Movimento do campo, das florestas denunciam desmonte da seguridade social

Documento explica impactos na vidas dos trabalhadores e trabalhadores rurais da PEC 06/2019 e da MP 871/2019
BdF [24].jpg

 

Da Página do MST

A Articulação Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras dos Povos do Campo, das Águas e das Florestas publicou recentemente uma carta sobre as implicações das medidas sobre trabalho e previdência.
 

O documento, assinado por diversas organizações e entidades de diferentes espaços na luta por terra, território e dignidade, explica como a proposta de reforma da previdência apresentada pelo governo de Jair Bolsonaro (PSL) tem como objetivo atrasar e inviabilizar o acesso ao benefício.
 

O desmonte da Previdência Social começa na Medida Provisória 871/2019 e o impacto diretoda medida na previdência rural, uma vez que esta tem um caráter excludente do direito à proteção previdenciária. A partir desta MP, o documento explica o processo histórico de luta e materialização dos direitos fundamentais para os trabalhadores e trabalhadoras.

Confira abaixo o documento completo:

 

ARTICULAÇÃO NACIONAL DOS TRABALHADORES E TRABALHADORAS DOS POVOS DO CAMPO, DAS ÁGUAS E DAS FLORESTAS

Por Terra, Território e Dignidade!

1- A PREVIDÊNCIA SOCIAL HOJE

A Previdência Social é fruto de um processo histórico de luta e materialização dos direitos fundamentais para os trabalhadores e trabalhadoras, sendo a principal política de distribuição de renda do país, proporcionando a garantia da qualidade de vida dos trabalhadores e trabalhadoras, além de ser o principal fator de dinamização da economia de centenas de municípios no País. Também se destaca no contexto nacional como política estratégica de diminuição da pobreza, colaborando com a justiça social e, portanto, a efetividade da dignidade da pessoa humana, principio central do Estado Democrático de Direito.
 

Junto com a Saúde e a Assistência Social, a Previdência Social integra o sistema de Seguridade Social compreendido como um conjunto integrado de ações dos poderes públicos e da sociedade, financiado por diversas fontes de receitas, conforme determina a Constituição de 1988. Esse sistema está organizado sobre uma base diversificada de contribuições obrigatórias e fontes de receitas, dentre as quais se destacam as contribuições dos empregados e empregadores, Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Confins), Contribuição sobre a Movimentação ou Transmissão de Valores e de Créditos, Programa de Integração Social (PIS), e contribuição sobre o valor da comercialização da produção rural feita pelo agricultor.
 

Para o financiamento da previdência rural faz-se necessário a manutenção de um robusto sistema de solidariedade na distribuição do ônus contributivo que se traduz na equidade na forma de participação do custeio e na diversidade da base de financiamento que, atualmente, sustenta o sistema seguridade social, cumprindo o que determina o artigo 194, incisos V e VI e o artigo 195 da Constituição Federal. Isso significa dizer, que o custeio dos benefícios rurais não provém apenas de uma única fonte de contribuição, qual seja, a proveniente dos próprios trabalhadores, mas sim das diversas fontes que financiam a Seguridade Social em observância a capacidade contributiva de cada pessoa, física ou jurídica. Nesse sentido, a contribuição incidente sobre o resultado da comercialização da produção rural, é uma forma justa de contribuição considerando a sazonalidade das safras agrícolas e a capacidade contributiva dos segurados rurais, conforme preconiza o artigo 195, § 8o da Carta Magna.

2 – DESMONTE SE INICIA COM A MP 871/19

A Medida Provisória 871/2019 impacta diretamente a previdência rural, pois ela tem um caráter excludente do direito à proteção previdenciária. É intenção do governo, a partir de 2020, reconhecer direitos apenas dos trabalhadores rurais denominados segurados especiais que estiverem cadastrados e com informações atualizadas no Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS-Rural). Não havendo informações do segurado no CNIS, o acesso à proteção previdenciária dependerá da comprovação do recolhimento da contribuição previdenciária incidente sobre a venda da produção rural.

Tais medidas, se aprovadas nos termos propostos, vão dificultar o acesso aos benefícios previdenciários rurais, tendo em vista que a maioria dos segurados especiais não tem informações cadastrais atualizadas nas bases de dados do governo. Tampouco os segurados conseguirão comprovar o recolhimento de contribuição previdenciária devido à dificuldade que enfrentam para formalizar a venda da produção rural.

