“O Armazém do Campo é um espaço de resistência no centro do Rio de Janeiro”

Em entrevista, Angela Bernardino (27) fala sobre o papel político do Armazém durante as comemorações de 1 ano da loja no Rio de Janeiro (RJ)
Para Angela, a rede Armazém do Campo é um espaço de resistência político-cultural dos trabalhadores. Foto Luara Dal Chiavon.jpg
Objetivo é mostrar que o Movimento ocupa a terra e produz alimentos saudáveis. Foto: Luara Dal Chiavon

Por Wesley Lima
Da Página do MST

um ano, o Armazém do Campo, localizado na Lapa, no centro do Rio de Janeiro, tem levado alimentos saudáveis, arte, cultura, política e muita luta para o coração da capital carioca.

A loja do MST, que comercializa hoje mais de 450 produtos orgânicos e agroecológicos, vindos de assentamentos da reforma agrária e pequenos agricultores, se tornou uma referência. A proposta da rede de lojas, que já está presente em cinco estados, é comercializar diariamente os produtos e aproximar a população do debate em torno alimentação saudável, mas também da atual conjuntura política.

A jovem Angela Bernardino (27), militante Sem Terra, atua na coordenação política do Armazém do Campo no Rio de Janeiro e afirma que o espaço é pensado e articulado de maneira direta com a luta do MST, que há 35 anos tem levantado a bandeira da produção de alimentos saudáveis e agroecológicos.

Em entrevista para Página do MST, ela aprofunda essas questões e desenvolve o papel político das lojas Armazém do Campo, conectados a Reforma Agrária Popular, cumprindo o objetivo de “dialogar e mostrar para sociedade que o Movimento Sem Terra não só ocupa a terra, mas também produz alimentos saudáveis, sem veneno”.

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Foto: Luara Dal Chiavon

Além disso, Bernardino diz que no estado do Rio os processos de comercialização de produtos da reforma agrária não se resumem ao espaço do Armazém do Campo, mas o Movimento tem se preocupado em construir a cada 15 dias o espaço Terra Crioula, que existe há dois anos, e uma vez por ano a Feira Estadual da Reforma Agrária Cícero Guedes. Nesse sentido, essas três estruturas têm ocupado um espaço importante que fortalece a produção de alimentos saudáveis e dá dinâmica para relação campo e cidade.

Leia a entrevista na íntegra:

Sem agrotóxicos, produtos orgânicos, alimentos saudáveis, fim das relações de exploração no trabalho, diversidade. Esses termos fazem algumas sínteses do que simboliza o Armazém do Campo, que ao completar 1 ano de existência no Rio de Janeiro, simboliza muito para o MST. Fale um pouco sobre a dimensão política do Armazém na perspectiva da Reforma Agrária Popular.

Construímos o Armazém aqui no centro do Rio com o objetivo de ter um espaço de resistência e isso foi se consolidando ainda mais durante o processo eleitoral do ano passado. Com a violência generalizada e pessoas sendo agredidas,   onde as pessoas se encontravam mesmo. Inclusive teve um dia muito emocionante, porque a gente abriu as portas da loja e tinha muita gente ali fora e as pessoas queriam entrar, pois gostariam de estar num espaço aonde se sintam seguras e que possam conversar sobre tudo sem sofrer nenhum tipo de violência ou de constrangimento.

Por isso, o Armazém tem se reafirmado, cada vez mais, como um espaço de resistência político-cultural dos trabalhadores, cumprindo o papel de debater a Reforma Agrária Popular, para dialogar e mostrar para sociedade que o MST não só ocupa a terra, mas também produz alimentos saudáveis, sem veneno.

Como a dimensão da luta pela terra ocupa espaço no Armazém do Campo?

A luta pela terra é trazida para dentro desse espaço. Não só aqui do Armazém, mas a gente tem outros espaços no Rio, como o espaço Terra Crioula, que cumpre o papel de trazer os produtores para uma feira que acontece a cada 15 dias. Mas, o Armazém traz esse debate no dia a dia e com as Feiras da Reforma Agrária a gente faz isso uma vez por ano.

