Mobilização

Em protesto na CNA, manifestantes denunciam agronegócio e fome no país

Na manhã desta quarta-feira (20), cerca de 30 manifestantes realizaram um protesto na sede da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), em Brasília (DF)
Foto: Divulgação

Da Página do MST

Na manhã desta quarta-feira (20), manifestantes realizaram um protesto na sede da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), em Brasília, DF. O protesto buscou denunciar a aliança entre o agronegócio e o governo de Jair Bolsonaro, a qual é responsável por garantir lucros recordes para o setor, enquanto milhões de brasileiros sofrem com a fome e a alta do preço dos alimentos. A ação fez parte da Jornada Nacional de Luta em Defesa da Reforma Agrária, que ocorre em todo país durante este mês de abril e que traz o lema “Terra, Teto e Pão”. 

Ao todo, o MST já realizou mais de 50 ações em todas as regiões do país neste mês. A Jornada lembra o 17 de abril de 1996, em Eldorado do Carajás, quando duas tropas da Polícia Militar do Pará atiram contra 1.500 famílias de trabalhadores rurais Sem Terra que marchavam em direção a Belém com o objetivo de reivindicar a desapropriação de terras para Reforma Agrária. O resultado da operação é o Massacre de Eldorado do Carajás, com 19 Sem Terra barbaramente assassinados no local e 2 que morreram logo em seguida por conta dos ferimentos. 

“O caráter da nossa jornada é tomar as ruas com a pauta da Reforma Agrária Popular, e dizer que a Reforma Agrária não é uma pauta vencida para os(as) trabalhadores(as), que dependem ainda de um pedaço de terra para alcançar a dignidade”, afirma Idalice Nunes, da direção do MST no Mato Grosso. Para a dirigente, o problema do Brasil só vai se resolver com a distribuição de renda e uma das formas de distribuir renda nesse país, segundo Nunes, é fazendo a Reforma Agrária. 

Na ação na CNA, os manifestantes usaram uma balança, na qual estava escrita a pergunta “quem te alimenta?”, para contrapor o projeto do agronegócio e da Reforma Agrária Popular. Eles também cantavam “o Brasil está sangrando, a fome reinando, o povo morrendo e o agro lucrando”. 

A Confederação Nacional da Agricultura foi criada em 1951 e tornou-se, desde então, uma das principais entidades representativa e organizativa do agronegócio brasileiro. Integram o Sistema CNA as 27 federações de agricultura e pecuária, que atuam nos Estados e no Distrito Federal, e mais de dois mil sindicatos rurais. 

A entidade também compõe, atualmente, o Instituto Pensar Agro, considerado o braço empresarial e econômico da bancada ruralista. A articulação entre estes dois grupos é responsável por colocar em pautas os interesses do agronegócio no Congresso Federal. 

Para Idalice Nunes, o agronegócio só destrói, mata e expulsa gente do campo, seja por meio da grilagem e da jagunçagem ou pelo uso de agrotóxicos. “As médias e pequenas propriedades de terra desse país são quem produz alimentos. O Brasil só vai ter soberania alimentar, quando de fato acontecer a Reforma Agrária nesse país”, afirma a dirigente. 

O agronegócio representa atualmente um dos pilares de sustentação do governo Bolsonaro. Ao lado do ex-militar desde sua campanha para Presidente, o setor agropecuário está presente em cargos do primeiro escalão do governo. Tereza Cristina, ex-Ministra da Agricultura, já foi líder da bancada ruralista. Ricardo Salles, ex-Ministro do Meio Ambiente, afirmou que o governo tinha que aproveitar a pandemia para “passar a boiada”, ou seja, avançar na flexibilização das leis ambientais. Onyx Lorenzoni, que ocupou vários Ministérios do governo Bolsonaro, também é membro da Frente Parlamentar da Agropecuária. 

Agronegócio condena milhões à fome 

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Em uma pesquisa feita pelo economista Matheus Peçanha, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV IBRE), no período de um ano, o “prato feito”, forma de alimentação comum para milhões de brasileiros, subiu praticamente o triplo da inflação.

O arroz, por exemplo, teve um aumento de 70% em 12 meses. Em geral, o aumento dos preços dos alimentos atingiu 14,09%, enquanto a inflação oficial foi de 6,29%, em 2020. 

De acordo com estudo realizado pela Rede Penssan, em 2021 cerca de 116 milhões de pessoas viviam com algum nível de insegurança alimentar no Brasil. Destes, mais de 19 milhões estavam em insegurança alimentar grave. 

Ao mesmo tempo em que os preços dos alimentos sofrem altas significativas, o agronegócio bateu recordes de exportações de commodities. Em 2021, o total exportado pelo agronegócio resultou em mais de 120 bilhões de dólares, o que representa uma alta de 19,7% em relação ao ano anterior. Segundo dados da Secretaria de Comércio e Relações Internacionais (SCRI), os destaques foram para soja em grãos (2,71 milhões de toneladas); farelo de soja (1,72 milhão de toneladas); celulose (1,64 milhão de toneladas); e carnes (667 mil toneladas). 

Como é possível o agronegócio, que se apresenta como principal provedor de riquezas e alimentos para o país, bater recorde de lucros enquanto a fome aumenta no país? A resposta para esta contradição pode estar no modelo de produção no qual se baseia o agronegócio. 