Atualmente, poucos estados e municípios tem política para formalizar os agricultores e a venda da produção rural e ainda não há uma base de dados com informações integradas entre os entes do Estado brasileiro (União, Estados e Municípios) que permita o INSS e a Receita Federal identificar a contribuição dos segurados especiais sobre a venda da produção rural, principalmente quando o adquirente da produção é pessoa jurídica. Essas questões demandam um período de transição para tornarem-se efetivas.

3- MUDANÇAS PROPOSTAS NA PEC 06/2019

Desconstitucionalização da Previdência Social – Uma das grandes questões que precisamos entender é que o governo, através da PEC 06/2019, pretende retirar da CONSTITUIÇÃO diversas regras importantes que vinculam os direitos dos cidadãos à Seguridade Social (Saúde, Previdência e Assistência). A Reforma da Previdência, por ser uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição), precisa de 308 votos na Câmara dos Deputados e 49 votos no Senado para ser aprovada. Caso o texto da PEC 06/2019 seja aprovado como está, novas mudanças nas regras da previdência poderão ser feitas por meio de Lei Complementar que exige 257 votos na Câmara dos Deputados e 41 votos no Senado para serem aprovadas. Isso facilitaria as negociações do governo para futuras mudanças na previdência social, certamente com regras mais cruéis para restringir ainda mais os direitos dos trabalhadores e trabalhadoras.

Capitalização – Ao propor um sistema de previdência baseado na capitalização, a intenção do governo é retirar do Estado o papel de administrar e cumprir parte do financiamento da seguridade social, colocando na mão do mercado financeiro, dos bancos, a administração da maior riqueza social desse Pais que é a Previdência Social. Essa proposta acaba com o sistema solidário de financiamento que conta atualmente com a contribuição das empresas, dos trabalhadores e do Estado. No regime de capitalização somente o trabalhador e a trabalhadora passarão a contribuir para uma conta individual que será administrada por instituições vinculadas aos bancos privados, que cobrarão uma taxa administrativa para fazer a gestão dos recursos, além do que usarão o dinheiro dos segurados e seguradas para fazer investimentos.

Trata-se de uma proposta perigosa que causará problemas sérios num futuro não muito distante. Pensões por morte – A proposta do governo Bolsonaro também ataca o direito dos dependentes do segurado, especialmente do cônjuge que recebe aposentadoria, cuja pensão poderá ser paga em valor inferior ao salário mínimo. As novas regras também determinam que o valor do benefício da pensão corresponderá, para o primeiro dependente, ao percentual de 60% do salário de benefício de aposentadoria a que o segurado falecido teria direito, e será acrescido em 10% por cada dependente adicional, até alcançar o limite de 100%.

Benefício de Prestação Continuada – BPC – propõe o aumento da idade de 65 para 70 anos para que o beneficiário possa receber um salário mínimo de benefício mensal, desde que comprove a condição de miserabilidade. Em casos mais graves poderá acessar o benefício a partir dos 60 anos, mas receberá somente R$ 400,00 por mês. Para acessar o benefício do BPC foram estabelecidas regras muito mais rígidas.

4- MUDANÇAS ESPECIFICAS PARA OS SEGURADOS/AS ESPECIAIS

Fim da condição de Segurados/as especiais – A PEC 06/2019 acaba com o acesso dos Seguradas/os Especiais aos benefícios previdenciários mediante a comprovação do exercício da atividade rural. A proposta de reforma impõe a comprovação de contribuição mínima anual de R$ 600,00 por núcleo familiar. Caso a contribuição sobre a venda da produção rural não alcance o valor mínimo, o grupo familiar deverá recolher a diferença até 30 de junho do ano seguinte. Assim, pelas novas regras propostas pelo governo, e diante das condições de produção e de geração de renda no campo, as/os trabalhadoras/es rurais certamente enfrentarão enormes dificuldades para obterem o direito à proteção previdenciária atualmente garantida pelo texto constitucional. E o futuro dos trabalhadores/as rurais no acesso à previdência social pode ser ainda mais tenebroso, já que esse é um dos pontos da reforma é que as novas regras podem ser alteradas por lei complementar.

