Jornada de Lutas

Marcha reúne 2.500 pessoas do campo e cidade por Teto, Terra e Trabalho, em Curitiba (PR)

Em audiência pública com autoridades, representantes de cerca de 70 comunidades do MST e dez ocupações de Curitiba e região metropolitana reivindicaram a suspensão dos despejos em 2022
Marcha denunciou o risco de despejos forçados, que ameaçam mais de 4.300 famílias urbanas e 7 mil famílias camponesas no estado. Foto: Wellington Lenon/MST PR

Por Setor de Comunicação e Cultura do MST no Paraná
Da Página do MST

Mais de 2.500 trabalhadores/as da cidade, camponeses/as e indígenas marcharam pelas ruas do centro de Curitiba, na manhã desta quarta-feira (13). A ação faz parte da Jornada de Lutas por Teto, Terra e Trabalho, organizada por dezenas de movimentos populares pela regularização fundiária de comunidades de ocupação, urbanas e rurais. No total, são mais de 4.300 famílias urbanas e 7 mil famílias camponesas que enfrentam o risco de despejos forçados no estado.   

Depois de caminhar da Praça Rui Barbosa até o Centro Cívico, uma Audiência Pública reuniu um grupo de representantes de cada comunidade e autoridades do Poder Executivo estadual, do Poder Judiciário, da Assembleia Legislativa e da Universidade Federal.

Sirlei Silva Lima vive no acampamento Resistência Camponesa, de Cascavel, formado há mais de 20 anos e onde moram cerca de 50 famílias. “Nós imaginamos que o dia de hoje vai ser muito positivo para que avance a nossa luta. Nós vamos permanecer lá nos nossos espaços, construindo as comunidades que nós já temos e que são comunidades consolidadas. Queremos que seja criado o assentamento para que a gente possa continuar vivendo dignamente, tendo a nossa moradia e nossos alimentos que produzimos lá”. 

Foto: Wellington Lenon/MST PR
Foto: Wellington Lenon/MST PR
Foto: Oruê Brasileiro
Ação reuniu movimentos populares e organização que lutam pelo Despejo Zero. Foto: Oruê Brasileiro

Para José Damasceno, integrante da Direção do MST no Paraná, a marcha expressou uma construção coletiva entre trabalhadores do campo e da cidade. “A luz no final do túnel nunca apagou, mesmo em período difícil, de travessia dura, nós sempre mantemos acesa a vontade de lutar, de vencer, e nunca esquecemos a nossa história e as nossas origens. Por isso, esperançar é necessário, e vencer é possível. Com certeza venceremos, se a gente continuar com essa alto estima e essa vontade de lutar”. 

Na avaliação do dirigente, o contexto atual é de retomada das lutas populares, diante de uma crise humanitária pela qual o país atravessa, com aumento da fome e altos índices de desemprego: “Neste momento, em toda a sociedade brasileira há uma retomada na sociedade brasileira, e nós não mais voltaremos pra casa. Tenho certeza que vamos vencer”. 

Para o MST, a Jornada também marca o Abril Vermelho, período em que o Movimento relembra o Massacre de Eldorado do Carajás, no Pará. No dia 17 de abril de 1996, o crime cometido pela Polícia Militar do estado matou 21 agricultores Sem Terra e deixou dezenas de feridos.  

A ação é realizada por dezenas de movimentos populares como o Movimento Popular por Moradia (MPM), o Movimento de Trabalhadoras e Trabalhadores por Direitos (MTD), o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), Núcleo Periférico, Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, União de Moradores/as e Trabalhadores/as (UMT), Movimento Nacional de Luta pela Moradia (MNLM), Frente Nacional de Luta – Campo e Cidade (FNL), além do MST, Coletivo Marmitas da Terra e outras organizações urbanas. 

A Jornada ocorre um pouco mais de dez dias após o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), estender o veto aos despejos e desocupações em áreas urbanas e rurais ocupadas até o final de junho de 2022. 

Desde o início do governo Bolsonaro e também da pandemia da Covid-19, as condições de vida da população mais pobre pioraram, com aumento do desemprego, do custo dos alimentos, do gás de cozinha e da fome. Foi neste cenário de crise humanitária que os despejos foram suspensos pelo STF em junho de 2021. 

Em audiência, famílias pedem por Despejo Zero em 2022

Foto: Wellington Lenon/MST PR

Representantes de cerca de 70 comunidades do MST de todo o Paraná e de dez ocupações urbanas de Curitiba e região metropolitana participaram da audiência, no final da manhã desta quarta-feira (13). Moradores das comunidades apresentaram depoimentos sobre a realidade em que vivem, e cada área também entregou um dossiê em que mostram o que tem nas comunidades.  

Em carta entregue e lida para as autoridades, o coletivo de entidades realizadoras reivindicou que o Estado adote medidas para a construção de soluções coletivas, buscando a regularização das áreas urbanas e rurais para as famílias e povos ocupantes; que a UFPR realize um mapeamento social comunitário das ocupações urbanas em conjunto com as demais instituições; além de cobrar a suspensão de todos os despejos durante o ano de 2022.

