17 de Abril
Ato Político-Cultural é marcado pela memória dos mártires de Carajás
Da Página do MST
Envolvidos na mística das marchas e mobilizações de luta pela terra do MST, com simbologias, cantorias e imagens do ataque da polícia contra a mobilização dos trabalhadores Sem Terra em Eldorado do Carajás no Pará, que resultou no Massacre de 21 Sem Terra na Curva do “S”, em 17 de abril de 1996, jovens Sem Terra, diretamente do local do Massacre, ao pé do Monumento das Castanheiras, munidos de cruzes, símbolos de luto e luta, sentimento de homenagem aos mártires da terra e persistência na continuidade da luta anunciam:
Mataram mais um irmão e ele ressuscitará, ressuscitará, e o povo não esquecerá, não esquecerá, não esquecerá!”.
Com esse sentimento de indignação e, ao mesmo tempo, de esperança na luta e organização coletiva dos povos contra os opressores, neste 17 de abril (sábado), Dia Internacional da Luta Camponesa e Dia Nacional de Luta pela Reforma Agrária, data criada em 1997, após o Massacre de Eldorado do Carajás, o MST realizou o Ato Político-Cultural Internacional em memória aos 25 anos do Massacre de Eldorado do Carajás.
“Teu nome é santificado naqueles que morrem defendendo a vida
Teu nome é glorificado, quando a justiça é nossa medida
Teu reino é de liberdade, de fraternidade, paz e comunhão
Maldita toda a violência que devora a vida pela repressão…Pedimos-te o pão da vida, o pão da segurança, o pão das multidões
O pão que traz humanidade, que constrói o homem em vez de canhões…
Pai nosso, dos pobres marginalizados
Pai nosso, dos mártires, dos torturados”
(Canção Pai Nosso dos Mártires)
Canções de lutas como estas celebraram a memória e resistência dos mártires da terra e reiniciaram mais um dia de luta em Defesa da Reforma Agrária. Ayala Ferreira, da Direção Nacional do MST, abriu a atividade diretamente da Curva do “S”, local em que os 21 mártires da terra tombaram no Pará. Com as medidas de distanciamento e de saúde devido à Covid-19, este ano o ato ocorreu de forma virtual, ao vivo, diretamente de Eldorado do Carajás.
“Estamos aqui desde a Curva do “S”, espaço sagrado dos camponeses e camponesas, que ousaram desafiar a ordem vigente para lutar pela democratização da terra e da implementação da Reforma Agrária. Gostaríamos de convocar a militância do MST para nos dois pontos da Curva do ‘S’, realizar o bloqueio para com a segurança necessária, iniciar nosso ato político e cultural. Pedir a paciência dos motorista e motociclistas, convocando, inclusive pra se somar e praticar desse espaço, que para nós é muito importante, ao reafirmar a memória”, convocou.
Ayala ressaltou a importância do local, como um espaço de memória dos trabalhadores Sem Terra do MST e da luta pela terra no país. “Nesse ano de 2021 o 25º ato político e cultural em memória dos mártires de Eldorado do Carajás. Delegação de vários espaços se somam para dizer que o nosso campo sagrado, diante das castanheiras, da Curva do ‘S’, diante da Casa da Memória, estaremos com mística, música, com posicionamento políticos, reafirmando o compromisso de sermos os construtores da tão sonhada Reforma Agrária no Brasil.”
Paralelo ao Ato Político-Cultural, durante todo o dia, o MST realizou ações simbólicas de memória e denúncia aos mártires de Eldorado do Carajás, em mais de 50 pontos do país, envolvendo 21 estados brasileiros, além de atos simbólicos em protesto de rua na França e em curso de formação em comunicação popular no Haiti, com a participação de membros do MST e em solidariedade às Jornadas de Luta Internacional Camponesa. Entre as atividades no Brasil foram realizados bloqueios e ações simbólicas em BRs e rodovias, praças públicas, doações de alimentos e marmitas, doações de mudas e plantios de árvores.