Aumento do tempo de contribuição – A proposta de reforma propõe a elevação do período de carência de 15 para 20 anos de contribuição para acesso à aposentadoria por idade. Na área rural, a regra para acesso a esse benefício exige que o trabalhador segurado especial comprove, no mínimo, 15 anos de efetivo exercício da atividade rural. A mudança na regra exigindo 20 anos de contribuição significa que enorme contingente de segurados rurais não conseguirá acessar o benefício da aposentadoria por idade pelo simples fato de não conseguir contribuir pelo tempo mínimo de carência exigido.

Aumento da idade para as mulheres trabalhadoras rurais – O Governo, ignorando que as mulheres têm tripla jornada de trabalho, propõe que elas se aposentem com a mesma idade dos homens, ou seja, 60 anos. Ao elevar a idade de aposentadoria para 60 anos, as trabalhadoras rurais que conseguirem acessar tal direito terão cumprido 45 anos de trabalho penoso, em dupla ou tripla jornada, muitas vezes sem finais semana, feriados e férias para descansar, pois o labor rural não permite. Percebe-se que tal proposta apresentada tem a intenção maldosa de arrancar brutalmente das mulheres, durante esses 5 anos, nada menos que R$ 64.870,00 de benefícios, valor correspondente a 60 meses, mais 13o, que as mulheres camponesas deixarão de ter acesso.

Trabalhadores/as assalariados/as rurais: De acordo com a PNAD/IBGE (2015) dentre os 4,0 milhões de assalariados rurais, aproximadamente 60% trabalham na informalidade. Os que conseguem ter contrato de trabalho formalizado, 54% tem vínculo formalizado por período que varia, no máximo, entre 3 e 6 meses durante o ano1. Portanto, exigir desses trabalhadores anos de contribuição para acesso à aposentadoria por idade, significa excluí-los desse direito protetivo, não só pela informalidade das relações de trabalho, mas também pela dificuldade que terão para manter-se executando um trabalho penoso e exaustivo por período superior a 40 anos.

5- NOSSA DEFESA:

A não desvinculação dos direitos previdenciários da Constituição Federal;

A manutenção da vinculação do valor dos benefícios ao salário mínimo;

A manutenção da idade de aposentadoria das mulheres trabalhadoras rurais (55 anos);

A manutenção do tempo de carência para a aposentadoria por idade em 15 anos de contribuição, no caso de assalariados (as) rurais, e de 15 anos de comprovação de atividade rural, no caso dos segurados especiais;

A exclusividade da contribuição sobre a venda da produção rural vinculando-se o grupo
familiar;

O aperfeiçoamento e simplificação do sistema de arrecadação que facilite a formalização da venda da produção rural e, consequentemente, o recolhimento da contribuição previdenciária, o que exige um período de transição adequado sob pena de excluir milhões de segurados especiais do acesso aos seus direitos por não ter como comprovar o recolhimento de contribuição;

Que as informações dos segurados especiais, já cadastradas no CNIS-Rural, sejam imediatamente consideradas para o reconhecimento de direitos, mas não de forma EXCLUSIVA a partir de 2020, como quer o governo. É preciso que o próprio sistema do CNIS-Rural funcione adequadamente para que se possa fazer o cadastro do segurado especial e atualizar as informações anualmente;

Que seja mantida na Lei a previsão de cooperação do INSS com as entidades sindicais e de classe que representam os segurados especiais para garantir efetivo atendimento dos mesmos na Previdência Social, em especial para realizar e atualizar o cadastro;

A preservação dos direitos previdenciários dos segurados especiais quando não houver
renda proveniente da venda da produção rural em decorrência de situação de emergência
ou de calamidade reconhecida pelo poder público.

Brasília, 29 de abril de 2019

 

CONTAG – Confederação Nacional de Trabalhadores Rurais Agricultores/as Familiares

CONTRAF BRASIL- Confederação Nacional de Trabalhadores/as na Agricultura Familiar do

Brasil

CPT- Comissão Pastoral da Terra

MST- Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra

MMC- Movimento de Mulheres Camponesas

MPA-Movimento dos Pequenos Agricultores

MCP- Movimento Camponês Popular

MAB- Movimento dos Atingidos por Barragens

 

MAM- Movimento dos Atingidos pela Mineração

CONAQ – Coordenação Nacional de Articulação de Comunidades Negras Rurais Quilombolas

APIB – Articulação dos Povos Indígenas do Brasil

CIMI- Conselho Indigenista Missionário

ABRA- Associação Brasileira de Reforma Agrária

PJR- Pastoral da Juventude Rural

CUT- Central Única dos Trabalhadores

CTB- Central dos Trabalhadores/as do Brasil