Então, eu acho que esses três espaços: a Feira Estadual da Reforma Agrária, o espaço Terra Crioula e o Armazém do Campo, trazem em dimensões diferentes o processo da luta pela terra. Porque quando a gente faz a feira nós temos os produtos que são do hortifrúti, que é direto com o produtor; quando a gente faz o Terra, nós não só trazemos os produtos para dialogar, mas também incorpora a parte cultural; já aqui no Armazém, aglutinamos todos esses dois processos, só que com a organização de nossa produção a partir das cooperativas,
que já passam por um processo de industrialização dos produtos um pouco mais elaborado e que vão para o mercado comum. Esses três espaços cumprem um ciclo fundamental, levando para cidade não apenas produtos,
mas, principalmente, os frutos da luta pela terra e pela reforma agrária.

Por que a capital do Rio de Janeiro foi escolhida para receber mais uma das lojas da rede
Armazém do Campo?

O Rio de Janeiro tem muito a cultura da realização de feiras orgânicas, que se materializa no Circuito de Feiras do Rio, e também é uma grande capital estratégica para o MST fazer relações políticas com sindicatos, outros movimentos, inclusive para ajudar a construir esse espaço e ligar campo e cidade. Tanto é que os Armazéns estão nos grandes centros para que possamos fazer o debate da Reforma Agrária e trazer esse mesmo debate para o campo. Ou seja, construir uma relação mais íntima entre campo e cidade, dialogando com a sociedade.

Outro fator importante, é que o Rio de Janeiro é um berço cultural e a indústria cultural acaba tomando conta desses espaços. O Armazém é criado na contra mão desse movimento de industrialização da arte e transformação da nossa produção cultural em mercadoria. Então precisamos ocupar dois espaços centrais: a da produção de alimentos saudáveis e orgânicos; e construir novas relações de produção e reprodução da vida a partir da arte e da cultura.

Quais são os principais pilares que organizam o Armazém do Campo no Rio de Janeiro?

O primeiro é fazer propaganda Reforma Agrária, dialogando com a sociedade e desconstruindo o discurso de criminalização que a sociedade tem sobre o MST. O segundo é a comercialização de produtos oriundos da Agricultura Familiar, do Pequeno Agricultor. Produtos que são orgânicos, que são livres de veneno, que são agroecológicos e que tenham uma outra lógica de produção, incluindo a juventude e as mulheres no processo produtivo. O terceiro pilar é o cultural. Nosso objetivo aqui também é fornecer cultura às pessoas. Por isso que nossas atividades são gratuitas. O quarto e último pilar é garantir a produção de alimentos saudáveis de fato e que sejam agroecológicos. Essas quatro questões acabam norteando a construção dos Armazéns.

Os Armazéns tem se consolidado com um espaço amplo para os trabalhadores de organizações e movimentos populares. O Armazém do Campo no Rio, por conta de sua estrutura física e natureza política, tem abraçado a realização de muitas iniciativas. Como esses processos se articulam e por que fazem parte da natureza do Armazém?

Nós não só fazemos atividades culturais, lançamento de livros, enfim. O Armazém se tornou um espaço de referência e aqui, de referência da esquerda, nesse período que a gente está vivendo. O processe da articulação é reflexo disso. E essas articulações se dão não só com movimentos do campo popular, mas com sindicatos, professores, alunos, e isso materializa a dimensão da articulação política dentro de nossa estrutura hoje.

Por isso, podemos destacar o link direto com nossa natureza política, porque essa articulação é um processo que constrói a luta, mas também a própria loja. Nesse sentido, temos uma relação direta entre a luta política, a articulação e a comercialização de alimentos saudáveis.

Que desafios atualmente o armazém possui olhando para atual conjuntura e por estar localizado no coração da Lapa no Rio?

Acredito que um dos desafios é continuar com esse espaço aberto diante da atual conjuntura. Acho que esse é nosso principal desafio, conseguir que esse espaço mantenha-se de portas abertas e que seja um espaço de resistência ativa. Paralelo a isso, é importante que a gente consiga trazer cada vez mais produtos para dentro do Armazém e falo de produtos de outros estados e regiões.

Do Nordeste, por exemplo, temos poucos produtos, por outro lado, temos uma grande produção por lá. Mesmo com dois Armazéns no Nordeste agora a gente não consegue escoar toda a produção. Então precisamos avançar na articulação interna e construir uma logística para que essa produção possa estar em diversos lugares diferentes. Temos também o desafio de fazer que esse espaço se torne cada vez mais um espaço de formação política. Precisamos trazer o povo para estudar dentro de nossa estrutura.

 

*Editado por Yuri Simeon