Kima Vive!

MST, amigos e familiares se despedem de Joaquin Piñero

Por todo país, famílias Sem Terra plantam árvores em homenagem ao militante
A despedida aconteceu virtualmente e presencial, respeitando as medidas de segurança contra o novo coronavírus. Foto: Pablo Vergara

Por Wesley Lima
Da Página do MST

Em homenagem à trajetória do Sem Terra Valquimar dos Reis Fernandes, conhecido também como Joaquin Piñero, “Kima” para os amigos e militantes Sem Terra, o MST e familiares se despediram do dirigente em uma cerimônia realizada na manhã deste sábado (13/3).

A despedida aconteceu na recém renomeada, via decreto municipal, fazenda pública Valquimar dos Reis Fernandes (Joaquin Piñero), em homenagem ao Sem Terra. A área é localizada em frente ao Posto Ponta Negra, no município de Maricá (RJ).

Mulheres Sem Terra plantam árvore no Paraná.
Foto: Coletivo de Comunicação do MST no PR

Pelo Brasil, famílias Sem Terra se despediram de Joaquin plantando árvores, em meio a gritos de ordens, músicas e muita emoção. O MST e os familiares, após a divulgação da notícia de morte, causada por complicações provocadas pelo câncer de mieloma múltiplo que enfrentava nos últimos anos, recebeu centenas de notas e manifestações de solidariedade de movimentos, organizações populares, amigos e parceiros, nos âmbitos nacional e internacional.

Cerca de 400 pessoas acompanharam remotamente a despedida de Joaquin, via Zoom. A despedida foi mediada por canções e histórias, reafirmadas por todos os presentes como características únicas de Joaquin em vida.

Com muita dor, a irmã Norma Fernandes e o irmão Waldemir Fernandes resgataram momentos da vida compartilhados com o Sem Terra e agradeceram ao MST, amigos e parceiros, que estiveram sempre ao lado da família, apoiando no tratamento do câncer.

Karla Oliveira, integrante do coletivo de Direitos Humanos do MST e viúva do Joaquin, falou sobre o lado jovem do militante e sua preocupação com a forma de diálogo que ele precisaria estabelecer com esse público. “Joaquin acreditava muito na força e na importância da juventude, ajudando a construir o Levante Popular da Juventude nos territórios, o NPJ e vários outros movimentos de juventude. Porque ele acreditava nessa força e na organização popular a partir dela.”

Karla Oliveira fala da trajetória e dos aprendizados com o Kima. Foto: Pablo Vergara

Sobre a organização da luta política, Oliveira explica que Joaquin era sensível e sempre atento à diversidade de formas adotadas na construção de processos. Ela conta que, para Joaquin, a luta é feita pelo jeito de cada um. “Se a tarefa é da pessoa, deixa ela tocar do jeito dela”, afirmou ao parafrasear uma fala do Sem Terra.

“Joaquin foi a pessoa que mais me ensinou sobre os direitos humanos. Para ele, o mais importante de tudo é o ser humano. Com o olhar e afeto, as pessoas ficam bem, porque isso é o mais importante de tudo. Por mais que existisse discordância política entre as opiniões, isso era na política e não no pessoal. O mais importante é o outro, o ser humano”, falou Oliveira.

Nesse sentido, ela agradeceu aos amigos e parceiros de Maricá, que sempre estiveram à disposição para ajudar no tratamento de Joaquin. “Não dá pra desassociar o estado de saúde de Joaquin, da política pública implementada em Maricá no cuidado com a saúde das pessoas. E a política inclusiva implementada nesse município foi fundamental para o tratamento”, declarou.

A dimensão do cuidado, construída a partir da ação, foi apresentada por Oliveira como fundamental na luta política no âmbito coletivo, mas também na perspectiva individual.

Fabiano Horta fala de sua relação com o Sem Terra.
Foto: Pablo Vergara

Pensando nisso, e tendo como base a sua relação com o Joaquin, Fabiano Horta, atual prefeito de Maricá pelo Partido dos Trabalhadores (PT), reafirmou características do Sem Terra e os principais aprendizados que teve desta convivência. “Joaquin, para nós, não é alguém que nasce da teorização das lutas. Ele fez da sua vida um caminho. Ele nasce do olhar coletivo, do olhar da vida. Olhando o outro como o centro e uma expressão de vida, numa dimensão de igual permanência. Joaquin nasce na luta”, explicou.

