Liberdade de Expressão

Liberdades sob ataque: Câmara debate revogação da Lei de Segurança Nacional

Audiência Pública na Câmara Federal traz reflexões sobre a revogação de Lei que tem origem no período da ditadura militar e pode ferir liberdades fundamentais e o direito de protesto
Foto: Reprodução

Por Fernanda Alcântara
Da Página do MST

A Comissão de Direitos Humanos e Minorias realizou nesta tarde (28) uma audiência pública sobre o Projeto de Lei 6764/02, em tramitação na Câmara desde 2002, apresentado pelo então ministro da Justiça do governo Fernando Henrique Cardoso, Miguel Reale Júnior. Entre os convidados, estiveram presentes representantes de movimentos sociais, como Alexandre Conceição, do MST, o jornalista Leonardo Sakamoto, deputadas e deputados federais e representantes da sociedade civil para debater o tema.

A sessão foi presidida pelo deputado Carlos Veras, da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados, que começou ressaltando a importância do debate público sobre o tema para a sociedade. “Por isso, coerente à história dessa comissão de ser um espaço de escuta e recepção das organizações que lutam por direitos. Que nesta tormenta de tantos ataques às instituições, a Constituição seja a nossa rosa dos ventos, o nosso guia, para que se preserve a democracia e a liberdade de expressão”, afirmou.

O PL 6764/02 revoga a Lei de Segurança Nacional e define, no Código Penal, os crimes contra o Estado Democrático de Direito. Entretanto, grande parte dos convidados ressaltaram como a proposta pode ferir a liberdade para críticas políticas, liberdades fundamentais e do direito de protesto e, por isso, ela deve ser muito repensada em seu texto e propósito.

Walber Rondon Ribeiro, da Defensoria Geral Federal, foi o primeiro a se manifestar em seu tempo, ressaltando em sua fala sobre como a Defensoria tem historicamente defendido o estado democrático de direito, principalmente aos mais vulneráveis. Foi sucedido de Thiago Amparo, da FGV-Direitos, que contribuiu com o debate expondo que, “muitas vezes [a lei] é usada em uma lógica nacional de inimigo, ao mesmo tempo que é necessário uma revogação dessa lei, que é de 1983.É necessário mais ainda que ela seja alterada diante de um debate amplo e qualificado, como estamos fazendo hoje”, falou Amparo.

Como jornalista, Leonardo Sakamoto falou sobre a perseguição contra os governantes, que sempre houve, mas que tem se intensificado nos últimos tempos. “Há entraves presentes nesse debate que precisam ser melhor explicados, caso contrário, abrem precedentes. Um dos mais importantes, na minha visão de jornalista, seria o que o texto chama de “comunicação enganosa em massa”. Devemos combater a desinformação, mas quem vai definir o que são ‘fatos que se sabem inverídicos’? Se os governos vão definir o que é verdade e o que é mentira, isso pode formar um buraco legal mais perigoso do que o que temos”, afirmou Sakamoto .

Miro Teixeira, ex-deputado federal e representando o Instituto dos Advogados Brasileiros, ressaltou que a instituição estudou com profundidade o PL desde o seu início, mas que ele sofre (e continua a sofrer) muitas mudanças perigosas. “O projeto tem que passar pela maioria da Câmera, Senado e sanção da Presidência, mas não quer dizer que vai estar com o mesmo texto aprovado inicialmente. Um exemplo é a lei de greve, que era ótima quando apresentada em 1962, e que em 1966, quando foi aprovada, determinava a prisão dos grevistas, algo totalmente contrário ao que pregava em 1962”, ressaltou.

Alexandre Conceição, do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, ressaltou a importância da convocatória de maneira ampla. “Vamos ter muitas orientações jurídicas para não penalizar e que este processo não siga adiante. É uma lei de um Estado punitivo, que não dá oportunidade, governo fascista que tenta acabar com direitos já conquistados, para poder atacar e criminalizar ainda mais”, afirmou.

Alexandre Conceição, do MST, na Plenária virtual da Câmara. Foto: Reprodução.

Conceição ressaltou ainda o caráter de “urgência” dado para a votação desta discussão quando, na verdade, existem uma série de fatores a serem analisados. “É preciso chamar a atenção para o momento de hoje. Está no Senado, por exemplo, a lei para punir trabalhadores rurais e permitir a grilagem. Todo dia é um ataque à população brasileira”, se referindo à PL 510, que o senador Rodrigo Pacheco colocou, apenas um dia antes na pauta para discussão que beneficia grileiros e desmatadores. Após protestos da oposição, Pacheco adiou a votação, marcada para esta quarta (28).