“É obrigação do Poder Judiciário estar presente no local do conflito. Isso que eu faço não deveria ser uma novidade, deveria ser encarado como uma obrigação. É o que está na Constituição Federal”, disse o desembargador Fernando Prazeres, depois de ser elogiado por integrantes da mesa pelas visitas técnicas que tem realizado a comunidades de ocupação urbanas e rurais. 

Olympio de Sá Sotto Maior Neto enfatizou a importância de que promotores de justiça conheçam as comunidades para transformar em espaço de luta para uma mudança social. “Que todos nós possamos nos constituir em instrumentos à disposição da nação brasileira, do estado do Paraná, para o quanto antes se cumpre aquilo que é objetivo fundamental da República Federativa do Brasil, que é o respeito à dignidade da pessoa humana, com a superação das desigualdades sociais e da erradicação da pobreza se vê construída assim uma sociedade livre, justa e solidária”.

Ao fim do encontro, camponesas(es) do MST entregaram cestas com alimentos produzidos em diversas áreas do Movimento para as autoridades e representantes das comunidades. O ato enfatiza a solidariedade do MST e a importância que agricultores da Reforma Agrária dão à comida.

A audiência contou com a participação do desembargador Fernando Prazeres, do Tribunal de Justiça do Paraná e presidente da Comissão de Mediação de Conflitos Fundiários do Tribunal de Justiça do Paraná (CEJUSCs); Roland Rodolfo Rutyna, da Superintendência de Diálogo e Interação Social do Governo do Paraná (Sudis); Olympio de Sá Sotto Maior Neto, procurador de justiça e coordenador do Centro de Apoio Operacional dos Direitos Humanos do Ministério Público do Paraná (MP-PR); Rafael Moura, promotor de justiça do MP-PR; Darci Frigo, presidente do Conselho Nacional de Direitos Humanos; dos professores da Universidade Federal do Paraná Daniele Pontes e José Ricardo Farias, coordenadores do projeto Plantear; e dos deputados estaduais Professor Lemos e Luciana Rafagnin, do Partido dos Trabalhadores (PT).   

O coletivo Marmitas da Terra garantiu as 3 mil refeições para o almoço das pessoas participantes da Jornada, além das que são entregues a pessoas em situação de rua nas praças do centro da cidade toda quarta-feira. Com a ação, a campanha chega a 120 mil Marmitas da Terra distribuídas desde maio de 2020.

“Ninguém luta sozinho, nós lutamos juntos”

Cerca  de 500 pessoas lotaram a Celebração Ecumênica da Jornada de Lutas por Teto, Terra e Trabalho, na noite desta terça-feira (12), no salão da Paróquia do Imaculado Coração de Maria, no bairro Rebouças, em Curitiba.

“Onde tem companheiros, tem luta conjunta, tem solidariedade, então tem vitória. Ninguém luta sozinho, nós lutamos juntos”, garantiu padre Valdecir Badzinski, secretário executivo da CNBB Sul 2, que conduziu a atividade.

A celebração também teve a participação do Padre Joaquim Parron, Ação SOS Vila Torres; pastor Mike Vieira, da igreja evangélica Congrega; e padre Eguione, assessor da Ação Sócio-transformadora da Arquidiocese de Curitiba.

Na tarde desta quarta-feira, ainda houve partilha de alimentos doados por famílias camponesas do MST e também reunidas durante a Celebração Ecumênica. As cestas foram partilhadas com a comunidade Nova Esperança, de Campo Magro, onde vivem mais de mil famílias.

Confira na íntegra a carta de reivindicações: 

CARTA DE REIVINDICAÇÕES

Curitiba/Paraná, 13 de abril de 2022.

Ao Exmo. Desembargador Fernando Antonio Prazeres

Tribunal de Justiça do Estado do Paraná – Comissão de Conflitos Fundiários

Ao Ilmo. Superintendente Roland Rutyna 

Governo do Estado do Paraná – Superintendência Geral de Diálogo e Interação Social 

Ao Exmo. Dr. Olympio de Sá Sotto Maior Neto

Ministério Público do Estado do Paraná – Centro de Apoio das Promotorias de Justiça de Proteção aos Direitos Humanos 

Ao Exmo. Dr. João Victor Rozatti Longhi

Defensoria Pública do Estado do Paraná – Núcleo Itinerante das Questões Fundiárias e Urbanísticas 

Ao Exmo. Deputado Tadeu Veneri 

Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Estado do Paraná

Ao Ilmo. Sr. Padre Valdecir Badzinski

Secretário Executivo – CNBB

À Ilma. Professora Dra. Daniele Pontes

Professora de Direito da Universidade Federal do Paraná

Prezados/as Senhores/as,

Nós, movimentos populares de direito à moradia e direito à terra e ocupações do campo e da cidade de diferentes localidades do Estado do Paraná, organizados por meio da Campanha Despejo Zero – pela vida no campo e na cidade e pela Jornada de Lutas por Teto, Terra e Trabalho, vimos tornar pública esta carta de reivindicações, frente a prevalência de possível retomada de despejos num cenário que continua marcado pela pandemia e crise socioeconômica.

