25 de novembro: Mulheres Sem Terra cultivam o afeto na luta contra violência
Por Solange Engelmann
Da Página do MST
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Mesmo com a pandemia e os protocolos de distanciamento social para minimizar a circulação do Covid-19, a Campanha Nacional de Combate à Violência Contra as Mulheres no Brasil, realizada entre os dias 20 e 25 de novembro, tem participação efetiva das mulheres Sem Terra. Ainda que isoladas, elas mantêm-se mobilizadas, na resistência, e reinventando-se na luta pela vida.
Com o lema “Cultivar afetos e Combater a Violência”, desta vez as mulheres camponesas não estarão nas ruas e nas praças, em marchas e atos públicos, e nem nas ocupações de latifúndios. Porém, seguem mobilizadas em atividades virtuais de denúncias contra a violência cometida pelo patriarcado racista, misógino e capitalista nos assentamentos e acampamentos de Reforma Agrária por todo o Brasil.
Como ato simbólico, neste 25 de novembro, Dia Internacional de Combate à Violência Contra a Mulher, as mulheres Sem Terra, articuladas com as companheiras de outros movimentos e entidades de luta do povo, realizam panfletagens em diversas cidades do Brasil. Respeitando o distanciamento e os protocolos da Organização Mundial de Saúde (OMS), as camponesas do MST também pretendem organizar pequenas rodas de conversas nos assentamentos e acampamentos para marcar a data.
Trata-se de uma semana histórica, de luto, mas também de luta, organização e reflexão das mulheres e da sociedade no combate a todas as formas de violência contra a mulher. A assentada da Reforma Agrária e integrante da coordenação estadual do MST no Paraná, Ceres Hadich, diz que neste momento de crise as camponesas consideram fundamental construir outras possibilidades de afetos e de soluções para enfrentar e combater os vários tipos de violência.
“Por isso a gente tem se somado nessa campanha, que é cultivar afetos e derrotar a violência. Entendemos ser necessário construir valores entre nós, mulheres; entre nós e os homens; e entre nós e a sociedade. Assim a gente espera que o cultivo dos afetos também pode apontar para outros rumos, formas de ser e de viver. Esse tem sido um desafio nos assentamentos e acampamentos”, diz.
Lizandra Guedes, coordenadora do setor de gênero do MST no Maranhão, explica que o caráter da Jornada de Luta foi ampliado em 2020 e que as trabalhadoras seguem em luta contra o vírus e todas as formas de violência. “Neste ano nossa Jornada assumiu um caráter mais amplo, denunciando também o racismo, que causa efeitos ainda mais devastadores nas mulheres. As mulheres Sem Terra vêm cumprindo importante papel durante a pandemia. Apesar da evidente sobrecarga de trabalho, nossas mulheres têm se destacado nas ações de solidariedade, de cuidado, fortalecendo sua atuação política”, afirma.
Dia de Combate à Violência contra a Mulher tem origem histórica
Neste Dia Internacional de Combate à Violência Contra a Mulher, a luta ganha destaque pelo fim de todos os tipos de violência contra as mulheres ou pessoas que optaram pelo gênero feminino. A data relembra o assassinato das irmãs Mirabal. Eram três ativistas religiosas que lutavam contra a ditadura do presidente Rafael Leónidas Trujillo, na República Dominicana. Seus corpos foram encontrados no início dos anos 1960, após as três serem torturadas e assassinadas pelo governo.
A violência contra a mulher segue na vida cotidiana de mulheres, meninas, mães, avós, lésbicas, LGBTs e quem escolheu esse gênero. É uma violência que se entranha em todos os espaços da sociedade patriarcal, violenta e excludente, nas ruas, em casa, no transporte coletivo, no trabalho, e tem aumentado com o isolamento social durante a pandemia. E segue presente na cultura brasileira, em posturas machistas e no preconceito das pessoas, que ainda consideram a mulher com menos direitos ou sem o direito à igualdade, somente pelo fato de ser mulher.
