MST 38 Anos

Relato de um companheiro veterano de luta

“Me lembro muito bem da madrugada dia 22 de janeiro de 1984, eu e o Otávio saímos de Capanema, sudoeste do Paraná, em um Fusca carregando uma máquina de xerox e papel”, lembra o militante Jaime Calegari, sobre a ida para o Encontro de fundação do MST
“Terra para todos”, dizia a faixa usada durante uma marcha pelo interior do estado / Foto: Arquivo MST-PR

Por Jaime Calegari*
Da Página do MST

Dias atrás, vi muitos jovens felicitando os 38 anos do MST. Fico feliz, porque significa renovação, gente nova assumindo o comando desta bela organização. Tive vontade de escrever algo também, principalmente depois que o Roberto Baggio, meu companheiro aqui do Paraná, me mandou a ata da formação do MST de 1984.

Me lembro muito bem da madrugada dia 22 de janeiro de 1984, eu e o Otávio saímos de Capanema, sudoeste do Paraná, em um Fusca carregando uma máquina de xerox e papel, rumo a um Seminário católico em Cascavel, para participarmos de um encontro. Eram várias organizações rurais para debater a criação de um movimento específico, que aglutinasse os Sem Terra em um movimento a nível nacional. Depois de 3 dias, surge o MST.

Marcha no interior do Paraná. Foto: Arquivo MST-PR 

Fui eleito para a Coordenação Nacional. Com 24 anos, iniciando a luta política, veja o tamanho da tarefa! Bem diferente de hoje (carros, telefone, internet e outras coisas), na época, viajar só de ônibus. Telefone, só orelhão. Recursos quase sempre próprios, ou da ajuda dos Sindicatos dos Trabalhadores Rurais (STRs) 

No Paraná, criamos vários movimentos regionais MASTES, MASTRO, MASTEL, etc. Cada regional tocava meio do seu jeito, a unificação ficava por conta da Secretária Estadual, em Curitiba. 

Vendo os desafios que eram grandes, vou começar a contar pelo da minha região, que era fazer uma ocupação organizada pelo MST. Antes ocorreu uma ocupação voluntária em 1983, em Marmeleiro, na fazenda Anoni.

Nosso objetivo era fazer uma ocupação com a marca do MST, que aconteceu em 21 de junho de 1984, em Mangueirinha, no sudoeste. Fomos vitoriosos. Depois foram outras várias, algumas vitoriosas, outras perdidas. Como o acampamento em Marmeleiro, em 85, e na fazenda Corumbá, em Chopinzinho, derrotada.  Ali conheci os companheiros Mário Schons, Gaúcho e outros.

Do acampamento de Marmeleiro saímos para o assentamento Vitória, em Cascavel, outro em Pitanga, na região Oeste. Em 1986 ocupamos em Inácio Martins, em 1988 foi a fazenda Lagoa, em Honório Serpa.

“As ocupações são ilegais, mas são justas”, diz a faixa usada na manifestação / Foto: Arquivo MST-PR 

No começo dos anos 90, dei uma parada por conta do nascimento do meu filho Ricardo. Em 94 voltei às atividades. Próximo a esse ano, ocorreu a ocupação que depois deu origem ao assentamento Missões, em Francisco Beltrão.

Em 1995 fizemos a preparação para o maior passo do  MST no Paraná, a ocupação da Giacometti Marondi, que aconteceu no ano seguinte. Nesse mesmo ano, perdemos o nosso companheiro Ireno Alves Dos Santos.

Em 97, me deram a tarefa de contribuir com a região Centro. Vim morar em Cantagalo, e no final daquele ano retornamos a Capanema. No início de 98 a tarefa foi acompanhar o assentamento Ireno Alves dos Santos, em Rio Bonito do Iguaçu, onde era pra eu ser assentado. Depois acompanhei também a ocupação do que virou o assentamento Marcos Freire e acampamento da Bacia. 

Foto: Arquivo MST-PR 
Foto: Arquivo MST-PR 

Entre 1998 e 2000, fui candidato a deputado estadual e a vice-prefeito de Rio Bonito, mas perdemos nas duas vezes. As candidaturas foram parte de uma decisão tática do MST naquele período, em âmbito estadual e local. 

Minha família havia retornado a Capanema, eu fiquei em Cantagalo até 2003.

Neste período acompanhei uma ocupação perto de Campo Mourão e depois Centenário do Sul. Nesta última, um fazendeiro atirou pro meu lado, consegui me proteger. Fomos despejados tipo boiada, fomos socorridos pelos padres da região e acampamos em Goioerê, daí surgiu a ocupação da fazenda 7 mil, com famílias oriundas do acampamento em Ibema.

Em 2004, já em Capanema, coordenei a ocupação do Silo. Ô ocupação que deu trabalho! Complicações internas, atritos com a ocupação da bacia, prisão do companheiro Elemar Cezimbra, etc. Mas forçou o INCRA a fazer o assentamento Celso Furtado, em Quedas do Iguaçu, e o 10 de maio, em Rio Bonito do Iguaçu. 

Entre 2005 e 2006, parei as atividades porque em 2008 nasceu minha filha Luana.

A partir de 2012, tive uma série de problemas de saúde, e as finanças foram pro ar. Em 2015 o companheiro Enio Pasqualin, junto com o MST, organizou  a ocupação Herdeiros da Terra de 1º de Maio, e propôs que eu deveria ter um lote, hoje faz quase três anos que estou aqui. Infelizmente o Ênio foi assassinado, até hoje pairam muitas dúvidas sobre o motivo do crime.

Marcha pelo interior do Paraná. Foto: Arquivo MST-PR 

Voltando à fundação do MST, me lembro de todos os coordenadores nacionais, os encontros, os debates, a dinâmica. João Pedro o mais experiente, nos motivando a cada reunião, era como encher o tanque da vontade de continuar a lutar, porque quem não adquiria conhecimento ficava para trás.

Portanto, meus camaradas mais jovens, se vocês ficarem só resolvendo problemas caseiros, não iram avançar muito. Só com muito conhecimento, estudo, que vão deixar o MST mais forte.

Abraços de um companheiro veterano. 

*Jaime Calegari está entre os militantes históricos do MST-PR, acampado da comunidade Herdeiro da Luta de Primeiro de Maio, em Rio Bonito do Iguaçu

**Editado por Fernanda Alcântara