Presença da Força Nacional em áreas do MST pode configurar quebra do pacto federativo, afirma governador da BA

Em portaria, Ministério da Justiça autoriza intervenção em assentamentos do extremo Sul do estado da Bahia

Brigada Aloísio Alexandre, no município de Prado- BA. Foto: Comunicação do MST na Bahia

Por Jamile Araújo
Da Página do MST

O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) foi surpreendido, na última quarta-feira (02), com uma portaria que posiciona a Força Nacional em áreas de assentamentos do movimento no extremo sul da Bahia. Publicada no Diário Oficial da União (DOU), a portaria Nº 493, de 1º de setembro de 2020, o Ministério da Justiça e Segurança Pública autoriza o emprego da Força Nacional de Segurança Pública (FNSP) nos municípios de Prado e Mucuri.

De acordo com a portaria, a intervenção ocorre em apoio ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, visando a preservação da ordem pública, segurança das pessoas e do patrimônio; inicialmente durará 30 dias, de 03/09 a 02/10/2020, podendo ser prorrogada; e que o órgão que demandou o apoio ficaria responsável pela logística e pela disposição de infraestrutura necessária para a atuação da FNSP.

João Paulo Rodrigues, da Coordenação Nacional do MST, está no assentamento Jaci Rocha, na região, e explica que, para surpresa do Movimento, a autorização da força nacional nos assentamentos está baseada num pedido de reintegração de posse de uma escola, no assentamento Rosa do Prado. “No mês de janeiro aconteceu uma formação com 150 jovens da região nesta escola. O curso durou 30 dias, as pessoas já foram embora, mas a decisão judicial permaneceu, e é uma decisão da justiça federal. Baseado nisso, o Naban e o INCRA usaram para pedir autorização para que a Força Nacional venha para essa região, para fazer despejo nessa área, de um curso que não existe mais, de uma escola que já não tem mais ninguém nela, e que a vida real do assentamento está funcionando”, comenta o dirigente.

Além desse motivo, o Movimento atribui pelo menos mais duas razões para a decisão de envio da Força Nacional. “O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) está tentando, a todo custo, o processo de privatização dos assentamentos, que nós chamamos tecnicamente da ‘titulação dos lotes’. Há uma força do MST que é contra, e ele quer usar a Força Nacional para junto com o INCRA fazer o processo dentro desse assentamento para a titulação. Outro objetivo é a demonstração simbólica de força na região, em especial porque o Bolsonaro vai visitar Porto Seguro na próxima semana. Eles precisavam de uma justificativa para ter a Força Nacional para dar segurança à vinda do Bolsonaro”, pontua Rodrigues.

Segundo João Paulo, se trata de uma decisão ilegal. “Não pode um órgão do governo federal, no caso o INCRA, pedir ao Ministério da Justiça o envio da Força Nacional, sem que haja concordância ou pedido do governo do estado”, afirma ele.

O governador do estado da Bahia Rui Costa, se posicionou na noite da última quinta-feira (03) nas redes sociais.

“Enviei hoje ao ministro da Justiça, André Luiz Almeida Mendonça, uma correspondência externando a minha preocupação com a autorização do emprego da Força Nacional de Segurança Pública (FNSP), no Extremo Sul do Estado. Afirmo na carta que tal ato pode configurar quebra do Pacto Federativo e flagrante desrespeito à lei. Registro também a inexistência de solicitação expressa ao governador. ‘Tal conduta, já maculada pelo caráter invasivo e ilegal, é agravada pelo total desprezo às regras de convivência democrática'”, escreveu Rui Costa.

Ele ainda afirma que “a Força Nacional não pode ser utilizada para afrontar a competência estadual, nem substituir a atuação dos órgãos estaduais de segurança. Também formalizei pedido de esclarecimentos ao ministro da Segurança, mantendo firme a minha convicção do diálogo democrático entre os entes e poderes da República. Também enviarei correspondência à Procuradoria Geral da República (PGR)”, alega o governador.

