Pachamama e os frutos das mulheres Sem Terra!
Por Rafaela Ferreira
Da Página do MST
O primeiro encontro com ela foi ao observá-la cuidando de uma de suas companheiras. Pegou uma garrafa com água, misturou óleo, esfregou nas mãos para massagear os pés de uma das mulheres deitadas. Fiquei ali parada, reparando na sequência. “Por que não faz a entrevista com Geneci?”, a pergunta feita por uma companheira me tira desse transe. “Ela é da saúde”, completou, quando me viu retornar os olhos à cena.
“Ela é da saúde”. É a frase que instiga uma conversa com Geneci Andriolli. No MST desde 2005 e assentada desde 2007, Geneci foi uma das mulheres que integrou a comissão de saúde no I Encontro Nacional de Mulheres Sem Terra em Brasília. Em uma das salas reservadas para o cuidado físico, emocional e espiritual, como ela descreve – Geneci compartilhava seus conhecimentos no Pavilhão do Parque da Cidade.
“A partir de 2007, quando fui assentada, comecei, então, a contribuir mais diretamente no coletivo de saúde, onde busquei mais o conhecimento das práticas integrativas”, contou, no início de nossa conversa. Contribuindo há oito anos em coletivos Sem Terra, Andriolli trabalhava questões internas de organicidade dos acampamentos.
Depois de contar sua trajetória no Movimento, Geneci me leva à outro projeto de sua vida. “O espaço que a gente vive foi batizado de ‘Pachamama’, que é a relação do nosso espaço e com toda essa luta da terra. Então, é a Mãe Terra dando todos os frutos daquela luta que a gente fez”, esclarece ela. O espaço que fala, com muita paixão nos olhos, é um projeto que vem construindo, ao lado de seu companheiro, no assentamento Dom José Gomes, no município de Chapecó, em Santa Catarina, na parcela onde vivem.
Geneci e a ‘Pachamama’ se tornaram uma só durante nossa conversa. O nome do espaço tem relação com o cuidado em saúde, da soberania alimentar e da agroecologia. Geneci quer devolver para a sociedade o que o Movimento proporcionou a sua família. “Tenho uma gratidão ao Movimento Sem Terra. Por isso, hoje, o que a gente faz lá é mostrar que é possível, que a luta nos proporcionou aquele espaço e o que a gente faz é nosso viver, é nossa tarefa”, conta.
Agroecologia e saúde
A agroecologia e a saúde são pautas que se interseccionam para Geneci. “A gente sabe que a medicina colocada aí, hoje em dia, é para o sistema capitalista, ele tem seus interesses. Convém muito ao sistema capitalista o adoecimento do povo”, disse. Citando os enlatados e alimentos embutidos com corantes e aromatizantes artificiais, ela explica a importância da Pachamama, do viver coletivo e do prover dos frutos da Mãe Terra.
Pergunto sobre as diferenças que ela percebe entre a medicina tradicional, essa do mercado do remédio, e a alternativa, praticada no MST, quase de imediato, ela começa a listar: “a medicação alopática trabalha uma parte do corpo e não o ser como um todo. O nosso tratamento alternativo, tanto com as plantas, as massagens, terapias de relaxamento, ou uma palestra, vem também da anatomia do nosso corpo. A gente discute o todo. É a integração entre o corpo físico e mente, e não só tratar a doença. A gente busca e identifica a causa da doença. Então, essa é a principal diferença”, explica.
Geneci também conta sobre os frutos do I Encontro Nacional das Mulheres Sem Terra. O ser mulher, para ela, é a capacidade de se encontrar, empoderar-se e ter completa noção dos direitos que cada trabalhadora carrega. Ela atribui esse conhecimento ao MST. “O nosso encontro, é resultado disso, de quantas de nós o movimento conseguiu fortalecer e trazer para um encontro desse. Garantir a dignidade de cada uma, superar a timidez, os medos, tantas crenças limitantes que as nossas mulheres sofreram, dentro das famílias, do sistema capitalista, com o machismo, com toda forma de violência física, psíquica, psicológica. Isso é ser mulher”, completou. O Encontro se encerrou na segunda-feira (9), em Brasília.
Caminhando com Geneci até a plenária, onde estavam sendo realizadas as atividades das mulheres, ela nos compartilha mais um pouco da sua vida. “Já ia me esquecendo de falar, mas sou mãe de três! E sou avó também”, me diz. O mais velho também é do Movimento e é assentado, a do meio está se formando em medicina veterinária, em Pelotas e, há quatro anos atrás, veio a caçula da família”, relata com alegria. Ao falar sobre os filhos, ela também chama atenção, que foi a partir das lutas do MST por educação do campo, que os filhos puderam ter acesso ao ensino público e de qualidade.
Ao final da nossa conversa, já ao lado da plenária da Mulheres Sem Terra, Geneci encerra comentando sobre o poder de resistência que o MST possui hoje. “Esse é um momento de resistência mesmo, de enfrentamento a esse modelo capitalista. Um modelo que diz que vai cortar tudo para que nós não desempenhamos nosso trabalho. Nisso a gente fala o contrário, nós resistimos. Nós conquistamos aqui, e a gente mostra que é possível”, fala, acompanhada de um sorriso.
Mulher da luta e da saúde, a Pachamama já colhe seus frutos e é com as mulheres sem terra!
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*Edição: Solange Engelmann