Uma noite para cantar a liberdade!

No palco bandeiras, e tambores à frente. No chão, marcas de pés acorrentados, e ao fundo a representação de um navio negreiro...
O canto da liberdade e rebeldia (Imagem: Juliana Adriano)

Por Wesley Lima
Da Página do MST

Correntes se arrastavam pelo chão… Nas mãos, a mesma corrente prendia, apertava, sufocava. Sufocava sonhos, aprisionava e desumanizava a cor, a raça.

Neste cenário, os olhos de 400 pessoas, da plenária da Coordenação Nacional do MST, durante a 1º Noite PanAfricana do MST, se encontravam atentos e acompanhavam a cada suspiro o sufocante aprisionamento de corpos, antes livres e agora presos.

Enquanto isso, no palco bandeiras e tambores à frente. No chão, marcas de pés acorrentados. No fundo um navio se formava, representando um navio negreiro. Era um navio de solidão, um navio de corpos negados de si mesmos. Negados de humanidade, a sua cultura, religião.

Antes foram as correntes, os chicotes, a tortura. Hoje, são as prisões, a violência, o genocídio (Imagem: Juliana Adriano)

No balançar do mar, cada corpo preto se movimentava no mesmo ritmo das ondas. Alguns caiam, outros se reerguiam, porém, no mesmo tom de voz se ouvia em alto som: “Todo camburão tem um pouco de navio negreiro”, conectando passado e presente.

Antes foram as correntes, os chicotes, a tortura. Hoje, são as prisões, a violência, o genocídio, a falta de direitos, o não acesso aos seus territórios, a intolerância religiosa…

Um presente não tão distante do passado. Presente, que com as mesmas marcas e crueldade do passado, abre as feridas dos chicotes que ainda marcam os corpos do povo preto.

O navio, lentamente, seguia em direção ao palco enquanto os gritos de denuncia aumentavam, se tornavam ensurdecedores. E os olhos que antes estavam apenas atentos, começavam a gritar juntos: a cantar a liberdade. Esse momento marcou a passagem pelo ‘Portal do não retorno’, considerado “a última etapa da maior deportação jamais conhecida na humanidade – o comércio negreiro”, como constatam os historiadores.

Instante em que os olhos negros entreolham-se tristes, incrédulos. Olhos que procuram o velho Baobá, sua robustez, sua sombra, sua proteção. Mas, infelizmente é hora da despedida, de ir embora para não mais voltar. Assim, quatro milhões de africanos foram arrancados de seus territórios!

Ato reafirma a ancestralidade e a luta africana na Reforma Agrária Popular
(Imagem: Juliana Adriano)

A resistência, a revolta


Em África e na América Latina, a resistência negra e popular também foi lembrada na abertura da Noite PanAfricana do MST. Se por um lado a materialidade dos açoites marcam a história do negro no Brasil, a resistência é lembrada como vários gritos de liberdade.

O batuque do tambor aumenta no ritmo de corações acelerados. Foi nesse ritmo, com punhos erguidos e na ginga da capoeira, que as revoltas começaram em nosso território. E hoje, aprendemos com a lição dos antepassados e o que cada momento representa para nossa atualidade. Alguns dos momentos ecoados na representação mística.

Palmares! Malês! Greve dos Queixadas! Revolta da Chibata! Balaiada! Conjuração Baiana!

Essas e muitas outras revoltas se entrelaçaram aos gritos dos nomes daquelas e daqueles que junto ao povo negro, protagonizaram e marcaram a história nacional e internacional do povo negro.

Zumbi! Martin Luther King! Dandara! Rosa Parks! Aqualtune! Nelson Mandela!

Dezenas de vezes a palavra “presente” foi proferida como resposta, a cada nome citado. “Presente” de presença, de legado, de luta, de contribuição histórica. “Presente” de aprendizados, de referência. “Presente” de amor, amor a raça, amor e luta permanente pela liberdade!

O momento deu início a uma noite, onde a ancestralidade e a luta africana foi relembrada, homenageada e reafirmada como uma das bases na construção da Reforma Agrária Popular. Marcando assim, a história dos 36 anos de luta do MST.


*Editado por Solange Engelmann