JURA 2022

Reforma Agrária Popular e Universidade: conheça mais sobre as JURAs

Em entrevista a Profª Drª Clarice Aparecida dos Santos fala sobre as JURAs e o seu papel na construção da resistência a partir das universidades
6ª JURA de SC reafirma a resistência e agroecologia na luta dos povos do campo
Imagem da 6ª JURA de SC reafirma a resistência e agroecologia na luta dos povos do campo. Foto: MST SC

Por Fernanda Alcântara
Da Página do MST

Criada durante o 2º Encontro Nacional dos Professores Universitários, realizado em 2013, a Jornada Universitária em Defesa da Reforma Agrária (JURA) ocorre entre os meses de abril e maio, em diversas Universidades Federais, Estaduais, Particulares e Institutos de Ensino por todo o país.

O objetivo das JURAs, desde a sua criação, é buscar visibilizar as ações de luta pela terra, especialmente por movimentos populares como o MST. O período foi definido para dialogar com a data do dia 17 de abril, no qual o MST denuncia a impunidade do massacre de Eldorado do Carajás, ocorrido nessa mesma data, em 1996, resultando no assassinato de 21 trabalhadores Sem Terra.

Clarisse dos Santos. Foto: Reprodução

Além da defesa da Reforma Agrária Popular e da alimentação saudável, livre de agrotóxicos e transgênicos, as JURAs tem em seu histórico a persistente denúncia aos sucessivos ataques à democracia e aos movimentos populares. Assim, ao longo dos anos e em diferentes narrativas, este espaço proporciona o debate sobre a Reforma Agrária Popular, além de divulgar os frutos da luta a partir de feiras de produtos da Reforma Agrária e de livros, produtos estes advindos de vários assentamentos e acampamentos pelo país.

Ao proporcionar debates sobre a realidade agrária por meio de distintas linguagens, as JURAs acabam se tornando importantes instrumentos em defesa dos movimentos populares do campo. Para entender melhor, confira a entrevista com a Profª Drª Clarice Aparecida dos Santos, docente do ensino superior da Universidade de Brasília (UnB), que atua principalmente em temas como a Educação do Campo e políticas públicas e é coordenadora do Núcleo de Estudos Agrários da UnB.

Confira a entrevista abaixo.

As Jornadas Universitárias pela Reforma Agrária (JURAs) acontecem há quase dez anos em diferentes universidades. Em qual contexto elas se tornam importantes para a lógica acadêmica?

Desde o ano de 2014, as JURAs vêm acontecendo nos mais diferentes desenhos, metodologias e período. Nesses oito anos de experiência, envolveu mais de 35 Instituições de Ensino Superior; Grupos, Núcleos e Laboratórios de Estudo e Pesquisa; Programas de Pós-Graduação; Coletivos de Trabalho; Estudantes de diversos cursos de graduação; movimentos e organizações sociais do campo e da cidade, que se articularam em torno do estudo e do debate das múltiplas dimensões que envolvem o tema da questão agrária e da Reforma Agrária Popular. 

No contexto acadêmico, normalmente refratário – especialmente nos últimos anos – a este tipo de tema, tornou-se um importante espaço de articulação de professores, estudantes e movimentos sociais e sindicais de diversos cursos e departamentos, que têm a Questão Agrária como temática nas suas disciplinas, mas normalmente não se encontram. As JURAs, para além da característica própria de cada estado ou de cada Universidade, se constituíram no espaço multidisciplinar de resistência e de batalha das ideias.  

Qual o papel das JURAs na construção da resistência a partir das universidades?

As JURAs têm cumprido um papel importante de pautar o tema da Reforma Agrária e os temas a ela correlatos dentro das universidades, na perspectiva de construir massa crítica em favor de uma questão que, na lógica meritocrática e neoliberal que invadiu o ambiente acadêmico nas últimas décadas, tende a desaparecer. São os temas que envolvem o modelo de desenvolvimento do país, como as questões ambientais, a segurança e soberania slimentar, entre outros, relacionados ao modelo hegemonizado pelo agronegócio.

