Já se perguntou se existem outras formas de representar o mundo?

“Porque en realidad, nuestro norte es el Sur”, diz o painel pintado no Colégio Iraci Salete Strozak, do assentamento Marcos Freire, de Rio Bonito do Iguaçu (PR)

Painel “Mapa mundi invertido” do Colégio Iraci Salete Strozak.
Fonte: Arquivo Colégio Iraci, 2020

Por Alessandro Kominecki  e Jucelia Castelari Lupepsa*

Este texto é tem como objetivo debater as percepções eurocêntricas nas representações cartográficas do mundo, a partir do painel “mapa mundi invertido”, construído na parede central do saguão do Colégio Iraci Salete Strozak, no assentamento Marcos Freire, em Rio Bonito do Iguaçu (PR). A obra foi produzida por Tarcísio Leopoldo, artista e militante do MST, acampado em Quedas do Iguaçu.

A pintura foi baseado em obras que oferecem outro ponto de vista para projetar o mundo e nos princípios que consolidam a defesa da Educação do Campo defendida pelo MST.

        Fig.2 – Mapa Mundi invertido produzido, por Tarcísio Leopoldo. Fonte: Arquivo do Colégio Iraci, 2020

Analisar, estudar e produzir representações do espaço geográfico caracteriza a cartografia, tanto por mapas, cartogramas, plantas, pinturas, como qualquer outra forma de projetar o planeta Terra. Essas formas de representar o planeta em que vivemos foram constituídas historicamente à medida que se ampliavam as relações de apropriação entre sociedade e natureza. Quando refletimos sobre a representação do planeta Terra, abstraímos a forma clássica eurocêntrica de se ver o mundo, que tradicionalmente aprendemos desde os primeiros anos do ciclo escolar.

Já se perguntou se existem outras formas de representar o mundo? A forma clássica de distribuir os países pelo planisfério leva em consideração qual parâmetro em relação ao espaço?

Esses questionamentos consolidam que é inexistente uma referência no universo para determinar a representação clássica do espaço geográfico, nas imagens é percetível que se trata de opção em representar os países da forma tradicional que estamos acostumados a visualizar, decisão meramente geopolítica e Eurocêntrica (Figura 3). 

Fig.3 – Formas de representação do espaço mundial. Fonte: Google Earth, 2020

As relações Geopolíticas constituídas historicamente entre os países materializaram as formas de representar o espaço geográfico. Com isso, os diferentes interesses no passar das épocas, a exemplo do predomínio da religião e consecutivamente a colonização, impuseram ao longo da história duas formas de projetar o mundo para sociedade. Obviamente o tamanho dos continentes/países e suas distribuições pelo planisfério obedeceram ao longo do tempo os interesses religiosos e posteriormente geopolíticos nas relações de poder e soberania, os quais conduziram ao Eurocentrismo.

Nicolás García Uriburu, artista contemporâneo argentino, arquiteto de paisagem e ecologista ofereceu ao mundo um novo olhar sobre as Américas. Defensor da arte dos povos originários da América, representou as Américas em sua obra “Ni arriba niabajo” (Figura 4).

Fig.4 – Obra “Ni arriba niabajo”

Sua arte representa as Américas na horizontal, eliminando a percepção de Norte e Sul entre os hemisférios.

O artista plástico Uruguaio Joaquín Torres Garcia (1935) consolidou sua defesa da valorização da cultura Latina ao produzir, em 1943 uma das suas obras mais expressivas, a do “Mapa Invertido da América do Sul”. Eduardo Seide Asanuma, Geógrafo e pesquisador, enfatiza que a obra “[…] representa a América Latina de maneira invertida (para o padrão convencional), buscando uma autonomia, e chamando atenção para a necessidade de se repensar as relações da América Latina, como a sua posição de dependência”. Ainda segundo ele, “há um direcionamento para que os mapas, majoritariamente considerados como tradicionais, privilegiam o hemisfério norte (que ocupa dois terços do mapa), em especial a Europa que está sempre localizada no centro”.

Para Joaquim Torres Garcia, não há razão científica para o norte estar no topo de todos os mapas (Figura 5), por isso, proferiu sua frase “El norte es el Sur”.

O intuito de Garcia ao inverter a forma de representar a América do Sul visa evidenciar a valorização dos aspectos culturais. Sua fala “porque en realidad, nuestro norte es el Sur” oferece ao mundo uma perspectiva diferente de se ver a América do Sul, diferente do que é construído pelo pensamento eurocêntrico.

Fig.5 – Mapa Invertido da América do Sul, de Joaquim Torres Garcia (1943).

Para o Colégio Iraci, trata-se de despertar o interesse nos sujeitos Sem Terra, para decifrar e produzir distintas percepções de representação do espaço geográfico. A representação do mundo de forma invertida também propõe o rompimento com a perspectiva clássica eurocêntrica dos mapas e a compreensão crítica das suas influências no pensamento geopolítico mundial.

Referência:

ASANUMA, E. S. Necessidade de superação de mapas eurocêntricos no ensino de geografia. 14º Encontro Nacional de Prática de Ensino de Geografia Políticas, Linguagens e Trajetórias, p. 1422–1433, 2019.

*Alessandro Kominecki é professor de Geografia – SEED/PR, doutorando em Geografia, PPGG Unicentro, mestre em Geografia física, PPGG Unicentro, diretor no Colégio Estadual do Campo Iraci Salete Strozak, RBI/PR, Secretário de Organização da App Sindicato – NS Laranjeiras do Sul-PR.
Jucelia Castelari Lupepsa é professora pedagoga – SEED/PR, mestranda em Educação, PPGE Unicentro, diretora no Colégio Estadual do Campo Iraci Salete Strozak RBI/PR.

*Editado por Solange Engelmann