Despejo Zero

STF suspende por 6 meses ações de despejo

Pela decisão, ficam impossibilitadas "medidas administrativas ou judiciais que resultem em despejos, desocupações, remoções forçadas ou reintegrações de posse de natureza coletiva"
Ação pede suspensão dos processos de despejos e remoções, independentemente de terem origem na iniciativa privada ou no poder público. Foto: Filipe Augusto Peres

Da Página do MST

Nesta quinta-feira (3/6), o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, em caráter liminar, suspender por seis meses todos os despejos envolvendo famílias vulneráveis no país. A suspensão envolve ordens ou medidas de desocupação de áreas que já estavam habitadas antes de 20 de março do ano passado, quando foi aprovado o estado de calamidade pública devido à pandemia da COVID-19.

Considerada uma vitória na luta pela terra e por moradia, o pedido feito pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) e apoiado por diversas entidades atreladas à Campanha Despejo Zero é um passo importante na luta contra a pandemia e pela vida das famílias mais vulneráveis.

Benedito “Dito” Barbosa, advogado popular, coordenador da Central de Movimentos Populares e membro da Campanha de Despejo Zero, ressaltou a importância dessa decisão, que é histórica. “É uma decisão extremamente fundamental nesse momento em que milhares de famílias no Brasil, segundo levantamento da Campanha Despejo Zero, estão ameaçadas de despejo de reintegração de posse e de remoção forçada, tanto no campo quanto na cidade.”

Segundo o levantamento da Campanha, nesse momento 12 mil famílias já foram removidas de suas casas durante a pandemia. “Temos mais 74 mil famílias ameaçadas de despejo e de remoção neste período de pandemia. Nós estamos falando de um número que atinge mais de 300 mil pessoas no Brasil, então é um número muito expressivo de ameaças de despejo e de remoção forçada, no campo e na cidade. Por isso que essa decisão do ministro Barroso é fundamental para barrar as remoções”, lembra Dito.

De acordo com Francisco Antônio Pereira, mais conhecido como Toninho, integrante da direção nacional do MST pelo Setor de Frente de Massas, a decisão do STF nesse momento é muito importante para o conjunto dos movimentos sociais. “Ganhamos aí o prazo de seis meses. Hoje temos muitos acampamento em todo o Brasil que estão com liminar de reintegração de posse, outros com o recurso no STF, então isso é uma vitória da classe trabalhadora, principalmente dos movimentos que lutam por terra, teto e trabalho”, afirma.

Aumento de despejos

Campanha Despejo Zero, lançada em 2020, contra despejos na pandemia. Foto: Filipe Augusto Peres

O aumento do número de despejos, remoções e reintegrações de posse está associado à perda de renda de famílias em meio à pandemia. Ou seja, sem trabalho e sem auxílio emergencial, muitas famílias não podem continuar pagando aluguel. Despejadas, vão para ocupações precárias, e assim passam a ser alvos de processos de reintegração de posse, remoções e ameaças. Assim foi ao longo de 2020, segundo balanço do Laboratório Espaço Público e Direito à Cidade (LabCidade), da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo.

Para Toninho, nessa conjuntura o MST acompanha estes casos bem de perto. “Só para se ter uma ideia, de 2019 a 2021, nós tivemos 32 despejos, violentos, nas nossas regiões, em 17 estados. Isso é uma violência contra a classe trabalhadora, contra os movimentos sociais, e recentemente tivemos o despejo do Engenho, em Pernambuco, onde a Polícia Militar do Paulo Câmara [atual Governador do estado de Pernambuco] despejou aquelas famílias, ferindo muitos. Tivemos despejo violento também na Bahia, onde companheiros e companheiras que há mais de 20 anos estavam acampados foram despejados; tivemos despejo no Tocantins”, lembra Toninho.

Marina dos Santos, da direção nacional do Movimento e também da Frente de Massas, ressalta a importância dessa decisão do STF, “principalmente nesse momento em que nós estamos vivendo no país uma política neofascista com um governo extremamente autoritário, violento, que só quer mal e a morte dos pobres, seja pela doença do vírus, seja pela doença da fome, seja pela doença da miséria.”

Segundo Santos, a política do governo é tirar a população dos territórios para dar vez aos proprietários de terras e imóveis no campo ou na cidade. “Essa decisão do STF é muito importante para a resistência dos trabalhadores que estão lutando no campo. Acho que é importante reforçaras discussões da Campanha Despejo Zero nesse período, em que diversos movimentos que estão em lutas no campo e na cidade.”

Decisão no STF

Pela decisão, ficam impossibilitadas “medidas administrativas ou judiciais que resultem em despejos, desocupações, remoções forçadas ou reintegrações de posse de natureza coletiva em imóveis que sirvam de moradia ou que representem área produtiva pelo trabalho individual ou familiar de populações vulneráveis.”

O ministro Luís Roberto Barroso, do STF, suspendeu o despejo de locatários de imóveis residenciais em condição de vulnerabilidade por decisão liminar, ou seja, sem prévia defesa, antes mesmo do exercício do contraditório. O conceito de vulnerabilidade será analisado caso a caso pelo magistrado que atuar na situação concreta.

