Balanço político das eleições: bolsonarismo derrotado, centro reforçado e esquerda em recuperação!

Em entrevista ao portal IHU-Unisinos, João Pedro Stedile analisa os resultados do 1º turno das eleições municipais no Brasil
João Pedro Stedile é membro da Coordenação Nacional do MST. Foto: Rafael Stedile

Do IHU-Unisinos

IHU-Unisinos — O que o resultado das eleições municipais desse ano revela sobre a política e a democracia de nossos tempos? No último pleito, reinou o discurso do novo. Neste, o velho jogo dos interesses particulares e partidários já voltou à cena?


João Pedro Stedile — As eleições deste ano tiveram a excepcionalidade dos cuidados da covid-19, que impediram comícios e grandes mobilizações. Também, tinha a expectativa se haveria ou não influencia das fake news e da extrema-direita que chegou ao Planalto. Percebemos que não houve debate sobre os problemas nacionais e nem sobre projetos para sair da crise. Com isso, prevaleceu a conjuntura local, a influência principal das características pessoais dos candidatos e também, um certo julgamento daqueles que foram à reeleição.

Qual a sua análise quanto ao resultado da eleições nas principais capitais do Norte, Nordeste, Sudeste e Sul?


O resultado das eleições demonstrou uma derrota da extrema direita, dos bolsonaristas. Derrota da Igreja Universal, que tem um projeto de poder político nacional, com seus dois principais candidatos: Crivella (RJ) e Russomano (SP). Derrota das candidaturas ligadas aos aparelhos repressivos, como delegados, policiais militares e membros das forças armadas, as vitórias destes candidatos, que eram milhares, foram pífias. Derrota dos tucanos, que não conseguiram se separar do golpe que ajudaram dar em 2016, de ter governado com Temer e de sua contribuição para eleger o Bolsonaro.

Houveram vitórias dos prefeitos que foram reeleitos, no sentido que o povo apostou mais no mesmo, como é o caso de Florianópolis, Curitiba, Salvador, Fortaleza e Belo Horizonte. O Chamado centrão: MDB, DEM, PP, também saiu vitorioso com candidatos conhecidos e com a reeleição de muitos prefeitos que detinham sua máquina financeira e eleitoral. No entanto, essas são vitorias individuais que não necessariamente acumulam para projetos nacionais. Revelam a hegemonia que há pelo interior do país de uma forma conservadora de fazer política e de analisar se aquele candidato foi um bom prefeito ou não.

A esquerda voltou à cena, fez bonito em diversas capitais e grandes cidades e pode sair vencedora em diversas cidades, derrotando o bolsonarismo e a imprensa burguesa, que ficou todo tempo dizendo que a esquerda não tinha líderes, que não tinha programa e que estava dividida. A Globo deveria pelo menos morder a língua, já que não tem vergonha de suas mentiras. A sua dupla para 2022 (Hulk/Moro) não teve nenhuma influência nas eleições.

Ciro manteve sua força no Ceará, Flávio Dino não conseguiu se nacionalizar e Lula soma pontos com vitórias da esquerda. A novidade, na minha opinião, foi a existência de muitos candidatos ligados a movimentos populares, com mulheres, negros e jovens, alguns inclusive, com chapas coletivas, que é também uma novidade positiva, independente do resultado e pode sinalizar para a necessária renovação de atores na política institucional. Em resumo, o bolsonarismo foi derrotado, o centro reforçado e a esquerda se recupera.

A pandemia de 2020 trouxe uma série de temas ao debate, como a emergência climática, de concepção de uma outra lógica econômica, da necessidade de uma renda básica e mesmo de um redimensionamento do poder e das ações estatais. Com base no resultado das eleições, como deve evoluir esses debates? E quais devem ser os reflexos nas eleições presidenciais?


O Brasil está vivendo sua pior crise de toda história. E o mundo também. É uma crise do modo de produção capitalista e do estado burgues na sua forma de praticar uma falsa democracia que não garante direitos iguais a toda população. Uma crise ambiental e até de valores civilizatórios.


