Nota de Pesar

Nosso adeus a Sérgio Mamberti

Ator foi imortalizado pela potência da sua arte e sua atuação política

Da Página do MST

Sérgio Duarte Mamberti partiu aos 82 anos, em decorrência de uma infecção pulmonar. Ator, diretor, produtor cultural, ativista político e defensor da cultura popular, Mamberti nos marcou como intérprete de personagens que fizeram história desde a década de 60 nos palcos e telas. Entre os personagens mais marcantes de sua carreira, lembramos o sábio e carismático Dr. Victor, do programa infantil Castelo Rá-Tim-Bum, além de centenas de outros personagens no cinema, tv e teatro.

A vida de Mamberti foi marcada pela busca permanente de uma arte crítica, conjugada a uma militância ativa e com uma participação incessante em projetos de construção do nosso país. Em um de seus primeiros trabalhos, no ano de 1963, às vésperas do golpe militar, ele participava de uma encenação da peça de Os fuzis da senhora Carrar, peça escrita por Brecht para apoiar as lutas de resistência frente ao fascismo espanhol e no mundo.

Tendo vivenciado na pele os horrores da ditadura, Mamberti esteve ativo até seus últimos dias na denúncia contra os governos golpistas, desde Temer e principalmente nos anos de Bolsonaro. Sua participação ativa na campanhas de rua para virar votos em 2018 foi inspiradora e exemplar. Em São Paulo, poucos dias antes do segundo turno, ele participou de um encontro com mais de 600 artistas empenhados na campanha de Haddad.

Mamberti foi um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores (PT). Sua relação com o movimento vinha desde as greves do ABC no final dos anos 70, quando ele passou a apoiar o movimento dos trabalhadores que veio a desaguar no PT. Ao lado de Augusto Boal, Esther Goés e outros e outras artistas, Mamberti foi coordenador e formulador do programa de cultura do PT, no ano de 1994, elaborando o programa chamado “Cultura como invenção do futuro”.

O projeto cultural que Mamberti ajudou a conceber durante anos viria a encontrar sua realização nos governos federais do PT com Lula e Dilma. Mamberti integrou o Ministério da Cultura e foi o primeiro secretário da Diversidade e Identidade Cultural de nosso país. Iniciativa exemplar, sem precedentes em nossa história pela diversidade e amplitude da concepção de cultural que orientava os trabalhos. A Secretaria coordenada por Mamberti foi responsável pela implementação de centenas de projetos que contemplaram comunidade indígenas, movimentos e organizações camponesas,  diversas formas de culturas populares, povos e comunidades tradicionais, culturas ciganas, pescadores artesanais, quilombolas, diversidade sexual (LGBTQI+), grupos etários (infância, juventude e idosos), hip hop e repentistas,  pessoas com deficiência física ou do campo da saúde mental. Uma política sem igual pela diversidade dos campos contemplados. Além de sua atuação na Secretaria da Identidade e da Diversidade Cultural, Mamberti coordenou também a Secretaria de Música e Artes Cênicas, se dedicando posteriormente à presidência da Funarte.

A aproximação de Mamberti com o MST começou a se intensificar em 1996. O impacto da violência do Massacre de Eldorado dos Carajás o sensibilizou profundamente e o levou a se aproximar definitivamente do MST, segundo suas próprias palavras. “À vitória, à vitória! Temos que acreditar que podemos mudar”, foi as palavras que ele usou para saudar a militância do MST nos atos em memória dos 25 anos do Massacre que aconteceu em abril de 2021.

Ator Sérgio Mamberti morre aos 82 anos em SP. Foto: Joka Madruga

Mamberti não cansou afirmar que se via como um militante do MST. Ele sempre expressou um profundo orgulho em se sentir parte do Movimento. Trabalhou incessantemente com o MST enquanto esteve no Ministério da Cultura, ajudando a fortalecer as dezenas de pontos de cultura ligados à Rede Cultural da Terra. Também apoiou os encontros de formação realizados com Augusto Boal e o CTO-RJ que resultaram na formação da Brigada Nacional de Teatro do MST Patativa do Assaré.

Mamberti se manteve até seus últimos dias como um combatente pelo Brasil e pela cultura brasileira. Ele via o atual cenário com as seguintes palavras: “existe uma política de extermínio cultural, de fazer com que a cultura perca seu papel de agente transformador, sendo que há um desmonte sistemático de todas as conquistas dos últimos anos, e não só as do nosso governo (PT). A maior tragédia que a gente vê agora é com as culturas indígenas. O que está havendo com o meio ambiente e as culturas indígenas, há uma questão cultural, de sobrevivência. As mortes no campo, as tragédias nas terras indígenas, são tão graves quanto nas comunidades periféricas. São ações de extermínio cultural, de dizimar toda a diferença, porque as mortes são no sentido de um preconceito.”

Reconhecendo o cenário duro e difícil em que nos encontramos com a ofensiva das forças de extrema-direita e neofascistas em todo o mundo, num contexto de guerras culturais, ele assegurava que “eu não sou pessimista, estou com 80 anos. Isso é luta, é conscientização, é processo, que devemos construir. A educação foi para as ruas. A cultura já começou a ir para as ruas, mas concordo que tem que avançar. (…) Acho que a cultura tem de assumir essa liderança, e tem de estar com a classe trabalhadora. Precisamos olhar para trás e aprender um pouquinho. Os estudantes foram fundamentais (na resistência à ditadura civil-militar). E temos os movimentos do campo, como o MST que é revolucionário, e o MTST. Falta juntar tudo isso. Acho que os elementos estão aí. A cultura é o elemento aglutinador desse processo.”

Entre esses e outros momentos inesquecíveis, compartilhados por quem alimenta nossa luta, saudamos o grande e inesquecível Mamberti, nos solidarizando com sua família, amigas e amigos. Assim como todo o conjunto de brasileiras e brasileiros que se despedem hoje em luto, por quem em vida lutou pela arte, democracia e cultura popular.

Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST

03 de setembro de 2021