As ações ocorreram nas cinco regiões o país. E além da impunidade do Massacre de Eldorado do Carajás e dos massacres que vêm ocorrendo ao longo dos anos contra os trabalhadores do campo, os Sem Terra realizaram protestos em defesa da Reforma Agrária Popular, reivindicaram vacina para todos e denunciaram as políticas genocidas do governo federal, com o Fora Bolsonaro e auxílio emergencial de R$600,00.
Os protestos dos trabalhadores Sem Terra também apontam a Reforma Agrária Popular como uma alternativa viável para combater o aumento da fome no país, mas para isso cobram do governo federal a retomada de política públicas de apoio à agricultura camponesa e familiar. Desde o início da pandemia, o MST já doou mais de 4 mil toneladas de alimentos sem agrotóxico e cerca de 700 mil refeições às famílias em situação de vulnerabilidade social.
Massacre unificou a luta camponesa no mundo
Durante o Ato Político-Cultural Internacional em memória aos 25 anos do Massacre de Eldorado, João Pedro Stédile, da Direção Nacional do MST, fez uma reflexão sobre o significado histórico do Massacre e de como o fato mudou o contexto da luta camponesa no mundo. “É como se a história da luta camponesa mudasse lá na curva. E por que mudou? Porque aquele foi o sinal da emergência do poder do capital financeiro e das corporações nacionais sobre os bens da natureza e da agricultura. Ao realizar aquele massacre, eles disseram, não mais terra para quem nela trabalha. Eles deram um basta na viabilidade da Reforma Agrária clássica”, explicou.
Ao mesmo tempo, a brutalidade do crime também gerou uma resposta por parte dos camponeses e camponesas e da classe trabalhadora no mundo. “No mesmo período do Massacre estava se realizando o primeiro congresso fundacional das organizações camponesas da Via Camponesa Internacional, no México. Impactados pela notícia, eles de imediato, por consenso, decretaram o 17 de abril, o Dia Internacional da Luta Camponesa. Nesses 25 anos não somente os brasileiros e latino-americanos, mas em todo mundo, se realizam mobilizações camponesas para refletirmos sobre o futuro da humanidade.”
Stédile também relembrou que o acontecimento promoveu solidariedade e possibilitou a construção da Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF), a partir das fotos de Sebastião Salgado do Massacre, da obra “Levantados do Chão” de José Saramago, prêmio Nobel de literatura e das músicas de Chico Buarque, reunidos na obra “Terra”. “Essa obra fantástica que resumimos como Terra, nos permitiu fazer a ligação com as gerações futuras”, afirmou.
Porém, o dirigente nacional do MST relembrou que mesmo com as denúncias e a visibilidade do Massacre no mundo, o latifúndio continua violento e assassinando trabalhadores rurais e apoiadores da luta pela terra no país. Mas, considera que as pandemias, a fome e as mudanças climáticas, recolocaram o tema da agricultura e da Reforma Agrária no centro dos dilemas da humanidade e da luta de classes no horizonte.
“O Brasil tem um confronto de três modelos do capital e do trabalho: o latifúndio, o agronegócio e o terceiro modelo que é o nosso – dos trabalhadores (as) e camponeses (as) -, que se propõe a preservar natureza, a dividir a terra de forma justa, produzir alimentos saudáveis, com agroecologia e organizar agroindústria na forma cooperada. O nosso modelo se propõe construir, vida boa e saudável para todo o povo, do campo e cidade, por isso que chamamos de Reforma Agrária Popular. E não há dúvida, nós venceremos e teremos uma Reforma Agrária Popular em todo mundo”, projetou Stédile.