Machismo enraizado no capitalismo
Um levantamento do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), em parceria com a empresa Decode, feito a pedido do Banco Mundial, revela que os casos de feminicídio cresceram 22,2%, entre março e abril deste ano, em 12 estados do país, comparativamente ao ano passado.
Maria Suely Gomes, da coordenação estadual do setor de gênero do MST no Pará, conta que além das várias formas de violência que as mulheres enfrentam em casa, no trabalho, há também a violência do grande capital, que na Amazônia cresce gradativamente a partir da destruição da natureza e das formas de vida dos camponeses, que afeta diretamente as mulheres. Para ela é fundamental a organização de coletivos, troca de informações e a formação para que as mulheres se sintam encorajadas em denunciar as violências e buscar alternativas em parcerias.
“A organização e a luta das mulheres são imprescindíveis nesse enfretamento na perspectiva de construção de outro mundo. É preciso avançar no estudo, na coletividade, na cooperação, além de somar com outras mulheres que também sofrem com essas violências. Promover a articulação das camponesas junto às mulheres da cidade para entender que o problema é geral, e que não estamos só”, comenta.
Campanha “Mulheres Sem Terra Contra os Vírus e as Violências“
Como alternativa para minimizar os casos de violência doméstica e outros tipos de violência contra a mulher, em meio a um contexto de pandemia, isolamento social, ações assassinas e abandono do governo Bolsonaro, em abril deste ano o MST lançou a Campanha “Mulheres Sem Terra: Contra os Vírus e as Violências”.
A intenção é combater e construir alternativas para acabar com todo tipo de violência praticada contra as pessoas mais vulneráveis. Segundo Lizandra Guedes, a Campanha tem cumprido um papel importante durante a pandemia no período em que a violência tem se agravado, promovendo o fortalecimento das mulheres do campo, para que não se sintam sozinhas neste momento de isolamento social.
Ela aponta que o balanço foi positivo, com ações da Campanha nas redes sociais por meio de lives, produções audiovisuais, e um conjunto de conteúdo online, e no diálogo com a base social Sem Terra.
Nesse sentido, as camponesas do MST definiram que a campanha deve se tornar permanente, aliada a outras ações e atividades desenvolvidas pelo MST no combate às diversas formas de violência contra as trabalhadoras e trabalhadores Sem Terra.
Mulheres paraenses unem-se para debater questões feministas locais
No Pará, um dos estados da região Norte do país com altos índices de feminicídio, durante a campanha as mulheres Sem Terra realizaram atividades de fortalecimento dos seus coletivos femininos nas áreas de acampamentos e assentamentos, fomento dos quintais produtivos e ações de solidariedade.
Entre as ações desenvolvidas pelas camponesas paraenses, estão a fabricação de máscaras e sabão para doações, e a criação de grupos no WhatsApp para comunicação e aproximação entre as mulheres. “A violência está em todos os espaços e acirrou com a pandemia. A campanha coloca as reflexões, as denúncias e mesmo novas perspectivas de vida para essas mulheres no centro do debate”, comemora Maria Suely.
No Paraná, solidariedade é o que define o coletivo de mulheres Sem Terra
De forma similar no Paraná, as camponesas também aproveitaram a campanha para realizar processos de formações virtuais, com três assembleias virtuais das mulheres Sem Terra.
Com distanciamento e condições sanitárias seguras, as mulheres estimularam o retorno de pequenas atividades nos territórios de assentamentos e acampamentos. Ceres Hadich, assentada da coordenação estadual do MST no Paraná, acrescenta: “o objetivo é promover a organização e as trocas de experiências para avançar”.
No dia 21 de novembro, como parte da semana de 20 a 25 de novembro, as camponesas do MST de oito acampamentos e assentamentos da região norte do Paraná realizaram a doação de 6 toneladas de alimentos na periferia de Londrina.
“A gente tem buscado construir condições de enraizar a campanha nas comunidades de Reforma Agrária e também junto à sociedade. A campanha tem ajudado a retomar o vínculo organizativo, místico, de cultivar as nossas relações com as mulheres, as nossas experiências concretas em socializar o nosso viver, o nosso saber e o nosso querer”, comemora a assentada do Paraná.
*Editado por Ludmilla Balduino