“Eu tenho muito orgulho de produzir alimentos”

​Conheça a história de Ana Crisitina Quevedo, ex-trabalhadora urbana que se encontrou na vida de agricultora
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Os filhos Valquíria e Julio moram com Ana no lote conquistado na luta pela terra.

Por Catiana de Medeiros
Da Página do MST

A história da Ana Cristina Quevedo é sobre uma trabalhadora urbana que encontrou o seu caminho na luta pela terra e na agricultura. Ela nasceu no município de São Lourenço do Sul, na região Sul do Rio Grande do Sul. Ao deixar a cidade, Ana teve que encarar um mundo novo. Se casou, constituiu uma família, trabalhou pesado no plantio de fumo e morou num barraco de lona preta. Hoje ela se orgulha de ser quem essa vida a tornou. Agora, aos 40 anos de idade, mora com dois de seus três filhos no assentamento Conquista do Caiboaté, na Fronteira Oeste gaúcha.

Ana vem de uma família que há várias gerações ganhava a vida com o trabalho na cidade. O seu avô tinha uma olaria onde fabricava tijolos, sua mãe é faxineira e seu pai era eletricista. Ela morou até os 20 anos em sua terra natal e, após se casar com um filho de assentados, se mudou para Canguçu, um município que também se localiza na região Sul do estado. Lá, tiveram dois filhos: Valquíria, hoje com 17 anos, e José Augusto, de 19 anos. “Eu vivia a realidade da cidade. Depois, quando fui pra fora, parece que me encontrei. Gostei muito da convivência, da criação que eu podia dar aos meus filhos lá”, acrescenta.

 

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Ana Cristina Quevedo, mulher negra,
Sem Terra e agricultora, sente orgulho
de quem se tornou

Ana lembra que foi em Canguçu, onde trabalhava com a monocultura de fumo, que ela começou a compreender a importância da democratização do acesso à terra no país. Em 2005, foi convidada por famílias assentadas para participar da Marcha Nacional pela Reforma Agrária, organizada pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), de Goiânia a Brasília. No ano seguinte, já separada do seu companheiro, Ana passou a construir a sua própria história na luta pela terra.

“Antes de ir pro acampamento eu me separei. Esse foi o período mais complicado que eu passei. Até me encontrar e descobrir que poderia ter a oportunidade de conquistar o que era meu, eu tive que trabalhar para os outros no fumo e deixar os filhos com o meu ex-marido. Foi um desafio muito grande. Mas graças à luta eu conquistei a terra e pude trazer meus filhos comigo. Como eu tinha um lugar pra ficar com eles, juiz nenhum me tirou”, explica.

O primeiro acampamento de Ana foi em Camaquã, na região Centro-Sul gaúcha. A convivência com pessoas simples, que tinham os mesmos sonhos e compartilhavam dos mesmos valores, foi enriquecedora para ela. “Elas foram muito solidárias quando eu cheguei, arrumaram um lugar pra eu ficar e me organizar. Eu me encontrei ali, porque um ajudava o outro. Alguns anos depois me mudei para o acampamento Jair Antonio da Costa em Nova Santa Rita, na região de Porto Alegre”, recorda. 

A vida de agricultora no assentamento

Ana está assentada há dez anos no assentamento Conquista do Caiboaté, em São Gabriel, onde mora com os seus filhos Júlio, de 9 anos, e Valquíria. Ela abandonou as lidas no fumo, que apesar dos riscos de contaminação por agrotóxicos foram importantes para a sua sobrevivência após a separação, e apostou num outro tipo de agricultura. No lote tem horta e lavouras de arroz, batata-doce, mandioca, abóbora e moranga. A agricultora, que também cria porcos, galinhas e vacas de leite, faz queijos e doces para vender na cidade.

 

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Alimentos produzidos por Ana em 
seu lote, em São Gabriel

“A minha vida e a vida da minha família melhoraram muito depois que viemos pro assentamento. Hoje eu moro numa casa de madeira, meus filhos moram comigo e tenho a minha terra, que foi conquistada com muita luta”, destaca.

Para Ana, ser agricultora é motivo de orgulho, pois nessa profissão conquistou vida digna e pode contribuir com a alimentação de quem vive na cidade. Ela acredita que os camponeses são valorizados pela sociedade, mas não pelo atual governo federal. Bolsonaro cortou políticas públicas que impulsionavam a produção de alimentos e melhoravam a qualidade de vida dos pequenos agricultores. Por esse motivo, a assentada ressalta que na data 25 de Julho, pouco se tem a comemorar.

“Temos que ter muito orgulho de produzir nossos alimentos e colocar na mesa do trabalhador. Mas nesta conjuntura não tem o que comemorar, porque a gente vê dia após dia o retrocesso do povo brasileiro com esse governo, que já cortou muita coisa que nós demoramos pra conquistar. Nós, agricultores, só podemos comemorar por sentirmos orgulho de quem somos”, enfatizou.

Conforme Ana, o papel da Reforma Agrária é produzir alimentos saudáveis. Por isso, contar com iniciativas que ajudam as famílias assentadas a desenvolverem a agricultura orgânica, sem o uso de agrotóxicos, é fundamental. Ela comenta que muitas não conseguiram acessar as políticas públicas estabelecidas no Programa Nacional de Reforma Agrária.

“Elas são importantes para conseguirmos viabilizar a nossa vida na roça, construir agroindústrias e organizar as cooperativas. Isso faria com que os nossos filhos continuassem trabalhando no campo”, aponta. 

Mesmo com esse sentimento de que os governantes poderiam fazer mais por quem trabalha em pequenas áreas campo, Ana não desanima. Ela resgatou o acolhimento e a solidariedade que recebeu dos Sem Terra, à época em que ingressou na luta por Reforma Agrária, para ajudar outras famílias a se organizarem nos assentamentos da Fronteira Oeste. A assentada conta que é muito grata à família MST, porque lhe deu oportunidades na vida. 

“A Reforma Agrária dá certo, sim. O MST é um Movimento de massas que, através da sua luta, conseguiu assentar milhares de famílias. A minha é uma das que foram beneficiadas com esse projeto. Eu tenho muito orgulho dessa luta, de ser assentada, de hoje poder morar com os meus filhos e produzir alimentos”, finaliza.

*Editado por Fernanda Alcântara

** Este perfil faz parte de uma série que homenageia mulheres Sem Terra na Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha​. Leia outras aqui e aqui