No Dia Nacional da Alfabetização, conheça a luta do MST pela erradicação do analfabetismo

Desde a fundação da primeira escola do MST, há 34 anos, o MST criou mais de 2 mil escolas públicas e estendeu ações educacionais para a cidade
Jovens e adultos de todas as atividades participaram do método desenvolvido pelo MST e que teve abrangência nas cidades periféricas de seis estados brasileiros. Foto: Juliana Adriano

Ludmilla Balduino
Da Página do MST

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Neste sábado, 14 de novembro, o Brasil celebra o Dia Nacional da Alfabetização, mas com pouco a comemorar. Entre os mais de 209 milhões de brasileiros, 8% são analfabetos absolutos, ou seja, não conseguem ler palavras ou frases, ou não conhecem os números. Outros 21% da população brasileira têm dificuldades para ler textos e aplicar conceitos de matemática. Ao todo, há 60 milhões de pessoas, com idade entre 15 e 64 anos, que não sabem ler e escrever no Brasil. Esse número de analfabetos funcionais corresponde às populações dos estados de São Paulo e Rio de Janeiro juntas.

Além da falta de investimentos na educação, o povo brasileiro também sofre com uma política que não coloca em prática uma educação de qualidade, que seja libertadora. Esse contexto é percebido na maior parte do território nacional, exceto nas áreas onde o MST atua. Afinal, a matriz teórica do princípio educativo do MST está em Paulo Freire.

Para entender essa conexão, precisamos voltar no tempo e analisar a história. O MST surgiu como movimento nacional em 1984, reunindo, naquela época, movimentos camponeses que já lutavam pela terra em diversas regiões do Brasil por pelo menos uma década. Em 1986, o Movimento funda a sua primeira escola, no histórico acampamento da fazenda Annoni, em Sarandi (RS) – que foi a primeira ocupação da história do MST.

A primeira escola do MST foi o pontapé inicial para a criação de outras escolas, que estabeleceu um sistema educacional onde hoje está o assentamento Annoni. Os filhos das 423 famílias que vivem nas sete comunidades podem estudar desde a educação inicial até a superior sem sair da área. O Instituto Educar, fundado em 2007, funciona dentro do assentamento e oferece um curso técnico integrado ao ensino médio em Agropecuária com habilitação em Agroecologia, e um curso superior de Agronomia.

Desde essa primeira escola do MST, fundada há 34 anos, o movimento já construiu mais de 2 mil escolas públicas em acampamentos e assentamentos, alfabetizando e gerando autonomia no pensamento para mais de 200 mil pessoas em todo o Brasil.

O sistema de educação do MST não se limita a apenas números. A proposta pedagógica do MST para as suas escolas baseia-se no princípio fundamental de que toda a aprendizagem e todo o ensino devem partir da realidade.

Cristina Vargas, militante do Setor Nacional de Educação do MST, explica a relação do projeto de educação do MST com os objetivos do movimento: “a nossa produção vai gerar renda para ter condições de vida e vai  gerar alimentos saudáveis. Para a gente fazer isso é preciso ter um profundo conhecimento da realidade, do território em que se vive, e isso também é estabelecido nas relações humanas que a gente vai construindo nesse projeto.”

A regra é clara: partindo desse pressuposto, nas escolas onde há participação do MST, os estudos são voltados para o meio em que vivemos, ou seja, aquilo que fazemos, pensamos, dizemos e sentimos na nossa vida prática.

Na escola, alunos e professores falam sobre a importância do trabalho e da organização das pessoas para que o trabalho seja realizado de forma eficiente. Também são discutidos temas relacionados com a natureza, da qual nós, seres humanos, fazemos parte. Professores e alunos conversam sobre os problemas do dia a dia, sempre tendo em vista a realidade da sociedade em geral. Partindo da realidade, professores e alunos entendem com muito mais clareza que até os problemas mais individuais estão relacionados com os problemas sociais não só da região, como também do Brasil e do mundo.

Vargas complementa: “a gente não construiu um sistema paralelo de educação. Nós entendemos que somos sujeitos de direitos na sociedade, e que as políticas públicas precisam ser acessadas por todos nós. A luta pela terra é uma luta constante para que a gente tenha acesso à ela, e a luta pela educação não foge à regra. Ela também é uma luta constante. A gente luta para ter acesso à escola, para que ela seja próxima às comunidades onde os estudantes estão, que a escola seja pública, e que esse público considere nosso protagonismo enquanto seres humanos da classe trabalhadora.”