Infelizmente, esses temas não foram abordados nas campanhas, ainda que os direitos fundamentais de emprego, renda, moradia, terra, saúde e educação se realizem no município. De certa forma, as eleições municipais no Brasil, mesmo nas capitais, nunca extrapolaram temas locais, e, como disse, são muito influenciadas pela popularidade e carisma dos candidatos, independente de partido ou de programas.

Espero que os movimentos populares, as igrejas e todas as forças sociais do país, assumam o protagonismo deste debate. Precisamos construir e aglutinar forças ao redor de um novo projeto popular para o país. Existem algumas iniciativas em curso, mas precisamos massificar o debate, desde a base, a militância e nacionalmente com os dirigentes que são referências. Infelizmente, isso somente será possível depois que tivermos a vacina, para fazer reuniões, debates públicos e mobilizações de massa.

Por outro lado, a contradição positiva é que a burguesia brasileira está totalmente subordinada ao capital internacional e financeiro, e, não tem e não quer ter um projeto de nação. O único projeto dos capitalistas brasileiros é o aumento de seus lucros. Estão se lixando para o povo. Imagine, eles estão jogando no lixo 60 milhões de trabalhadores adultos, aqueles que fizeram filas para os 600 reais, que não tem mais nenhuma inclusão no sistema produtivo e estão à margem da cidadania, dos direitos fundamentais de alimentação sadia, moradia digna, trabalho, terra e renda. O “Brasil rejeitado” é o segundo maior país da América do Sul, logo após o Brasil total.

Quais são as saídas para as mazelas sociais que temos no Brasil, para além da política como a conhecemos? Como vê a proposta de teóricos, como o francês Gael Giraud, que sugerem uma conversão espiritual e política para realmente transformar as instituições sociais que precisam ser modificadas?


Se a burguesia tivesse algum compromisso com a nação, ela ajudaria a afastar o Bolsonaro e construiria, com outras forças, um programa mínimo de transição para salvar vidas, salvar as empresas estatais, reconstruir as políticas públicas de proteção ao povo e induzir os investimentos para setores produtivos e não financeiros e especulativos, como agora. Infelizmente, essa proposta ainda que defendida por diversos líderes como Lula, Requião, Ciro, Flávio Dino, CNBB e outros setores da intelectualidade, parece que não terá viabilidade.

O Brasil precisa, por um lado, de um programa mínimo, urgente e de curto prazo que representasse estancar a sangria social e recolocar o país no caminho da democracia social. Para isso, o primeiro passo é afastar o capitão insano e genocida.

Por outro lado, articular um grande debate nacional de construção de um projeto de longo prazo, que de fato, representasse a solução para os problemas econômicos, sociais, ambientais e políticos de todo povo.
Mas, aliado a construção do projeto, será necessário criar força social, que somente acontecerá com um reascenso do movimento de massas, como aconteceu na crise da década de 60 e na crise da década de 80.


Todos os grandes pensadores atuais, da humanidade, tem feito reflexões sobre a necessidade de resolvermos a crise histórica com um novo programa post-capitalista, civilizatório, que garantisse a melhoria das condições de vida e os direitos fundamentais para todos seres humanos, em qualquer parte do mundo.

O Papa Francisco, tem sido um deles, e se transformou em grande líder mundial, maior do que a comunidade católica. As duas encíclicas dele: “Louvado Seja” e “Todos Somos Irmãos” são uma grande contribuição analítica que todo militante de esquerda deveria estudar.

O Papa, chegou a dizer recentemente, que frente a essa crise, os direitos à terra, trabalho e moradia digna são um direito sagrado. É a vontade de Deus e, portanto, deveria ser a pauta de todo bom cristão!!!

Ter um projeto, força organizada e mobilização de massa, pode levar anos, certamente não vamos resolver apenas com as eleições de 2022, mas este é o caminho, e, eu sou otimista, porque o capitalismo como sistema não é solução para os problemas do povo, ao contrário, só agrava os problemas e a burguesia deixou de ser uma classe progressista. Portanto, só a organização dos trabalhadores poderá construir um futuro promissor para a sociedade, aqui e em todo mundo.