A representante da Via Campesina Internacional e da Coordenadoria Latino-americana de Organizações do Campo (Cloc), integrante da Conamure no Paraguai, Perla Álvarez Britez, ao relembrar a brutalidade do Massacre de Eldorado do Carajás, um dos mais violentos contra os trabalhadores rurais, também enfatizou os elementos que uniram os camponeses após esse triste episódio. “É um dia triste que nos une, mas também é um dia feliz que nos une. Porque estamos, os camponeses de todo o mundo relembrando o sangue derramado em Eldorado do Carajás e os centenas de companheiros mortos em todo continente latino-americano. Hoje nós temos o compromisso de não descansar devido ao sangue derramado de nossos companheiros e o compromisso de construir organização, movimento, esperança e produzir. Produzir alimentos para toda a humanidade”, argumentou.
Segundo Perla, lutar pela Reforma Agrária e produzir alimentos de forma agroecológica é uma forma de contribuir para o bem estar do mundo. “A luta Camponesa é por Reforma Agrária, para que mulheres e homens possam viver em igualdade de condições, oportunidade e de recursos distribuídos. A luta campesina é a luta para que tenhamos uma produção agroecológica, contra as mudanças climáticas que gera o agronegócio. Então, a nossa luta é contra o agronegócio, contra os agrotóxicos que nos matam. Porque nós queremos vida, e vida em abundância.”
A camponesa ressaltou ainda, que nesses tempos difíceis, de crises e governos autoritários é muito importante a unidade entre os movimentos sociais camponeses da América Latina, em torno da Cloc e da Via Campesina. “Que esse evento nos sirva como uma motivação para nos mantermos firmes, na resistência e no fortalecimento dos movimentos e na articulação para projetar o horizonte utópico socialista na América Latina. Viva a Luta Campesina e a memória de Eldorado do Carajás”, conclui.
Vários integrantes de movimentos sociais e entidades parceiras na defesa da Reforma Agrária participaram do ato. Um conjunto de artistas, músicos (as) e cantadores (as) também se revessaram na apresentação de intervenções de arte e cultura, com palavras e canções de denúncia e esperança na luta dos trabalhadores (as) e camponeses (as) do mundo contra a opressão.
Durante o Ato um vídeo com depoimentos de camponeses e camponesas da Via Campesina de todo mundo compartilhou o sentimento e o significado do dia 17 de abril para esses trabalhadores (as). A atividade também denunciou os massacres e as violências que vem crescendo no Brasil contra os trabalhadores e as populações mais vulneráveis, como o Massacre de Corumbiara, Carandiru, Candelária, Pau d’Alho no Pará, o aumento das violência contra as populações sem- teto, o crescimento e a brutalidade dos assassinatos de trabalhadores rurais e ativistas dos direitos humanos no campo e o massacre da Covid-19, que se aproxima das 400 mil mortes devido a política de genocídio do governo federal.
Acompanhado por centenas de pessoas de todo o mundo, por meios das redes sociais do MST, e transmitido, ao vivo, em outras línguas: inglês, francês e espanhol, o Ato Político-Cultural encerrou ainda a 15ª edição do Acampamento Pedagógico da Juventude Oziel Alves com o “Manifesto da Juventude Sem Terra À Esperançar”. O acampamento teve início no último dia 10 de Abril, e geralmente é realizado na Curva do “S”, em Eldorado do Carajás, mas que este ano ocorreu de forma virtual com a participação de jovens de vários estados do país, devido à pandemia da Covid-19. A ação online também deu início a 8ª da Jornada Universitária em Defesa da Reforma Agrária Popular (JURA), realizada nas universidades, escolas e centros de educação em todo país, que este ano relembra a memória e o legado de Paulo Freire, com o lema “Lutas e resistências no campo e na cidade – Centenário Paulo Freire”.
Confira a íntegra do Ato Político-Cultural Internacional em memória aos 25 anos do Massacre de Eldorado do Carajás
Veja abaixo mais imagens das ações realizadas nos estados em memória aos mártires de Eldorado do Carajás, no Pará.
*Editado por Wesley Lima