Ideais e sonhos conectados: A Revolta dos Búzios continua

Artigo lembra dos feitos e legado da Revolta dos Búzios, movimento de caráter emancipacionista ocorrido no final do século XVIII, na então Capitania da Bahia

Por Fabya Reis*
Da Página do MST

O mês de agosto traz grande simbologia e importantes reflexões. Momento de destacar os 222 anos da Revolta dos Búzios, também denominada Conjuração Baiana ou Revolta dos Alfaiates, movimento revolucionário do povo negro que marcou o século XVIII. Este levante popular é considerado um dos mais amplos e importantes, do ponto de vista político, econômico e social da nossa história. Mobilização pelo fim da escravidão, pela efetivação de uma República, defesa da igualdade racial e melhores condições de vida da população.

Os principais líderes do movimento – os alfaiates João de Deus e Manuel Faustino dos Santos Lira, além dos soldados Lucas Dantas e Luiz Gonzaga das Virgens – foram perseguidos e condenados em 1799, um ano após o início da expressiva mobilização, sendo executados publicamente, no local onde hoje está instalada da Praça da Piedade, na capital baiana. Verdadeiros mártires da insurgência que teve como lema “Igualdade, Liberdade e Fraternidade”.

O sistema escravista e opressor da época exterminou as lideranças populares do movimento, mas não impediu a propagação da ideia de que, mesmo naquela época, era viável a formação de unidade na luta, de organização de um processo de resistência envolvendo variados segmentos da sociedade, insatisfeitos com a produção da riqueza colonial que explorava a classe trabalhadora e não garantia perspectivas de uma sociedade justa para todos os indivíduos.

Legado


A política excludente do Brasil-Colônia não barrou, portanto, a propagação dos legados de Búzios. Podemos entender que este movimento emancipacionista influenciou e continua influenciando nas batalhas e desafios que se colocam em períodos posteriores, contagiando as fileiras da militância mais recente, conectando com as frentes contemporâneas.

Aqui vale ressaltar que o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) não está longe desta frente, por exemplo, assim como outros movimentos populares que sempre pautaram a importância de um país soberano e a necessidade de uma profunda reforma agrária.

Luta também conectada com a Marcha das Margaridas e a trajetória de Margarida Alves, mulher negra que morreu na defesa do trabalho digno, do direito à terra, pela igualdade de gênero e contra a violência no campo. Conectada com a bandeira dos Direitos Humanos, incluindo o direito fundamental aos territórios dos povos e comunidades tradicionais e à moradia digna.

Na potência da Revolta dos Búzios também está o mesmo espírito que sempre moveu a secular Irmandade da Boa Morte, hoje conhecida pela mobilização cujo ponto alto ocorre no mês de agosto, no município baiano de Cachoeira. A mesma força e resistência também encontramos no movimento de mulheres negras, que de forma legítima resgata a memória das heroínas que também contribuíram com o levante: Luiza Francisca D’Araújo, Lucrécia Maria, Ana Romana, Domingas Maria do Nascimento e Vicência, nossas referências para seguirmos na luta pelos direitos das mulheres, em especial as mulheres negras.

Também podemos ver Búzios na energia que move o Levante Popular da Juventude com toda a sua diversidade, uma organização contemporânea de jovens militantes, voltada à luta de massas em busca da transformação estrutural da sociedade brasileira. A revolta de 222 anos traz inspiração, ainda, à dinâmica do movimento estudantil, em toda a sua pluralidade.

Pluralidade


Na frente de atuação da institucionalidade, através da Secretaria de Promoção da Igualdade Racial (Sepromi) do Governo da Bahia, temos trabalhado para visibilizar estas lutas de ontem e de hoje, inclusive num grande esforço para a promoção de campanhas permanentes. Este ano as ações levam adiante a mensagem “A Revolta dos Búzios continua”, unindo vozes pela construção de um país que respeite a pluralidade étnico-racial da sua gente, valorize e garanta efetivas políticas de reparação.

Estamos falando de bandeiras do passado e do presente, em espaços variados de incidência, mas que conectam sonhos, ideais, gerações e saberes. Ideias que certamente atualizam a emblemática mensagem espalhada pelas ruas de Salvador, em 12 de agosto de 1798, pelos líderes da Revolta dos Búzios, irmãos negros revolucionários:

“Animai-vos, povo bahiense, que está para chegar o tempo feliz da liberdade. O tempo em que todos seremos irmãos. O tempo em que todos seremos iguais”.

Uma convocatória que anima, faz seguir atualizando a defesa intransigente da democracia e contra toda forma de retirada de direitos. Os ideais lá plantados geram a certeza de que a luta não pode parar.

*Fabya Reis é militante do MST, titular da Secretaria de Promoção da Igualdade Racial (Sepromi) do Governo do Estado da Bahia, doutora em ciências sociais.

**Editado por Fernanda Alcântara