Jovens Sem Terra tem perspectivas de vida no campo a partir do cacau

Com a rede produtiva que nasce do cacau há um trabalho muito bonito com a juventude Sem Terra, responsáveis pelo manejo do cacau, até a feitura do chocolate Terra Vista

Fábrica-escola onde é feito o chocolate Terra Vista por jovens assentadas(os) que são chocolateiras(es), ou do francês “chocolatier”. Foto: Arquivo Terra Vista

Por Lays Furtado
Da Página do MST

Rafaela Oliveira tem 22 anos e é assentada no assentamento Aliança. Ela conta que cresceu em meio a produção do cacau, desde pequena apreendeu a cultura cacauiera que hoje lhe proporciona uma perspectiva de vida no campo, a partir da agricultura familiar camponesa.

“Eu vi uma fábrica de chocolate pela primeira vez no próprio assentamento Terra Vista. Depois pude, através da escola, ir em outras fábricas e participar de outros eventos de chocolate. Hoje eu moro não no assentamento Terra Vista; mas moro no Rio Aliança que é próximo, no sul da Bahia, e a gente trabalha com cacau, que é uma cultura que já tem muito tempo aqui na região. Mas também temos outros tipos, como é o caso da banana, cupuaçu, açaí e a horta.”

Sobre os significados de trabalhar em sua própria terra, Rafaela comenta que via que o pai trabalhava em fazendas “dos outros”. “A gente não tinha condições para comprar uma terra, uma terra nossa. E hoje eu posso olhar aqui no assentamento, tanta gente que trabalha em sua própria roça, em sua própria área, e que teve essa oportunidade através do Movimento. Então a luta pela terra significa muito pra esse povo, para nós”.

Sálvio, em conjunto com a Juventude Sem Terra cacaiutora e especialistas em chocolate. Acervo MST/BA

“Então esses jovens são ‘chocolatiers’ [especialistas em chocolate]. E mais, eles também são produtores de cacau. Então, eles têm as áreas deles, os pais deles tem as áreas deles”, conta Sálvio, que também é um jovem cacaiucultor assentado.

É urgente oportunizar a permanência da juventude no campo

A importância de que haja oportunidade para as novas gerações é urgente, em vistas de que o êxodo rural volta a assombrar a sucessão familiar de agricultoras(es), onde a população a partir de 55 anos cresce e a mais jovem diminui.

Em quase 100 anos, a população rural variou de 10% à 3% atuais. O que representa o menor percentual dessa população na história do país, como aponta o Censo Agro (2017):

Seguindo os dados do Censo Agropecuário de 2017, as pessoas em faixa etária inferior à 25 anos representam somente 2% dos povos do campo. Entre aqueles de 25 anos a 35 anos, atingem apenas 10% do contingente da população rural, enquanto que no Censo anterior, em 2006, eram 14%. Isso demonstra que a juventude do campo está migrando para os centros urbanos.

Outro grupo que também encolheu foi aquele com idade de 35 a 45 anos. Em 2016 eles representavam 22%, agora são só 18%. Hoje, a população que predomina no meio rural é pessoas com mais de 65 anos, chegando a 23% dos moradores, em 2006 eles eram 18%.

Tabela percentual da população rural por faixa etária:

Isso demonstra a urgência de haverem políticas públicas que garantam a permanência de jovens no campo, e assim haja uma perspectiva de futuro às novas gerações.

Precisamos retomar o Pronera, entre outras formas de fortalecer a educação no meio rural, como houve nos governos anteriores, nos mandatos federativos de Lula e Dilma. Neste período, foram realizados uma série de ações que subsidiaram a construção de projetos focados na população do meio rural capazes de mudar o êxodo rural, como a iniciativa federal de promoção ao Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera) – autorizado pela Lei 11.947/19, e regulamentada pelo Decreto 7.352/2010.

Os dados são da Pesquisa Nacional sobre Educação na Reforma Agrária – PNERA, publicada em 2015 pelo IPEA. O Pronera promoveu a realização de 320 cursos nos níveis EJA fundamental, ensino médio e ensino superior, envolvendo 82 instituições de ensino, 38 organizações demandantes e 244 parceiros, com a participação de 164.894 educandas(os) em todo o Brasil.

Essas ações qualificaram a formação educacional e profissional de trabalhadoras(es), melhorando suas vidas, reescrevendo seus territórios e mudando o campo brasileiro para melhor.

Porém, infelizmente, este importante programa de educação para o campo foi gradualmente sendo extinto desde o golpe presidencial de 2016. E soma mais uma perda consolidada este ano, às vésperas do carnaval, após o atual governo modificar as estruturas que sustentavam o programa citado.

Publicado no Diário Oficial da União (DOU), o decreto nº 20.252 enxuga significativamente a estrutura do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), extinguindo sua salvaguarda ao Pronera,  Programa Terra Sol entre outros programas partes das políticas estratégicas do governo que davam incentivos aos assentadas(os), quilombolas e comunidades extrativistas.

Sem essas políticas públicas, na esfera federal e estadual, a permanência das populações do campo se torna impraticável para a maior parte da juventude rural, que migra para as cidade em busca de melhores oportunidades de vida e trabalho.

Investir no campo é urgente para proporcionar o avanço de uma produção inovadora, onde possa haver ciências, tecnologias, biodiversidade, gente e comida de verdade!

Essa é mais uma reportagem sobre a cadeia produtiva do cacau, que integra a série de reportagens sobre as principais cadeias produtivas do Nordeste. Acompanhe!