Rui Costa disse ainda que autorizou a Procuradoria Geral do Estado a ingressar com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade.

A região do extremo sul da Bahia é um território com ricas e férteis terras, que são alvos de especulação financeira do capital internacional e das oligarquias locais. As famílias Sem Terra, indígenas e outros movimentos, denunciam há anos o avanço indiscriminado dos interesses do agronegócio, provocando a destruição da Mata Atlântica, contaminação de rios e nascentes; expulsão comunidades tradicionais, povos indígenas.

Evanildo Costa, da Direção Nacional do MST, argumenta que houve avanços no processo de conquistas a partir do enfrentamento às empresas de eucalipto na última década. “Nós avançamos muito no processo de conquista, principalmente no enfrentamento que fizemos às empresas de eucalipto, que resultou na conquista de mais de 35 mil hectares de terra para a Reforma Agrária. Em torno de 30 áreas foram disponibilizadas pelas três empresas para que o governo federal e o governo estadual legalizassem essas áreas para fazer assentamentos. Dessas áreas só uma até agora saiu a posse, que é a do assentamento Jaci Rocha/Antônio Araújo, antiga Fazenda Colatina. Todas as outras, com a entrada do presidente Bolsonaro, tiveram os processos todos parados na justiça”, diz Evanildo Costa.

O dirigente acredita que o presidente Bolsonaro elegeu essa região para poder diminuir a força política do MST, pois se trata de uma regional onde o movimento concentra grande força organizada, seja no número de militantes nos acampamentos e assentamentos, como também em força política na sociedade. “Eles têm vindo na região constantemente para poder alcançar esse objetivo, como naquele processo de privatização do Parque. Os movimentos, inclusive os indígenas, reagiram a aquele momento. Depois outros movimentos queimaram uns três carros da empresas de eucaliptos, e eles também colocaram na conta do MST. Inclusive a própria empresa divulgou nota que o MST não participou daquele processo, apesar de nós sermos solidários com quem luta”, ressalta.

Costa conta que foi realizada uma audiência pública organizada pelo INCRA, onde mobilizaram assentados que não estão na reforma agrária há mais de 15 anos, prometendo-lhes o retorno, tirando os assentados e recolocando essas famílias. “Esta é a única região do país que tem visita constante de agentes do INCRA. Dessa vez vieram recolocar uma família que o assentamento tinha afastado por ter membro da família cometendo diversos atos ilícitos na região, como envolvimento em tráfico de drogas, roubo na própria comunidade, eles vieram recolocar esse povo, criando uma grande insatisfação na comunidade”, reitera.

Nos assentamentos organizados pelo Movimento há o debate e a prática da agroecologia, com a produção de alimentos saudáveis em harmonia com a natureza. “Como a gente conquistou uma quantidade de terra grande, com muitas famílias sendo beneficiada, a gente adotou o debate da agroecologia para produzir alimento de forma diferente, de qualidade, dentro do sistema de agrofloresta. Mediante a isso, nós construímos a Escola Popular de Agroecologia Egídio Brunetto, que tem esse papel de ajudar nesse processo de formação da nossa base. São em torno de 28 assentamentos da região que a gente cultiva de forma agroecológica, no sistema de agrofloresta” finaliza Costa.

A Escola de Agroecologia Egídio Brunetto doou alimentos e mudas de árvores nativas. Foto: Coletivo de Comunicação do MST na Bahia

Há uma solidariedade nacional e internacional de pessoas, organizações e parlamentares em apoio ao Movimento dos Sem Terra. Na Bahia, o MST completa este ano 33 anos de organização, formação e luta pela terra. “Cabe a nós, como movimento, continuar na luta pela Reforma Agrária. Queremos paz, queremos produzir alimentos saudáveis. E, ao mesmo tempo, queremos continuar nossa campanha de solidariedade em tempos de pandemia. Queremos que o governo, ao invés de enviar a força nacional, libere crédito e que melhore as condições de vida no campo”, conclui Rodrigues.

*Editado por Fernanda Alcântara