“Temos o compromisso com o debate, mas é o momento para discutir agora, a nível nacional, a educação, alimentação, a vacina para todas e todos, o auxílio de R$ 600. Temos ideias e propostas, mas ao mesmo tempo temos que barrar a lei de grilagem e lutar por terra, água, vida e educação”, finalizou Conceição.

O deputado Orlando Silva seguiu falando sobre um termo de cidadania digital. “A guerra cibernética é uma realidade, mas carecemos de avançar o debate na sociedade brasileira mereceria a partir de uma análise mais cuidadosa. É importante remover o cunho autoritário do uso destes dispositivos, estudar o que está acontecendo mas também estar atento ao texto, que pode trazer riscos para a cidadania brasileira.”

Aristides Santo, Presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG), na mesma linha de Alexandre, questionou a urgência deste debate. “Se não tomarmos cuidado, a lei pode ficar pior do que a vigente está hoje. Estamos atentos à segurança do Estado ou pela segurança das pessoas? Qual é a ameaça de guerra [civil] no Brasil? Porque a guerra de fome existe, as pessoas estão morrendo de fome, e o Parlamento tem que resolver isso. É mais urgente. O presidente vetou a Lei Assis Carvalho, que está em caráter de urgência aqui no Parlamento também para aprovação do auxílio para os agricultores, mas as pessoas continuam morrendo de fome”.

Belisário dos Santos Jr, da Comissão Arns, também falou sobre como a revogação da lei é um avanço, mas dos perigos de aprovar sem o debate. “A preocupação é com a ação histórica do direito penal, vemos o estrago desses tipos abertos. Temos que pensar com muito cuidado a criminalização de “organização criminosa” e a violação do Estado Democrático, porque a lei tem agido assim até hoje”, lembrou.

A deputada Sâmia Bonfim também ressaltou que a PL ainda precisa passar por diversas outras comissões ao longo do processo de tramitação para conseguir ser mais abrangente. “Por isso, fazemos um apelo para o presidente da Câmara e para deputada Margarete Coelho [relatora da PL], que também se comprometam para que os demais colegas possam contribuir, e que não coloque em votação na próxima semana este projeto que traz pouca clareza e precisão, o que pode significar a permanência de conceitos e perseguição política”, afirmou Bonfim.

Caio Machado, do Instituto Vero, explicou que a instituição é formada por pesquisadores e comunicadores virtuais em defesa da esfera pública digital. Ele destacou a Nota técnica sobre o PL que Revoga a Lei de Segurança Nacional e explica mais detalhadamente os problemas na redação do projeto. “Há muitas coisas inquietantes, que esta leitura mais detalhada vai expor. Mas sobre a “comunicação enganosa em massa”, a lei não define o que é veículo de comunicação, o que é enganoso, e o que é em massa. Nem escopo nem princípios, o que preocupa muito. Ele tem a “realidade” muito mal definida, e a inutilidade e arbitrariedade para infirmar [enfraquecer] narrativas políticas é o mais agravante”.

A deputada Vivi Reis foi a mais incisiva sobre o uso da lei para intimidar os opositores por parte do atual governo. “Isso mostra a face perversa desta proposta, que tem a intenção do projeto político genocida. Diferente deles não somos adeptas às fake news, nem à censura. Devemos seguir construindo este debate, e pensar as alternativas política para ela”, afirmou.

Gustavo Seferian, diretor do ANDES – Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior, trouxe uma perspectiva de sensibilidade dos movimento sociais sob essa ameaça da doutrina de segurança nacional. “Em 28 de abril 1688, foi promulgada uma lei da “guerra justa”, em que permitia-se a caça e escravização de povos indígenas no Brasil (…). Estas lutas, reais, mostram esta história contra a perspectiva de que há um argumento punitivista que pode resolver os nossos problemas. Nunca o recrudescimento penal traz horizontes democráticos. Nossas urgências são outras”, relatou Seferian.

Participaram ainda o deputado Padre João; Darci Frigo, da Terra de Direito; Lucas Paolo Vilatta, do Instituto Vladimir Herzog; a deputada Erika Kokay; o advogado, Marcelo Feller; Raquel Rachid, da Coalizão Direitos na Rede; Thiago Firbida, do Artigo 19; Virgínia, representando a Central Única dos Trabalhadores (CUT); deputado Helder Salomão; e Wagner Moreira, Rede Justiça Criminal.

A plenária foi finalizada com os encaminhamentos do deputado Carlos Veras, que deverá entregar as notas taquigráficas para a relatora do projeto e para o presidente da Câmara, para que possam tomar conhecimento das contribuições apresentadas.

*Editado por Solange Engelmann