Se eu não fosse Sem Terra, talvez não seria Jeniffer

“No movimento, você se descobre, tem a oportunidade de se entender como realmente é”, diz Jeniffer Rocha.
Foto: Anna Julia Romano

Por Júlia Barbosa e Rafaela Ferreira,
Do Do Coletivo Magnífica Mundi

Ajeita o cabelo, esfrega uma mão na outra, desvia o olhar da lente que a encara. Depois de um longo suspiro, como se estivesse segurando a respiração há tempos, desabafa: “Tô nervosa! Começa de novo, mulher!”, pediu, na tentativa de espantar aquela sensação. E então, a câmera liga novamente.

Mais cedo, neste mesmo dia, Jeniffer Rocha encantava as várias câmeras apontadas para ela. Durante aquele ensaio fotográfico, o nervosismo não ousava se aproximar de sua autoconfiança. Esta mistura de sentimentos que mostra, logo de cara, sua pluralidade, veio com ela do Rio Grande do Norte, onde vive no acampamento Fidel Castro, no município de Ceará-Mirim.

Completando um ano dentro do Movimento de Trabalhadores Rurais Sem Terra, Jeniffer conta como sua percepção a respeito da luta passou por mudanças. Quando convidada por uma amiga, talvez de forma repentina, para entrar no movimento, pensou por três meses até, finalmente, convencer sua cisma. 

Foto: Danielle Melo

E que bom que convenceu. No movimento, conheceu Jeniffer, que já habitava dentro dela. Através das formações e encontros com grupos LGBT Sem Terra, se reconheceu como mulher trans. “No movimento, você se descobre, tem a oportunidade de se entender como realmente é”, explica, afirmando que, se não fosse Sem Terra, talvez não seria Jeniffer. 

Foi durante esta trajetória que conquistou a oficialização de seu nome social. Com o apoio do coletivo LGBT, onde hoje contribui para sua construção, é que passou a compreender que ser mulher é sentir e se afirmar como realmente se é. “Não é questão de ter uma vagina, isso não significa ser mulher. A questão é se sentir assim”, explica. Entendeu, então, que tudo é luta e que ela não lutaria sozinha.

“O movimento é acolhedor, é companheirismo”, afirma, lembrando de sua chegada, quando, em pouco tempo, já sentia o respeito das companheiras. Estar presente no I Encontro Nacional das Mulheres Sem Terra, para Jeniffer, mostra que as mulheres trans estão ocupando e sendo aceitas nos espaços. “As mulheres trans têm que se afirmar na luta, conquistar seus espaços e continuar persistindo, porque só se conquista lutando”, ressalta.

Sua coragem a fez tornar-se espelho para outras mulheres. Conta que, durante uma formação, uma menina a chamava de “mãe”, por representar o seu querer em compartilhar da braveza. Para ela, a sensação de ser vista como inspiração para outras tantas mulheres é inexplicável, talvez por levar isto com tanta leveza.

Foto: Júlia Barbosa

Ser mulher trans sem terra, para Jeniffer, é ser resistência ativa, é persistir e nunca desistir das lutas. Após tantas vivências compartilhadas com as mulheres que deram as mãos em Brasília, ela volta ao Rio Grande do Norte com ainda mais vontade de lutar. Mas deixa um recado à todas as companheiras: “Seja resistência. O lema é nunca desistir, sempre lutar. Nunca mais irão nos calar”.

___

Este perfil faz parte do especial “O que é ser mulher Sem Terra”. Leia mais perfis aqui:


*Edição: Ednubia Ghisi