Versos de resistência: em Alagoas, jovens são premiados em concurso de poesia

Clésia e Alexandro, de assentamentos da Reforma Agrária, tiveram suas obras selecionadas no concurso de poesia para jovens negros
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Coletivo UnirVersosSlam. Foto: Divulgação

Por Gustavo Marinho
Da Página do MST

 

Ao todo foram 30 poesias selecionadas, todas elas produzidas por jovens negros dos quatro cantos de Alagoas.  O “Odo-Concurso Preto de Poesia para Jovens da Periferia”, selecionou versos que retratam o cotidiano, a luta, resistência e persistência que, em rimas, fortalecem e forjam sujeitos com a criatividade e questionamentos necessários, seja no campo ou na cidade.
 

Com o lema “Eu, jovem pret@, resisto e insisto”, o concurso premiou na última sexta-feira (27) diversos jovens poetas e poetisas de várias cidades de Alagoas, entre eles dois jovens assentados da Reforma Agrária no município de Maragogi que, além da história da luta pela terra, carregam no sangue o amor pelos versos e a força nas composições.
 

Vinda do assentamento Massangano, Clésia Raíza, de 18 anos, ficou em primeiro lugar entre as poesias inscritas por jovens de sua idade, e Alexandro Santos, também de 18 anos, do assentamento Aquidabã, foi outro premiado na categoria. Os dois vão ter suas poesias publicadas no “O Livro Preto de Poesias”, livro resultado do concurso, que será lançado na próxima edição da Bienal Internacional do Livro de Alagoas, no mês de novembro.
 

Os dois fazem parte do coletivo “Unir Versos Slam”, grupo que reúne jovens no município de Maragogi para produção e declamação de poesia em espaços públicos da cidade. O grupo, que é pioneiro na região, existe há um ano, com Clésia e Alexandro participando desde a sua fundação.
 

O concurso foi organizado pelo Instituto Raízes de Áfricas, em parceria com o Governo do Estado de Alagoas, a partir de uma proposta de celebração do fazer poético da juventude negra de Alagoas, suas vivências e perspectivas.
 

“Escrever o que eu sentia para me sentir melhor”
 

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Clésia Raíza. Foto: Divulgação

Os pais de Clésia vivem no assentamento, cuja a terra já havia sido conquistada há alguns anos. Ali foi o lugar onde a menina nasceu, há 18 anos atrás, em uma das casas, com uma parteira da comunidade, Clésia é, literalmente, filha do Assentamento Massangano.

“Desde muito pequena sempre gostei de ler e escrever”, explicou Clésia, “Gosto muito de conversar também, só que tinha umas coisas que eu sentia que não dava para falar por serem muito minhas, então resolvi desabafar para o papel… Acho que foi assim que começou: escrever o que eu sentia para me sentir melhor, aliviada”.

Clésia escreve poesia de protesto, versos românticos e até rimas do seu cotidiano, e partilha o sentimento de gratidão com todos que se envolveram, estimularam e incentivaram sua participação no concurso.

“O sentimento de gratidão me envolve. Gratidão às pessoas que me incentivaram até aqui. Por ser mulher, negra e da zona rural, meu desejo é que outras pessoas também sejam incentivadas e tenham oportunidades, são muitos talentos que temos por aqui, mas que precisam de um empurrãozinho, de uma ajuda. E é isso que falta em muitos lugares”, comentou.

Com o Slam “Até a alma é preta”, composição que venceu o concurso, Clésia fala do orgulho de carregar a história de luta e resistência do povo negro em sua trajetória, como diz trecho da poesia de sua autoria:
 

“O sangue afro corre em minhas veias

E manifesta-se nos meus lábios e no meu cabelo

Que por muito tempo eu tentei esconder devido à repressão

Mas eu me libertei, me aceitei, me amei e o Black armei”

 

“Escrever foi uma forma que encontrei de sobrevivência”

 

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Alexandro. Foto: Divulgação

Prounista, cursando administração em Maceió, Alexandro enfrenta horas e horas de estrada para, todos os dias, sair de Maragogi e ir estudar na capital alagoana. “Saio de casa às 15 horas e quando volto já é meia-noite”, comentou. As batalhas que enfrenta e já enfrentou na vida dão sentido ao que ele escreve e declama.

“Eu sempre gostei de ler. Por ser uma pessoa bastante tímida costumo colocar o que sinto no papel. Não sei bem quando iniciei a escrever, mas desde a infância escrevo. Escrevia mesmo sem saber que aquilo que fazia era poesia”, disse.

“Daí em 2014 pra 2015 conheci o Slam, especificamente o Slam Resistência que é um dos mais famosos existentes hoje e me interessei por eles tratarem de temas da atualidade em forma de versos. Só no início de 2018 fiz meu primeiro poema no formato de Slam, envolvendo problemas sociais que era também uma realidade minha.”

Em referência ao papel político e social de seus versos, Alexandro destaca que encontrou na poesia uma forma de denúncia e de sobrevivência. “Aquilo que me causa incômodo costumo desabafar no papel. Vivemos em um país que mais mata jovens negros e saber que o que acontece com outros jovens poderia também acontecer comigo me causa revolta. Escrever foi uma forma que encontrei de sobrevivência, de alertar e informar os meus sobre as atrocidades que acontecem diariamente”.
 

Ao ser questionado da relação do assentamento que vive com o que ele descreve nas poesias, Alexandro, sem pensar duas vezes, responde com uma de suas produções:
 

“Não seja um alienado procure nos respeitar

Pois se o campo não planta, vocês não jantam

E não adianta dizer que não, todos sabemos que de nós vocês dependem

E se um dia nos revoltar, vocês pra sobreviver vão ter que voltar pra lá

Somos os netos dos indígenas, dos quilombos que vocês não conseguiram matar

Respeite meu lugar”.
 

 

*Editado por Fernanda Alcântara