Música Sem Terra: tradução e expressão simbólica da luta

A música confere sentido à luta pela terra e difunde o projeto de Reforma Agrária Popular
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O 2º Curso de Música Popular do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), que reuniu cerca de 60 educandos. Foto: Dandara Stürmer

Por Solange Engelmann
Da Página do MST

 

Ao longo dos séculos, a música tem a função de traduzir e conferir sentido ao sofrimento e a resistência da classe trabalhadora no enfrentamento à opressão e violência do capitalismo. No MST não poderia ser diferente.
 

“O lúdico, a capacidade criativa que vem por meio da arte, nos ajuda a observar as coisas de maneira diferente. Então, ela contribui tanto para as pessoas que estão no movimento, quanto para difundir o nosso projeto de Reforma Agrária”, explica o músico, integrante do setor de cultura do MST e mestre em geografia, Raumi de Souza.
 

Algumas canções são inseparáveis da luta da classe trabalhadora… Não há como contar a história de resistência dos trabalhadores sem relembrar de músicas que traduzem vários momentos marcantes.
 

Um exemplo disso são as canções de resistência à Ditadura Militar no Brasil, presentes nas memórias desse período. Quem nunca ouviu a canção Pra não dizer que não falei das flores, de Geraldo Vandré, gravada em 1968? Ela foi censurada após se tornar referência de resistência do movimento civil e estudantil à ditadura.
 

“…Vem, vamos embora, que esperar não é saber,
Quem sabe faz a hora, não espera acontecer…”

A música toca com mais facilidade o coração das pessoas e ajuda na compreensão de algumas ideias, e por isso também se torna um instrumento importante na tradução e expressão simbólica de luta do MST, estando presente no Movimento desde o seu surgimento até os dias atuais.
 

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Foto: Dandara Stürmer

Raumi conta que desde a infância se interessou por cantar e tocar instrumentos musicais. Ele tinha oito anos quando começou a participar do MST no estado da Bahia, desenvolvendo com isso um pensamento crítico. Hoje, suas composições têm uma perspectiva mais crítica e política.

“Fui criando canções porque via os compositores do movimento, da luta, fazendo canções e cantando. Isso me motivava também a escrever as canções e falar sobre questões pertinentes à minha realidade e das pessoas que estavam ao meu redor”, ressalta o músico.
 

As composições do militante abordam a questão racial, da terra e de classe. São temas que ele também trabalhou na sua graduação e mestrado em geografia, articulando a música com a pesquisa e o trabalho intelectual. 
 

Uma das principais canções de autoria de Raumi incorporada pelo MST foi “Sou Sem Terra, sou pobre, sou negão, sou revolução”, composta em 20
 

O músico é um dos exemplos mais recentes entre os vários compositores e compositoras, cantadores e cantadoras, que a luta pela Reforma Agrária revelou ao longo do seu processo histórico. Agregando atualmente a luta por novas relações de gênero, contra o racismo e a LGBTfobia, o genocídio indígena, entre outras demandas dos trabalhadores e trabalhadoras do campo.
 

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Raumi canta e toca desde a infância nos
acampamentos e assentamentos do MST.
Foto: Arquivo pessoal

 

Música cria nova sociabilidade
 

A música no MST está associada à luta cotidiana e reflete a dinâmica de enfrentamento de classes em cada período histórico. Assim, os Sem Terra criaram uma nova sociabilidade, que engloba a arte e o processo de criação e difusão da cultura, integrada à luta popular e à cultura camponesa, que se articula à resistência cotidiana na terra, luta pela Reforma Agrária e construção de uma sociedade mais justa.
 

“A música sempre foi uma das formas simbólicas mais cultivadas pelos Sem Terra para expressarem sua cultura, sua relação com a natureza, a luta, a vida. Simbolismo e beleza que ajudaram a criar nossa identidade, fortalecer nossa unidade e nos deram força política e social”, aponta o documento do seminário nacional “A Música no MST”, realizado em março deste ano.
 

No documento, os Sem Terra também explicam que a musicalidade se conecta com a memória das lutas de resistência anteriores, celebra a fartura da colheita e canta a realidade na terra, na relação com a natureza e a espiritualidade do povo. 

 

Na história de luta do MST, a cultura e a arte estão presentes nas ocupações de terras, assembleias, cursos, encontros, conquistas, mobilização, etc. E através da música, do teatro e da mística, relembram memórias, constroem identidade e desenvolvem novas relações humanas. 
 

Para Raumi, a música tem um papel extraordinário em escrever a história do Movimento, pois busca conferir sentido a cada momento histórico.
 

“Quando o movimento surgiu, que pensava de um determinada maneira, as músicas vão estar traduzindo aquele pensamento e sem dúvida, isso fica mais fácil das pessoas compreenderem. Como o passar do tempo, as músicas também vão mudando e trazendo várias questões atuais”, completa. 

Cantoria no Armazém do Campo (BH) com músicas que marcaram história. Foto: Dowglas Silva.jpg
Cantoria no Armazém do Campo (BH) com
músicas que marcaram história. Foto: Dowglas Silva

Algumas músicas que marcam a história do MST (clique no nome da música e ouça):
 

A grande esperança (ou A classe roceira) 
A classe roceira e a classe operária 
ansiosa espera a Reforma Agrária…

(Letra e música: Zilo e Zalo, 1963)

Funeral de um lavrador 
Esta cova em que estás com palmos medida
É a conta menor que tiraste em vida
É a conta menor que tiraste em vida..
.”
(Composição: João Cabral de Melo Neto e Chico Buarque/1966)

Terra e Raiz
…A terra guarda a raiz
Da planta que gera o pão
A madeira que dá o cabo
Da enxada e do violão…

(I Oficina Nacional dos Músicos do MST, 1996)

Procissão dos Retirantes 
…Eu não consigo entender, 
Que nesta imensa nação 
Ainda é matar ou morrer, 
Por um pedaço de chão!..”

(Letra: Marjin César Ramires Gonçalves/Música: Pedro Munhoz)

Mais um ser na massa
Ser Sem Terra é ser herói, é ser guerreiro...”
(Gravação do CD Versando a Luta, 2016)
Assista aqui videoclipe da música e o processo de produção do CD
 

Ordem e progresso*
Esse é o nosso país
Essa é a nossa bandeira
É por amor a essa pátria Brasil
Que a gente segue em fileira…”

(Compositor: Zé Pinto. Intérprete: Beth Carvalho, 1997)
Outra versão com Zé Pinto
Veja mais sobre a história e música do cantador popular, Zé Pinto 

**Editado por Fernanda Alcântara