Lutas Populares

Fora Bolsonaro e a emergência das mobilizações do 3J

Debate entre as organizações do campo popular levantam pontos de destaque que dão o tom da conjuntura política das manifestações deste próximo sábado (3)
Protestos do 24J em Betim, Minas Gerais.  Foto: Mari Rocha | MST

Por Igor Felippe
Da Página do MST

I-CONJUNTURA POLÍTICA MAIS IMEDIATA 

1- A tragédia da pandemia de coronavírus, com uma média de 2 mil mortos por dia, atravessa a conjuntura, com impacto na vida das pessoas, na intensidade da atividade econômica, nas discussões no Congresso e no Judiciário e na atuação das forças populares. 

2- Bolsonaro está no seu pior momento desde o começo do governo. A popularidade está no patamar mais baixo, em 23%, segundo pesquisa Ipec (ex-Ibope). Com as mobilizações das forças populares, perdeu o “monopólio das ruas”. Ao mesmo tempo, tem diminuído a intensidade da atuação das milícias bolsonaristas nas redes sociais. Mais recentemente, caiu o ministro Ricardo Salles, do Meio Ambiente, que integrava o núcleo mais ideológico. 

3- A CPI da Pandemia de Covid-19 no Senado tem imposto um desgaste permanente com a exposição da postura irresponsável na condução das medidas sanitárias, a fixação pela cloroquina e o descaso com a compra das vacinas. A comissão tem altos e baixos, mas cumpre um papel pedagógico, reforçado pelos grandes meios de comunicação, ao expor um passo a passo das ações do governo. 

4- As denúncias envolvendo a compra da vacina indiana Covaxin, que atingiram o presidente Jair Bolsonaro, é o elemento mais recente de desgaste que será tratado na CPI. Os irmãos Luis Ricardo Miranda, o servidor do Ministério da Saúde, e Luis Miranda (DEM-DF), deputado federal, revelaram que alertaram o presidente há mais de três meses dos indícios de irregularidades. O esquema de corrupção é atribuído ao líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR). Bolsonaro, que tinha informações do esquema e sabia do envolvimento de Barros, pode responder por prevaricação. Para evitar os processos, alega que mandou o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazzuelo tomar uma atitude. A informação de que o presidente da Câmara, Arthur Lira, teria orientado Miranda a levar a público (“detonar”) as irregularidades chama atenção.

5- A base de sustentação do governo no Congresso Nacional, desenhada com a articulação com o chamado “centrão” (a direita fisiológica) na eleição para a presidência da Câmara e do Senado, aproveita a situação de maior instabilidade. No Senado, a composição é mais desfavorável ao governo, ainda mais com a centralidade da CPI da Pandemia. Na Câmara, Arthur Lira conduz com mão de ferro os trabalhos, especialmente depois da mudança do regimento da tramitação. 

6-Diante da situação do governo, a fatura do “centrão” fica mais cara. O “programa baixo clero de Lira”, como classifica o colunista Vinicius Torres Freire, é arrancar emendas, cargos, benefícios e projetos de interesse para obstruir a ameaça de  impeachment. Cresce a pressão e o lobby de medidas para favorecer apoiadores para as eleições e a aceleração de reformas para atender às pressões do grande capital. 

7- Com a necessidade do governo dar sinalizações ao mercado e entregar as promessas ao grande capital, o programa neoliberal avança com a condução das lideranças do Congresso, com apoio da direita bolsonarista e da direita não-bolsonarista, articulando frações do capital internacional e nacional. O rolo compressor passou na privatização da Eletrobras. Já tinha passado na aprovação da autonomia do Banco Central. Agora, a próxima da fila é a privatização dos Correios. Na agenda, ainda tem a reforma administrativa, medidas tributárias, mudanças na lei eleitoral (como o distritão e a volta do financiamento privado), projetos de interesse do agronegócio (terras indígenas e regulação fundiária) e da bancada da bala (regulamentação do terrorismo).