Compreendemos que as razões do acirramento dos conflitos fundiários são latentes, e merecem atenção, por isso, consideramos que:

  1. Com um saldo de mais de 662 mil mortos no país, a pandemia agravou as desigualdades, expôs o déficit habitacional e a falta de infraestrutura e saneamento em boa parte das residências das famílias brasileiras, muitas das quais, diante da crise econômica, fome e desemprego, foram obrigadas a recorrer à informalidade como única opção. Quanto às famílias que já residiam nesses locais, a moradia se tornou ainda mais central para sua subsistência. Embora as notícias indiquem baixas taxas de contágio, a pandemia, e principalmente seus efeitos, não se encerraram e podem ser sentidos junto a atual crise inflacionária sobre produtos básicos, como comida, gás e aluguéis. Só para se ter uma ideia, o mês de março de 2022 apresentou o maior índice de inflação dos últimos 28 anos. Na média anual de 2021, tivemos mais de 14 milhões de desempregados de acordo com o IBGE, número mais alto da série histórica iniciada em 2012. 
  1. A “Nota orientativa sobre COVID-19: Prohibición de los desalojos”, da Relatoría Especial sobre o direito à moradia adequada das Nações Unidas, declara que os Estados devem cumprir com suas obrigações de direitos humanos sob o ponto de vista do direito internacional: “Declarar el fin de todos los desalojos de cualquier persona, en cualquier lugar y por cualquier motivo hasta el final de la pandemia y durante un período de tiempo razonable a partir de entonces
  1. Por outro lado, desde 2016 temos sido afetados pelo desmonte das políticas públicas, com a Emenda Constitucional n.º 95 que congelou os gastos com as políticas públicas por vinte anos, passando pela extinção dos Conselhos, do Ministério das Cidades e do desmanche dos órgãos de regularização fundiária (INCRA, FUNAI, Fundação Cultural Palmares) culminando na escassez de recursos e investimentos em reforma agrária, políticas de habitação popular e regularização fundiária de interesse social capazes de prevenir conflitos fundiários coletivos. Desde 2019 não foram feitas novas contratações de moradia popular subsidiada para as pessoas de faixas de renda mais baixas. Somado a isto, há um corte orçamentário drástico: em 2021, o orçamento federal destinado para habitação, como o programa Casa Verde Amarela, foi de apenas R$27 milhões, um corte de 98% em relação ao ano anterior. A título comparativo, entre 2009 e 2019, a média de gastos com programas habitacionais era de R$11,3 bilhões ao ano. Em relação aos orçamentos para reforma agrária, a comparação da Lei Orçamentária Anual de 2020 com o projeto de LOA de 2021 mostra diminuição em 99,5% dos valores para as ações de Reforma Agrária e Regularização Fundiária, em -82,30% para Monitoramento de Conflitos Agrários e Pacificação no Campo e de -94,60% para Aquisição de Terras;
  1. As famílias que ocupam áreas no campo e na cidade que não cumpriam a função social constituíram comunidades ao longo de vários anos, e, na maioria dos casos, foram instaurados processos administrativos de arrecadação por parte do Estado, o que gerou expectativa real de solução do conflito. Tal expectativa ensejou que as famílias passassem a produzir e se consolidar nas áreas, investindo na construção de casas, escolas, estradas, igrejas, áreas de lazer, espaços comunitários (hortas e cozinhas), e acessando políticas públicas como energia elétrica, água, educação, saúde, Cad Pro, etc.

Por isso, propomos as Vossas Excelências: 

  1. Que o Estado adote medidas para a construção de soluções coletivas, visando a regularização das áreas urbanas e rurais para as famílias e povos ocupantes;
  2. Que a UFPR realize um mapeamento social comunitário das ocupações urbanas em conjunto com as demais instituições;
  3. Frente a esse cenário que aponta ser possível resolver a maioria dos conflitos, propomos que sejam suspensos todos os despejos durante o ano de 2022.

Por teto, terra e trabalho para todas as famílias paranaenses. 

Contamos com o apoio.

Atenciosamente, 

CAMPANHA DESPEJO ZERO

MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA (MST) 

MOVIMENTO DOS TRABALHADORES SEM TETO (MTST) 

MOVIMENTO POPULAR POR MORADIA (MPM) 

UNIÃO DE MORADORES/AS E TRABALHADORES (UMT) 

MOVIMENTO DAS TRABALHADORAS E TRABALHADORES POR DIREITOS (MTD) 

POVOS INDÍGENAS E COMUNIDADES TRADICIONAIS

FRENTE NACIONAL DE LUTAS 

FAMÍLIAS AMEAÇADAS DE DESPEJOS EM COMUNIDADES URBANAS E RURAIS

“O maior espetáculo do pobre da atualidade é comer.” 

(Carolina Maria de Jesus – Quarto de Despejo)

*Editado por Solange Engelmann