“A decisão estabeleceu também um marco temporal. Ela delimitou que os despejos estão automaticamente suspensos naqueles casos em que as ocupações já existiam antes de março de 2020, antes do decreto da pandemia, e para as famílias e para as ocupações para depois da pandemia, de março 2020, estabelece várias condicionantes, seja para as pessoas que estão em situação de locação, seja para as pessoas que estão também nas ocupações coletivas”, explica Dito.

Ou seja, a verificação da situação da vulnerabilidade envolve também que haja abrigo, caso haja a situação de remoção. “Nesse sentido a decisão foi muito importante, porque, em geral, as famílias removidas ficam sem nenhuma proteção, sem nenhum abrigo, sem moradia, ficando desprotegidas, mesmo nessa situação de pandemia”, afirma Dito e complementa: “É importante dizer também que ela não suspende todos os despejos no Brasil, mas neste momento, ela coloca uma trava nas situações das remoções de uma forma geral, e isso é importante para os movimentos, especialmente para aquelas famílias que estão sendo ameaçada de despejo nesse momento”.

Toninho, da Frente de Massas do MST. Foto: Arquivo Pessoal

Toninho lembra também que, nesse momento, o governo Bolsonaro decretou o MST como inimigo principal e afirmou que todas as áreas e acampamentos do MST fossem despejadas.

“A solidariedade das entidades, dos sindicatos, dos movimentos, garantiu que os nossos acampados não fossem despejados. Nossos acampamentos produziram alimento saudável nessa pandemia, sabemos que os assentamentos foram quem mais produziu alimento saudável neste período e distribuímos nossa produção junto à periferia, junto daqueles e daquelas que mais necessitam. Foi um desafio colocarmos 75 mil famílias que estão acampadas a produzir”, destaca Toninho.

Perspectivas

Para Dito, é preciso estar atento ao fato de que ter uma decisão no Supremo não é suficiente, tendo em vista o que aconteceu na chacina do Jacarezinho. “É preciso continuar lutando, atuando junto aos juízes de primeira instância, para que a gente consiga suspendendo as remoções dos dias atuais. A articulação com as defensorias públicas, com os advogados populares nos estados e municípios, onde tiver uma situação de conflito fundiário, é importante para que a gente possa continuar lutando para suspender o despejo.”

“A gente também precisa aprovar a Lei n. 827, que é uma lei federal que pode complementar esta decisão do STF em vários aspectos. Um deles é que, na decisão do Barroso, há apenas a suspensão da decisão judicial, enquanto no caso da Lei 827, que está sendo discutida no Senado, ela suspende o processo como um todo. É fundamental também a gente aprovar as leis estaduais, ou seja, a gente continuar a luta. O fato da decisão ter sido muito importante, ter sido uma grande vitória para os movimentos urbanos e rurais no Brasil nesse momento, para a luta da reforma urbana e para a luta na reforma agrária, é fundamental que a gente continue lutando para que também essa decisão seja implementada.”

Ação do despejo no Quilombo Campo Grande (MG), em 2020, durante a pandemia. Foto: Acervo MST em MG

Toninho também ressaltou que a continuidade da Campanha Despejo Zero é essencial no momento. “Foram 32 acampamentos despejados nesse período de 2019 a 2021; perdemos o território onde essas famílias estavam acampadas, mas não perdemos as famílias. Todas essas famílias estão em acampamentos nos nossos assentamentos da reforma agrária, aguardando o momento certo para que a gente possam retomar os territórios e produzir alimento saudável.”

Outras demandas também aparecem de forma transversal nesta luta, segundo Toninho. “Nessa conjuntura atual, os acampamentos de todo o Brasil têm um papel fundamental nas mobilizações de Fora Bolsonaro; na campanha para que estrangeiros que tirem as patas de cima das nossas terras; por vacina no braço comida no prato. Graças aos movimentos que têm pautado essas demandas, vamos retomar a luta pela terra, pela reforma agrária, retomar as ocupações de terra”, concluiu.

Campanha Despejo Zero

Entre as entidades da cidade e do campo que aderiram à campanha Despejo Zero, estão a Conam (Confederação Nacional das Associações de Moradores), a CMP (Central dos Movimentos Populares), a UMN (União dos Movimentos de Moradia), o Movimento Nacional de Luta por Moradia, o MST, o MAB (Movimento dos Atingidos por Barreiras) e o MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto), entre outras.

Nesta linha, a Câmara dos Deputados tramita o PL 1975/2020, de autoria da deputada Natália Bonavides (PT-RN), que propõe a suspensão de despejos e reintegração de posse no campo e na cidade, durante a vigência da calamidade devido à pandemia do coronavírus.

“A campanha de Despejo Zero tem sido fundamental para continuar fortalecendo as centenas de organizações e entidades que sofrem com os despejos. Temos que continuar juntos na luta para fortalecer a resistência contra as remoções e avançar na nossa pauta pelo direito à terra e pelo direito à moradia”, afirma Dito, que conclui: “Foi uma vitória importante, mas precisamos continuar na luta, porque sabemos que a partir da decisão no Supremo, é fundamental que ela seja implementada aqui na ponta. Por isso que é importante que a gente continue vigilante, sobre tudo isso que está acontecendo nesse momento em relação à decisão judicial da Lei 827, que foi muito importante para nós.”