o assentado permanecer no seu lote e seguir produzindo

A importância desse projeto para a região é destacada pelo assentado de Hulha Negra, Ildo Lemes da Silva Pereira, integrante da direção nacional do MST: “Proporcionar aos assentados a alternativa de uma cisterna, significa construir um instrumento para sua manutenção no lote, é um incentivo para produzir e garantia da qualidade de vida da família”. Relembrando a grande seca que atingiu todo o bioma Pampa em 2009 e a reincidência em 2016 e 2017, ele destaca que já foi possível buscar recursos para a construção de redes de água, mas que ainda se está muito distante do número ideal de beneficiados por esse tipo de ação.

– A verdade é que nem todos os assentamentos conseguem ter acesso a água -, aponta Pereira. “O projeto vem em hora boa, a direção do MST apoia e torce para que possa ser ampliado, viabilizando um número cada vez maior de cisternas para as famílias que mais precisam”. Para o dirigente sem-terra, o momento é ideal para garantir água potável, uma vez que novos períodos de estiagem não devem tardar. “Nossa experiência aqui, desde os primeiros assentados, é de que a cada ciclo de dez anos temos apenas três em condições ideais de chuva”, explicou

 

A água que antes faltava para beber, agora já tem até excedente a ser aproveitado pelas crianças em suas brincadeiras

O depoimento é de dona Flávia da Luz, residente na comunidade de Companheiros de João Antônio, município de Candiota. “Não precisava ser muito grande a estiagem, a água raleava e a gente tinha que bombear do açude para tomar e fazer comida”, relembra.  “Hoje é diferente, a água que fica na cisterna é boa, nós usamos dela para todas as necessidades da família”, conta a dona de casa. “Esse projeto nem tem muito o que dizer de tão bom que é, mudou a vida da gente!”, arremata. Casos como o de dona Flávia somam-se às centenas na região, ficando famílias inteiras submetidas por longos períodos ao consumo de água imprópria ou ao alcance dos programas sociais que levam o suficiente para a sobrevivência em caminhões pipa.

Não muito longe dali, outra assentada beneficiada, relembra de como era antes e contrasta do momento atual, onde o reservatório novo já está em uso pela família. Cleusa Peres da Silva, de Conquista do Cerro, também município de Candiota, diz que “água é tudo, principalmente para a gente que já sabe como é passar necessidade”. A lembrança recente dela remete a última estiagem, quando a família não teve água para si nem para o trato dos animais, prejudicando também a produção de leite que empreendem no lote. “A gente até custou a acreditar que o projeto fosse acontecer e fosse tão rápido, hoje nós usamos a água da cisterna para todas as nossas necessidades dentro da casa, fazemos o tratamento direitinho como o pessoal do Instituto ensinou e temos essa água boa que vocês estão vendo aqui”, descreve com alegria ao alcançar um copo de água limpa, pura, para a reportagem no final da visita.

Famílias de outros municípios participantes do CIDEJA  já buscam informações de como podem participar deste projeto já que também sentem as mesmas necessidades.