São temáticas transversais a todos os cursos, não somente àqueles que têm correlação com o campo, e que pelas atividades organizadas nas JURAs envolvem estudantes e professores do Direito, da Educação, da Ciência Política, apenas para citar alguns. E isso se constitui resistência, ou seja, não deixar que os problemas cruciais do povo brasileiro passem longe do mundo acadêmico, como quer o capital.

participação das crianças Sem Terra encerra VI JURA
Participação das crianças Sem Terra encerra VI JURA no Ceará, em 2019. Foto: Acervo do MST

Quais desafios a pandemia trouxe para pautas como agronegócio, fome e agroecologia dentro das Universidades e para a sociedade?

Neste período da pandemia, as Universidades passaram por um período dos mais adversos em todas as dimensões. A substituição das aulas presenciais pelo ensino remoto restringiu o trabalho dos(as) professores(as) à interação pelas plataformas virtuais, ao ensino propriamente dito que restringiu, por consequência, o tempo de interação política entre professores(as) e estudantes, encontros e outras atividades que estimulam o debate sobre estes e outros temas candentes.

Além disso, a pandemia potencializou problemas que já vínhamos observando pelas políticas implementadas pelo governo Bolsonaro, como o desemprego, que tirou muitos estudantes das Universidades porque tiveram de abandonar os estudos para trabalhar e contribuir na renda familiar. 

Na pandemia, muitos estudantes que dependiam dos Restaurantes Universitários para se alimentar tiveram de escolher entre estudar e trabalhar para se sustentar. Isso é muito grave, porque a tendência é de as Universidades voltarem a se elitizar. A pandemia agravou porque revelou as profundas desigualdades presentes na sociedade que se revelam nas escolas e na Universidade. 

Na JURA 2022 propormos atividades que envolvem o debate sobre estes temas e os projetos que se contrapõem à hegemonia do Agronegócio e a imposição deste modelo, que só produz riqueza para o próprio negócio e fome e miséria para o povo. Atividades que coloquem em pauta a Agroecologia para um Projeto de País que tenha como vetor a segurança e a soberania alimentar de seu povo, que assegure seu direito à alimentação e alimentação saudável.

Observando de maneira mais geral, como as JURAs estão inseridas hoje, diante de um governo que faz oposição à saúde, educação e alimentação do país? Quais as perspectivas e desafios levantadas nas JURAs?

O ambiente nas Universidades, hoje, é de permanente ameaça de perda do que conquistamos nas últimas duas décadas. O orçamento reduzido ano a ano desde o Golpe de 2016 afeta todas as áreas – alimentação dos(as) estudantes em situação de vulnerabilidade, bolsa permanência, bolsas de pesquisa para professores(as) e estudantes, hospitais universitários e o financiamento de pesquisas dependendo de investimentos privados.

Este é o projeto de Universidade do governo Bolsonaro: entregar a Universidade aos leões. O discurso ideológico é cortina de fumaça.

O grande objetivo mesmo é o empresariamento da educação em todos os níveis, também na Universidade, para produzir conhecimento para o capital, em detrimento de produzir soluções e ciência para os problemas da sociedade.

A JURA 2022 trouxe alguns desafios, tais como: articular o estudo/debate sobre a segurança/soberania alimentar e a ação efetiva junto às Campanhas de Solidariedade e à organização de feiras orgânicas e agroecológicas, com os movimentos sociais do campo. Discutir o tema da alimentação saudável junto aos Restaurantes Universitários, assim como junto aos cursos de gastronomia, nutrição e afins; articular o estudo/debate da questão agrária e da questão ambiental, a uma Campanha de Plantio de Árvores nas IES, estimulando a construção de viveiros. Além de outros temas tão desafiadores quanto, como são a Educação, a Cultura, a Arte, a Comunicação.

Logo das JURAs 2022

Estes foram alguns dos desafios das JURAs deste ano, também para qualificar o debate eleitoral, no ambiente acadêmico. Por isso, definimos como nosso lema: Reforma Agrária Popular e Projeto de País. Também para pôr em questão o papel das Universidades neste Projeto, como preconizava Darcy Ribeiro.

*Editado por Solange Engelmann