8- As manifestações de rua expressivas são um elemento novo, tanto pela capilaridade nacional quanto pelo número de participantes dos protestos. Os atos foram uma demonstração de força; os movimentos populares retomaram o protagonismo político e expressaram a unidade da esquerda, animando os setores progressistas. Os atos tiveram um crescimento em 19 de junho, em comparação a 29 de maio, mas não deram um salto qualitativo, que depende do movimento de faixas da classe trabalhadora. 

9- Com a precipitação da crise do esquema da Covaxin e a deterioração das condições políticas do governo, reunião extraordinária da campanha Fora Bolsonaro decidiu convocar atos em todo o país dia 3 de julho. Mantém-se no calendário o 24 de julho, com um tempo maior para avançar no processo de preparação e mobilização com os sindicatos e pelos movimentos populares nos territórios. 

10- No dia 30 de junho, haverá um ato em Brasília para aumentar a pressão sobre o presidente da Câmara, Arthur Lira, quando será apresentado um super-pedido de impeachment, que reunirá a esquerda e figuras de centro e de direita.

11- As manifestações de rua por “Fora Bolsonaro” consolidaram a mudança na conjuntura, que tinha sido alterada com a retomada dos direitos políticos do Lula, que recolocou a esquerda no jogo eleitoral com a perspectiva de retomar o governo federal. Lula passou a exercer seu papel de maior liderança da oposição ao governo Bolsonaro, deu maior unidade ao campo progressista, atraiu setores do centro e abriu um canal de diálogo direto com o povo brasileiro.

12- O nosso campo político tem cumprido um papel importante na construção da campanha nacional Fora Bolsonaro, que tem conduzido o movimento e a agenda de manifestações. Desenha-se uma unidade tática do conjunto da Frente Brasil Popular, do setor majoritário da Frente Povo Sem Medo (MTST e Intersindical), partido de esquerda, o fórum das centrais e entidades da sociedade civil. Um segmento se desgarrou da Frente Povo Sem Medo, composto por UP, MES/PSOL, CST, PCB, que se articulam contra a unidade da esquerda em torno do Lula nas eleições de 2022 e defendem a candidatura de Glauber Braga.

13- A direita não bolsonarista tem uma oportunidade de aumentar a carga contra Bolsonaro e lançar mão do pedido de impeachment para suplantar o atual presidente e viabilizar a 3ª via contra Lula, que aparece consolidado como candidato da esquerda. Na pesquisa IPEC divulgada nesta semana, Lula aparece com 49% e ganharia no 1º turno. A direita neoliberal controla governos estaduais importantes, tem força política, referência na sociedade, confiança programática de frações da burguesia e de grandes meios de comunicação. 

14- Em uma situação adversa, com a possibilidade de avançar o processo de impeachment, Bolsonaro mantém a ameaça de radicalização, com o discurso ideológico e a mobilização dos apoiadores fiéis. A agenda de atos com motoqueiros em Brasília, no Rio de Janeiro, em São Paulo e mais recentemente em Chapecó (SC) sinaliza para a sua base de apoio. Bolsonaro tem usado politicamente o controle sobre áreas estratégicas do governo, como o Ministério da Justiça (Anderson Torres)  e a Advocacia Geral da União (André Mendonça), além do papel desempenhado pelo procurador-geral da República Augusto Aras. 

15- Não é possível descartar a possibilidade da extrema-direita lançar mão de artifícios de desestabilização e abrir um confronto. Os movimentos nas Forças Armadas esgarçam o regulamento disciplinar e a hierarquia do Exército. O endurecimento de setores bolsonaristas na Polícia Militar nos estados demonstra a influência do presidente entre os policiais.  

