Mulheres Sem Terra forjam na luta a cultura da emancipação humana

“Falar da cultura das mulheres Sem Terra é falar principalmente de uma cultura que dê direito a voz e dê direito às ações. Que busca incessantemente a liberdade e a emancipação de todos os seres humanos e da natureza”
Exposição de fotos no encontro do Coletivo Pagu. Foto: Arquivo MST

Por Geanini Hackbardt
Da Página do MST

Em preparação ao I Encontro Nacional das Mulheres Sem Terra, que acontece em Brasília de 5 a 9 de março, os coletivos feministas dos acampamentos e assentamentos intensificam suas atividades por todo Brasil. As mulheres do Movimento são protagonistas tanto da produção quanto da construção da cultura popular.

É o que nos explica Juliana Bonassa, dirigente do Coletivo de Cultura do MST. Para ela, este é um processo organizativo da vida a partir do trabalho, uma prática viva feita pelas pessoas, que está diretamente relacionado ao modo de produção.

“Falar da cultura das mulheres Sem Terra é falar principalmente de uma cultura que dê direito a voz e dê direito às ações. Que busca incessantemente a liberdade e a emancipação de todos os seres humanos e da natureza”.

A conquista da terra com as ocupações, as marchas, a forma de organização das comunidades são elementos de edificação da cultura Sem Terra, a qual abrange arte, comida, formas de produzir, a educação das crianças, os cuidados com os idosos, etc. “As mulheres Sem Terra têm um papel fundamental aí. E dentro desse papel da mulher tem um elemento muito importante que é o cultivo da rebeldia, da inquietação, que grita o tempo todo que as coisas não podem seguir assim como elas estão. Ela é muito mais que uma apresentação artística”, destaca Bonassa.

A cultura popular tem como base os territórios e suas dinâmicas, nos quais o aprendizado e a criação acontecem além da educação formalizada, através da família, do compartilhar com a comunidade. No entanto, o agronegócio se opõe à essas realidades na tentativa de desmontá-las, impondo uma padronização através da mídia, de grandes eventos e todo aparato da indústria cultural, como analisa a escritora e militante do MST Ana Manuela Chã, no livro “Agronegócio e Indústria Cultural”, publicado em 2018 Editora Expressão Popular.

Por isso, a dirigente aponta o fortalecimento da cultura popular como pedra basilar da resistência. “É preciso ter a prática da cultura popular nos movimentos sociais, não só no MST, para que a gente possa de fato ir contribuindo no processo de formação de seres humanos que sejam capazes de nadar contra a corrente, de se negar a aceitar tudo. Tem essa função crítica de olhar a realidade, se apropriar daqueles elementos que são fundamentais para criação de uma cultura de rebeldia, mas também de não se calar, de enfrentar”, aponta.

Assim, Juliana constata que o Movimento avançou muito. “No campo da produção artística a gente tem uma peculiaridade, as mulheres comandam boa parte da cultura organizada em nível nacional. Já nas localidades há um esforço de ter todo e toda Sem Terra fazendo arte e quebrar o paradigma de funções artísticas que quase sempre são masculinas, trazendo suas características, ricas, diversas, cheias de adereços, que representam os viveres distintos do país. Para isso o Coletivo de Cultura tem realizado as Escolas de Arte, nas quais a participação das mulheres tem a intencionalidade da multiplicação”.

Estudo de coro cênico com a cantora Titane, na II Escola de Artes da Região Sudeste.
Foto: Geanini Hackbardt

“As mulheres têm um olhar mais cuidadoso pra isso, para que outras mulheres sejam inseridas, inclusive de ir criando as condições para que outras mulheres se formem no campo artístico”, afirma.

Uma destas experiências é o Coletivo Pagu, que nasce no Pará e se expande para a Região Amazônica. São cerca de 25 mulheres militantes e dirigentes que se auto-organizam periodicamente para estudar e direcionar suas linhas de atuação no gênero, ao mesmo tempo que realizam vivências amplas de arte e cultura. No último encontro, elas realizaram a exposição de fotos “Pelas Mãos Femininas”, com fotografias de Suely Gomes, e debateram o tema do fascismo com a historiadora Adelaide Gonçalves.

Outra experiência é do coletivo de mulheres da Vila 17 de Abril, no assentamento Cristina Alves, município de Itapecuru Mirim, no Maranhão. Elas produzem hortaliças, sabonetes, artesanatos, massa de tapioca e já tem mais de 5 anos de atuação. Pela própria organização acabam coordenando o assentamento, mesmo tempo que estudam, fazem lazer, criam espaços de arte e cultura.

Estes são apenas exemplos dos coletivos que estão por todo Brasil, mostrando que a cultura de rebeldia das mulheres Sem Terra marca o fazer do seu território o mais harmônico possível com aquilo que acreditam, na contra mão do que a sociedade vem passando.