Fora Genocida

Titulação de terras entregues no Maranhão favorecem, na verdade, o agronegócio

Modalidade de título imposto pelo governo federal retira benefícios de pequenos agricultores
Manifestações contra ida de Bolsonaro ao Maranhão. Foto: Acervo MST

Por Mariana Castro
Da Página do MST

Em visita ao município de Açailândia, localizado a 526 km de São Luís, movimentos e entidades como o Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos, a organização Justiça nos Trilhos e o MST reagem à passagem do presidente Jair Messias Bolsonaro.

No local, o presidente fez a entrega de 287 Títulos de Domínio (TD) para famílias que vivem no Projeto de Assentamento Açaí, sem diálogo sobre as possibilidades e modalidades existentes no país, prática de imposição criticada por especialistas por retirar benefícios de agricultores, sem o seu conhecimento, favorecendo a mercantilização da terra pelo agronegócio.

Município da amazônia maranhense, Açailândia é um estratégico corredor de exploração e exportação de recursos naturais, palco de conflitos com a presença maçante de projetos desenvolvimentistas de agronegócio, siderurgia e mineração.

A prática de concessão de TD é resultado da Medida Provisória 759/2016, imposta sob críticas durante a gestão de Michel Temer. Em artigo, o Instituto Humanitas Unisinos (IHU) denuncia que a medida coloca terras da reforma agrária nas mãos do agronegócio, titulando assentamentos sem equipamentos mínimos de infraestrutura e sobrevivência.

O artigo avalia que com os títulos em mãos e sem condições básicas para viver no local, tais como saneamento básico, acesso aos meios de produção e assistência para agro industrialização em pequena escala, os agricultores familiares ficam sujeitos a vender essas propriedades para o agronegócio depois de 10 anos.

Em contraponto a essa prática, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), órgão ligado ao Ministério Público Federal (MPF), lançou inclusive o Guia para Reforma Agrária e Formalização do Acesso à Terra.

No Maranhão, os movimentos alertam que não foram apresentadas as possibilidades de títulos às famílias, mas sim, imposto o TD, que retira os benefícios e acessos às políticas públicas relacionadas à reforma agrária, tais como os do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) e da linha de crédito Fomento Mulher, muito utilizados no estado.

“Essa titulação torna o assentado como um pequeno proprietário, mas não dá as condições para esse assentado ter incentivo a melhorias, realmente. Esse processo de titulação não passou por uma apresentação dos tipos de títulos que as famílias podem acessar, eles simplesmente levaram aquele título que torna o Incra uma entidade que se desresponsabiliza pela estruturação e consolidação de um assentamento”, explica Ramiro Téllez, do MST em MA.

Atos de protesto

Reunidos na BR-222, representantes de entidades e movimentos sociais ergueram, durante toda a manhã de sexta-feira (21), faixas que repudiavam a gestão do presidente, tais como “Aqui não tem idiotas, tem famílias em luto!”, em resposta ao comentário de que “pessoas idiotas” ainda ficam em casa durante a pandemia.

Valdênia Paulino, representante da Rede Justiça nos Trilhos, premiada internacionalmente por defender comunidades impactadas pelo setor da mineração, explica que o governo tem atacado os movimentos sociais por ser contrário a todas as políticas de avanço e conquistas dos direitos humanos.

“Desde o seu ingresso no governo, nós temos tido problemas com os direitos já conquistados. No nosso caso, que trabalhamos com as comunidades atingidas pela mineração, temos a flexibilização e os projetos de lei que favorecem os garimpos, a grilagem de terra, o esvaziamento do ministério do meio ambiente, dos conselhos de direito, inclusive a extinção de muitos deles”.

Do Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos Carmen Bascarán (CDVDHCB), Mariana de La Fuente lamenta o apoio dos políticos locais, que sequer falaram sobre Covid-19, sobre os impactos causados pela mineração e outras questões pertinentes à região.

“Ele se mostrou um genocida e só vem aqui ao município de Açailândia para fazer propaganda. E o que é mais triste é ver o município, a Câmara de Vereadores, o Poder Legislativo respaldar um genocida, porque em todos os sentidos, é isso o que ele é”.

Por desrespeito às medidas de prevenção à Covid-19 durante a agenda no Maranhão, em medida inédita o governo do estado autuou Bolsonaro por infração sanitária durante a pandemia. Entre as irregularidades apontadas estão a falta de uso de máscara e a promoção de evento com aglomeração de mais de cem pessoas em Açailândia.

Tipos de titulação de lotes

Atualmente, existem duas formas básicas de titulação dos lotes: Título de Domínio e Concessão de Direito Real de Uso.

No modelo de Concessão de Direito Real de Uso (CDU), o Incra concede ao assentado uma concessão de uso da terra gratuitamente, com a obrigação de cultivar direta e pessoalmente a área, morar no lote e preservar os recursos naturais, contando com o apoio do órgão, que tem a obrigação de fornecer as condições de vida e de produção para o assentado, permanentemente.

Na modalidade de Título de Domínio (TD) é feito um contrato entre o Incra e o assentado, que assume a obrigação de cultivar direta e pessoalmente a área; morar no lote e preservar os recursos naturais, além de pagar ao órgão pela terra e demais despesas do assentamento no prazo de 20 (vinte) anos. Após a entrega do TD, o Incra emancipa o assentamento, de maneira que o governo não tem mais compromisso com as condições de vida e de produção do assentado.

*Editado por Fernanda Alcântara