II -TENDÊNCIAS E CENÁRIOS 

1- Os desdobramentos da crise em curso e o aprofundamento da deterioração do governo fortalecem a luta da forças populares pelo “Fora Bolsonaro” e abrem uma janela para direita não-bolsonarista se deslocar para uma posição mais firme pelo impeachment para tirar Bolsonaro do jogo eleitoral em 2022 e viabilizar a terceira via. O jornalista Hélio Doyle relata que estão em curso  “articulações, ainda iniciais, envolvendo empresários, militares e alguns poucos políticos com mandato” para articular o impeachment e impedir que o ex-presidente Lula vença as eleições em 2022.

2- Para o longo prazo, a evolução da pandemia, mais precisamente da vacinação, e o cenário econômico são determinantes para a disputa política e para as eleições. A gestão da crise hídrica, que poderá levar a um apagão em estados como São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Paraná, a depender do volume de chuvas, é um elemento adicional.

3- A vacinação avança, mais devagar do que a necessidade, mas o Brasil atingiu a marca de 25 milhões de vacinados com duas doses contra a covid-19 (12% da população). O total de vacinados com uma dose chegou a 70 milhões de pessoas (32% da população). Na medida em que avança a vacinação fora do país, aumenta a oferta de imunizantes e podemos acelerar pela capacidade do Programa Nacional de Imunização. A pandemia pode estar controlada ainda no primeiro semestre de 2022. 

4- Em relação a economia, a leitura mais “pessimista” destaca o nível baixo da atividade econômica, a manutenção de grandes níveis de desemprego, a corrosão da renda com a inflação alta de produtos e serviços básicos, o aumento do endividamento e da inadimplência. Consequentemente, a deterioração das condições de vida dos trabalhadores abre margem para a direita neoliberal deslocar Bolsonaro, arrastar setores da burguesia e atrair o eleitorado mais conservador descontente com o governo. 

5- A aposta de Bolsonaro é estimular alguma recuperação econômica, abrir o caixa, fazer investimentos em algumas áreas e criar um novo programa social de maior envergadura. Analistas do mercado apontam o crescimento de 5% neste ano, que respingará como efeito de melhora na vida dos trabalhadores mais pobres. O crescimento do primeiro trimestre foi acima das expectativas de estagnação, em um quadro favorável de câmbio desvalorizado, o juro baixo e a recuperação de China e EUA. A ampliação dos repasses federais para os fundos de participação de estados e municípios sinaliza o aumento da atividade econômica e da arrecadação de impostos.

6- Bolsonaro terá que passar pelo deserto da crise da Covaxin. Nesse caso, estará em melhores condições políticas em 2022 do que as atuais, especialmente com o avanço da vacinação e com algum patamar de crescimento econômico. Assim, pode construir uma base de apoio maior do que a atual e atrair as frações da burguesia interessadas na derrota do Lula.

III- DESAFIOS

1- O acirramento da polarização implica organização e preparação das forças populares para o recrudescimento da luta de classes até as eleições. Agora, a tarefa é avançar com a campanha “Fora Bolsonaro” para desgastar ao máximo o atual governo e tentar derrubá-lo. Ao mesmo tempo, cresce o desafio de disputar ideologicamente e envolver na luta faixas da classe trabalhadora, defendendo políticas de renda, salário e emprego. 

2- Precisamos discutir pontos para um programa de construção nacional, articular as forças de esquerda mais avançadas e fazer uma campanha na sociedade em defesa de medidas populares emergenciais para enfrentar a crise nacional, como:

-Revogação do teto dos gastos para retomar a capacidade de investimentos do Estado.

-Proposta de reforma tributária progressiva avançada para financiar um programa de renda e emprego 

-Reforma política para superar a crise institucional.

-Reorientação da política externa para uma maior autonomia em relação aos Estados Unidos. 

3-No processo de preparação para as eleições, será necessário envolver as forças democráticas e progressistas para derrotar a extrema-direita e construir uma campanha militante em defesa de medidas populares emergenciais para enfrentar a crise nacional. A eleição será uma guerra decisiva para a derrota do fascismo e enfrentar o neoliberalismo.

*Editado por Fernanda Alcântara