“Nessa troca, ele [Joaquin] inspira todos nós na presença da vida, dando um sentido de igual. E esse sentido se expressa na capacidade de transformar a realidade social, não com discussão teórica, mas com vida prática. Esse companheiro vai ficar guardado aqui [fazenda Joaquin Piñero] como uma memória viva, para que a terra seja um valor de produção coletiva”, afirmou Horta.

Joaquin e a Luta pela Terra

A trajetória de mais de 20 anos no MST começou em 1999, na condução do acampamento Nova Canudos. O acampamento foi a primeira experiência com trabalhadores urbanos desempregados desenvolvida pelo Movimento no estado de São Paulo. Joaquin atuou com determinação no trabalho de base nos bairros da periferia da região de Piracicaba, levando muitas famílias para a luta popular, que conseguiram conquistar a terra, construir a própria casa e produzir alimentos.

Kelli Mafort, da Coordenação Nacional do MST, durante sua fala na despedida lembrou carinhosamente da determinação e empenho de Joaquin na construção do acampamento e como, no passar do tempo, a partir de sua inserção na militante, o transformou em um “comandante”.

“Venho aqui trazer essa saudade, principalmente dos companheiros e companheiras de SP que tiveram o privilégio de ver os primeiros passos do Kima, que se transformou num grande comandante desta organização. Quando Kima se somou a nossa luta, no acampemnto Nova Canudos, ele nos chamou atenção porque sempre teve um jeito muito especial de conversar com as pessoas e sabia como ninguém fazer trabalho de base […]. Queria aqui destacar essa porta da luta pela terra que o companheiro entrou”, lembra Mafort.

Joaquin (segundo da esquerda para direita) e militantes do MST em São Paulo. Foto: Arquivo MST

Pela Direção Nacional do MST, ela agradeceu a presença de todos e todas e as demonstrações de afeto e carinho. “Mas nós não temos condição de agradecer a cada companheiro e companheira. A nossa direção nacional está na mesma condições das organizações que reconhecem em Joaquin um grande comandante, principalmente no internacionalismo, com base nas diversas ações desenvolvidas no âmbito internacional. Neste dia, homenageamos esse comandante porque seguiremos firmes os seus passos. Os passos dele são largos, e em 51 anos de vida fez uma trajetória de 200 anos, travando o bom combate.”

Com a simbologia das sementes crioulas nas mãos, João Paulo Rodrigues, também da Coordenação Nacional do MST, se emocionou ao recordar da trajetória de Joaquin. “Tive a oportunidade de conhecer o Joaquin no primeiro dia que ele chegou no MST. Exatamente em fevereiro de 1999, e o conheci porque ele participou de uma ocupação com nós […]. Nesse dia, o Kimba disse: ‘Quero que essa organização seja a minha casa e aqui vou conseguir construir a minha identidade, a identidade Sem Terra”, destacou Rodrigues.

Ele destacou também a cultura política de Joaquim, seu conhecimento e práxis do marxismo, tendo como base o conhecimento teórico e a prática. Lembrou ainda da alegria, da musicalidade e seu amor pelas culturas dos povos latino-americanos.

“Joaquin topou todas as tarefas que passamos para ele. Ele conseguiu andar pelo país, deixando um legado por onde passou. Estou falando de um Joaquin que foi um dos maiores comandantes na trincheira da relação com a sociedade e não temos palavras para agradecer a grandiosidade desse trabalho realizado”, concluiu.

Ao final da despedida, foi plantada na fazenda pública Valquimar dos Reis Fernandes (Joaquin Piñero) uma muda de Ipê, simbolizando o nascimento e a continuidade da sua luta. Em seguida, seu corpo foi enviado para cremação.

Saiba mais sobre a história de Joaquin na nota “Joaquin Piñero, o Kima, presente! Na luta, sempre!”.

*Editado por Fernanda Alcântara