Antônio Pereira, da direção nacional do MST, contesta esta tese defendida pelo agronegócio, ao refletir sobre as ações realizadas pelos latifundiários durante a pandemia de covid-19. “Nesse período da pandemia não vimos o agro do campo fazendo campanha de solidariedade ou distribuindo alimentos pelo país. Enquanto o nosso povo passa fome, quem faz a solidariedade é a Reforma Agrária, por meio dos nossos assentamentos e acampamentos”, reflete Pereira. 

Um dado importante que ilustra a forma como o agronegócio atua diz respeito ao mercado da carne bovina no Brasil. No ano passado, o consumo de carne alcançou o menor índice em 16 anos. Foi um recuo de 10%, comparado a 2020. O motivo desta diminuição está principalmente ligado às altas dos preços. Em junho de 2021, considerando o acumulado em 12 meses, o brasileiro pagava 38,17% a mais pelo item do que um ano antes. 

Paralelo a este cenário, a China, principal importadora de carne do Brasil, suspendeu as exportações, por conta de dois casos atípicos de “mal da vaca louca”. Com menos carne para exportação e alta dos preços no mercado interno, esperava-se que os produtores de gado bovino direcionassem seus abates para os açougues brasileiros. Contudo, os fazendeiros optaram por outra estratégia. 

Em pesquisa sobre a produção brasileira de animais, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE) concluiu que o número de bovinos abatidos recuou 11,1% no terceiro trimestre de 2021. Ou seja, o agronegócio preferiu deixar o gado no pasto e esperar o embargo chinês terminar a abater seus bois para abastecer os açougues brasileiros. 

A área destinada para o cultivo de itens básicos do prato do brasileiro é cada vez menor também. O geógrafo brasileiro Carlos Walter Porto-Gonçalves, em artigo publicado com título “O Agro é tudo, mas só conta a metade”, afirma que em 1988, o Brasil possuía 24,7% de áreas agricultáveis ocupadas por itens da cesta básica, como arroz, feijão e mandioca. Em 2018, essa área caiu para 7,7%. 

Estimativas da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – EMBRAPA – apontam que as áreas plantadas de arroz e feijão deverão sofrer uma redução até o final desta década. Na safra 2019/2020, foram apenas 3,3 milhões de toneladas de feijão e 11 milhões de toneladas de arroz. 

Apesar do arroz ser item básico no prato de quase toda população brasileira, não há nenhuma política que garanta a produção do grão, com o governo federal preferindo exportá-lo. É o que aponta o estudo, lançado em setembro de 2021, “O agro não é tech, o agro não é pop e muito menos tudo”, elaborado por Marco Antonio Mitidiero Junior, Yamila Goldfarb, da Associação Brasileira de Reforma Agrária. Entre os dez produtos agropecuários mais comprados do exterior, entre 2018 e 2020, o arroz ocupa a nona posição. Em 2018, foram 614 mil toneladas, chegando em 2020 a quase 1 milhão de toneladas compradas. 

Agronegócio só é viável com apropriação do orçamento público 

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A área de lavoura plantada no Brasil triplicou entre 1985 e 2929. De 19 milhões de hectares, a área passou para 55 milhões. Ao todo, foram 272 milhões de toneladas de grãos colhidos (um recorde, com 15,4 milhões de toneladas a mais que na safra 2019/2020). As projeções feitas pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento apontam para um aumento destes números, de modo que a área de soja, por exemplo, passe de 23,5 milhões (dado registrado em 2010) para 48,9 milhões de hectares em 2030. 

Todo este crescimento é impulsionado por uma alta alocação de recursos públicos. Como exemplo, o Plano Safra 2021/2022 está destinando um total de R$ 251,2 bilhões em financiamentos para produtores rurais (um crescimento de 6,3% em relação ao período anterior). Em 2010, este valor era de R$ 100 bilhões. 

Este montante cada vez maior destinado ao agronegócio representa também uma redução no investimento em políticas públicas para a agricultura familiar. Programas como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), Assistência Técnica e Extensão Rural (Ater) e Distribuição de Alimentos a Grupos Populacionais Tradicionais e Específicos tiveram redução de 50% no orçamento nos últimos anos. 

O PAA existe há mais de 20 anos e surgiu como estratégia a partir do programa Fome Zero, em 2003. Se comparado com 2014, o Programa teve uma redução de 77,3% no valor executado em 2019. 

O Programa de Aquisição de Alimentos já chegou a comercializar 297 mil toneladas de alimentos em 2012. Porém esta quantidade foi reduzida a 14 mil toneladas em 2019, primeiro ano do governo Bolsonaro. 

Em 2022, está previsto um total de R$ 200 milhões para o PAA. No entanto, metade deste valor está nas mãos do deputado Hugo Leal (PSD-RJ), por conta do orçamento secreto. Ou seja, caberá ao deputado decidir como e onde usar R$ 100 milhões. Leal é membro da bancada ruralista. 

Já a Assistência Técnica e Extensão Rural (Ater) teve uma redução de 89,6% em seis anos. Criado em 2010, a Ater buscava contribuir no aperfeiçoamento da produção de agricultores familiares. 

No atual governo, a agricultura familiar não conta com recursos para produzir e, muito menos, com terra para cultivar. A política de reforma agrária está paralisada no país. Ao contrário, o governo de Jair Bolsonaro investe no Programa “Titula Brasil”, que transfere a atribuição de titulação de terras da reforma agrária para os municípios, fato que facilita a grilagem de terra e aumenta a pressão do agronegócio sobre estes territórios.

*Editado por Fernanda Alcântara