Em solidariedade, MST participa da alfabetização no meio urbano

Com sua política educacional consolidada e em constante evolução nos acampamentos, o MST estendeu sua área de atuação e implementou programas para áreas urbanas periféricas, como o “Sim, eu Posso”.

Inspirados na experiência do método educacional cubano, criado em 1961, o “Sim, eu Posso” foi praticado pela primeira vez no Brasil em 2006, em acampamentos do MST no Maranhão, e foi estendido até abranger acampamentos de quase todos os estados onde o movimento está presente atualmente.

Replicado em mais de 30 países, o método cubano é uma referência em todo o planeta. Venezuela e Bolívia, que declararam seus territórios livres do analfabetismo, trabalharam em programas inspirados nesse método. 

Simone Silva, do Setor de Formação e Educação da direção estadual do MST no Maranhão, explica que, no Brasil, o método ganhou um reforço porque o movimento também inspira-se no método de Paulo Freire: “nós do MST, como também temos uma trajetória de luta que leva em consideração a importância da alfabetização e da educação nesses processos de emancipação, juntamos o método “Sim, eu Posso” com o método do Círculo de Cultura, que é da pedagogia freiriana. A alfabetização, para o movimento, sempre andou junto com os processos de luta, de mobilização e de organização da base social do MST.”

Com a junção dos métodos “Sim, eu Posso” e Círculo de Cultura, o setor de educação do MST no Maranhão estendeu seu campo de ação e realizou uma Jornada de Alfabetização em 15 das 30 cidades com o menor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) no estado, alfabetizando 20.582 jovens, adultos e idosos. Para isso, foi necessário criar uma Brigada de Alfabetização, com 1.033 educadores e 192 coordenadores.

“As Jornadas de Alfabetização são sobretudo um compromisso político e social com a sociedade, que contribui nesse sair da condição de não saber ler e escrever para uma condição de emancipação, de leitura de mundo, de uma participação mais ativa, criativa, no ambiente em que cada um está inserido”, diz a educadora.

Simone também fala sobre o objetivo principal da Brigada de Alfabetização, que é de colocar o sujeito como ponto central no processo de educação: “é o que a gente chama de educação de trabalhadores, que leva em conta essa realidade em que as pessoas vivem, mas que [elas] também têm a sua centralidade, no trabalho, nas vivências sociais, na organização cultural de cada sujeito, e essas questões colocadas em diálogo vão ajudando na construção do conhecimento dentro do Movimento.”

Desde então, o programa passou a realizar ações massivas das Brigadas de Alfabetização em campanhas em mais cinco estados: Ceará, Bahia, Alagoas, Minas Gerais e Rio Grande do Norte. Entre 2012 e 2018, foram alfabetizadas 51.850 pessoas de diversas faixas etárias.

“A partir da organização dessas turmas em diversos municípios, você cria várias sociabilidades, várias leituras sobre a realidade, sempre numa perspectiva que é a da emancipação do sujeito, de elevar a autoestima, de estímulo da criatividade”, explica a educadora.

No fim de cada turma das Jornadas de Alfabetização, os participantes promoviam mostras culturais, onde o trabalho de cada um era apresentado, mostrando suas narrativas pessoais, inseridas em um espaço de diálogo sobre a realidade. Nestes momentos, a emoção em reconhecer o mérito de cada estudante no processo de alfabetização sempre se sobressaía.

Simone relata ainda que “um exemplo dessa contribuição importante do movimento é de um senhor cuja primeira carta que ele escreveu na vida foi pedindo desculpas à filha dele por não ajudar nas tarefas da escola, e nunca ter tido a coragem de dizer para ela que não ajudava porque não sabia ler e escrever”.

Em 2020, o “Sim, Eu Posso” seria implementado nas periferias das grandes cidades maranhenses: São Luís e região metropolitana, Imperatriz e Açailândia. Porém, a pandemia de Covid-19 obrigou o movimento a suspender o projeto, e as atividades devem ser retomadas quando a pandemia acabar.

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*Editado por Wesley Lima