Comida de Verdade

MST, Rede Rua e movimentos populares concluem formação de Agentes Populares de Alimentação em São Paulo

As atividades aconteceram entre os dias 14 e 24 de março
Carla Bueno, do setor de produção do MST, falou sobre a diferença entre os projetos do Agronegócio e da Agroecologia na produção de alimentos. Foto: Guilherme Henrique Guilherme

Por Guilherme Henrique Guilherme
Da Página do MST

Entre os dias 14 e 24 de março, foram realizadas oficinas formativas com a população em situação de rua que frequenta a Chapelaria Social do Brás, na região central de São Paulo.

A Chapelaria Social é um espaço de convivência para a população em situação de rua. Seu nome é inspirado no projeto inicial de “bagageiro” desenvolvido no espaço, para guarda de pertences de pessoas em situação de rua. Ali, são ofertados armários para a preservação dos objetos pessoais dos frequentadores, assim como a possibilidade de utilização de banheiros, de lavagem de roupas e de alimentação.

Em parceria com a ONG Rede Rua, que administra o espaço, o MST, junto com o mandato do vereador Eduardo Suplicy, realizou uma oficina e formação de boas práticas na cozinha e de beneficiamento de alimentos, a partir de produtos in natura da reforma agrária e da feira, com a nutricionista Cristiana Maymone. Além disso, foi realizada também formação política sobre a origem dos alimentos, a produção agroecológica e sobre as razões da fome.

Carla Bueno, do setor de produção do MST, falou sobre a diferença entre os projetos do Agronegócio e da Agroecologia na produção de alimentos. Destacou a incompatibilidade entre a produção do agronegócio (baseada em monocultura e latifúndio, demandante de veneno) e o combate à fome no Brasil, pois o agro produz hegemonicamente commodities para exportação. Apontou a agricultura familiar e a reforma agrária popular como os melhores caminhos na produção de alimentos saudáveis e para o fim da fome no Brasil, já que são responsáveis por mais de 70% do que tem no nosso prato de comida. Para tanto destacou o trabalho coletivo e organizado em cooperativas e associações, citando o arroz do MST gaúcho como vanguarda nesse processo.

Ainda na conversa e formação, a partir das experiências de alguns dos participantes, que já haviam trabalhado no campo ou têm familiares que produzem, a Bueno explicou que a agricultura familiar produz uma rica variedade de produtos, o que favorece o solo, o meio ambiente e diminui a necessidade de veneno. Ao dar prioridade à mesa dos brasileiros, a reforma agrária popular pode, também, democratizar o acesso à comida.

O preparo de pratos fizeram parte da oficina. Foto: Guilherme Henrique Guilherme

Para Dora Elisa, frequentadora do espaço e da oficina de formação, foi possível ter uma compreensão completa do processo de preparo de alimentos de maneira coletiva.

Eu gostei que foi todo o processo, desde o processo de higienizar tudo o que vamos usar até o preparo. Pra mim foi muito válido porque é assim que tem que ser. Uma coisa de qualidade, uma coisa saudável. A gente fez salada, fez molho caseiro, colocamos vários ingredientes, ficou colorido e muito gostoso. Fizemos também molho de pimenta, que teve o processo todo: cozinhamos, fizemos a infusão e depois colocamos nos potes. Ontem fizemos molho com tomate cereja, beterraba, toda essa combinação fica muito gostosa e muito saudável. Estamos fazendo doce de banana com canela e cravo… Aprendemos a esterilizar os potes de maneira correta. Todo esse processo eu achei muito interessante.”

A partir do contato com o conteúdo da formação, Dora Elisa pontua também como pode ser possível a formação de uma cooperativa para o preparo e comercialização de produtos saudáveis feitos pelos formandos. “O projeto pode virar uma cooperativa. Eu estou gostando por ser um aprendizado a mais, me faz bem, está sendo muito positivo. É uma coisa boa, não é difícil e é econômico…”

Cristiana Maymone, nutricionista e mediadora dos encontros, conta como foi o planejamento da experiência: “ a gente pensou em um processo começando pela higienização dos alimentos, passando pela Xepa. A prática sempre vinculada a um debate, uma conversa, uma discussão do sistema alimentar como um todo. Falamos de desperdício, de alimentos industrializados, o papel deles no campo político, econômico e da saúde.”

A “Xepa” aconteceu por meio de uma visita coletiva ao mercado do Pari, onde foi possível adquirir alimentos ainda saudáveis, mas que, de outra forma, seriam desperdiçados. Dora Elisa, narrando a experiência da Xepa, ressalta ter sido uma novidade entre a turma. “É muito interessante, tem coisas que eu não sabia, como a Xepa. Nós fomos para o Pari e elas começaram a mostrar o que era a Xepa. Lá tem muito do que a gente precisa.”

Com base nessa ida coletiva à Xepa, foi possível fazer o beneficiamento daqueles alimentos, utilizando-os para as conservas, sem a utilização de químicos e fazê-los durar muito mais tempo.

Ainda segundo Cristiana, “o objetivo também foi fazer com que eles entendessem uma cozinha coletiva, comunitária, as regras para que a utilização seja de todos e todas e que o uso de um não atrapalhe o do outro, e mais: que o uso de um contribua com o uso do outro. Então a gente se juntava, olhava o que tinha e pensava em um cardápio, em uma divisão de tarefas, tudo de forma coletiva. Foi tudo bem dialogado: o que a gente poderia fazer, as técnicas nutricionais, dietéticas, de higiene de alimentos.”

Cristiana também ressalta o caráter afetivo dos alimentos, recuperado pela oficina: “eles [os participantes] trouxeram também o gosto e os acúmulos que eles tinham com a comida. Muitos relatos do tipo ‘minha mãe fazia de tal forma’, ‘na minha família fazíamos assim’. Então a gente pegou essa comida que passou da mão do feirante para as nossas mãos, foi transformada pelo fogão, e ainda conseguimos levantar essa carga afetiva, que lembrava suas famílias, suas relações.”

Por fim, a nutricionista finaliza: “Particularmente, eu acho que a gente comeu muito bem nesses dias.”

*Editado por Wesley Lima