Despejo Zero

Aumento nos casos de Covid-19 gera mais riscos às populações em áreas ocupadas

Médico e militante do Setor de Saúde do MST, Joelson Silva, alerta para os perigos às pessoas em ocupações, caso a medida que proíbe despejos na pandemia não seja prorrogada pelo STF
Para Joelson, é injusto e inconstitucional, em meio à pandemia, pessoas que vivem em ocupações sofrerem despejo e não terem o direito à saúde garantido. Foto: Aline Oliveira/CE

Por Solange Engelmann
Da Página do MST

Na última segunda-feira (13), o Brasil registrou 70 mortes e 40.173 novos casos de Covid-19, segundo o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), confirmando assim, o aumento de casos que voltou a crescer desde o final do mês de maio.

Por outro lado, milhares de famílias brasileiras que vivem em áreas de ocupação rurais e urbanas também convivem com a incerteza de ficar sem moradia e o local para produzir os alimentos, se a ADPF nº 828, concedida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) até o dia 30 de junho, não for prorrogada até o final da pandemia.

Nesse contexto, o médico de Família e Comunidade, que atua em Posto de Saúde, no estado de Pernambuco e integra o setor de saúde do MST, Joelson Santos Silva, chama atenção para a necessidade de manter os cuidados sanitários para evitar o aumento de casos de Coronavírus nas áreas de acampamento e assentamento pelo país e alerta sobre os riscos de aumento do contágio, principalmente na saúde da população que vive nas áreas de ocupação, caso a ADPF não seja prorrogada pelo STF.

Joelson Santos Silva, médico e militante do setor de saúde do MST. Foto: Arquivo pessoal

Qual o perigo do novo aumento de casos de Covid-19 para as famílias do MST nos acampamentos e assentamentos e na retomada das atividades nesses locais?

Estamos atravessando um momento de aumento no número de novas infecções de covid e também de mortes, principalmente desde o dia 30 de maio até o dia 8 de junho temos visto só aumento no número de casos. Dia 8 [junho] tivemos 301 mortes em 24 horas e 51.265 novos casos. Isso mostra um aumento expressivo em relação a duas semanas anteriores. Há um aumento de 112% .

O que é importante de entender sobre isso? Alguns fatores que estão influenciando esse aumento, entre eles, o principal é a retirada das máscaras como uso obrigatório nos espaços fechados e nos ambientes abertos. Para muitos pesquisadores, e eu também compactuo dessa ideia, foi muito precoce, a gente ainda está em pandemia mundial, mesmo que em momentos melhores, mas ela pode nos atingir.

E há também a questão da vacinação, temos poucos avanços, principalmente na segunda e terceira dose, com pouco número de pessoas vacinadas. Com o tempo a vacina começa a deixar de fazer efeito, principalmente nas pessoas mais idosas e imunodeprimidos [com sistema imunológico enfraquecido]. Então, com a baixa cobertura vacinal nas doses de reforço (3ª e 4ª dose), nas crianças também de 5 a 11 anos, principalmente na 2ª dose tem sido muito baixa a cobertura vacinal. Tudo isso contribui.

Também temos um mês de muitas festas, um mês junino, com a festa popular mais ampla do Brasil que é a festa junina. Junto a isso, o não uso de máscara, baixa cobertura vacinal, baixo efeito das vacinas pelo tempo maior que 4 ou 3 meses, tudo isso contribui para a elevação do número de caso que estamos vivendo.

Caso não seja prorrogada pelo STF, ADPF nº 828, que termina em dia 30 de junho, e suspendeu despejos urbanos e rurais durante a pandemia. Qual impacto disso, juntamente com o aumento no número de casos de covid no país?

Temos milhares de famílias acampadas no Brasil. Se essa medida não for prorrogada, a partir do dia 1 de julho, essas famílias podem ser despejadas. Isso é um risco muito grande, principalmente nesse momento de aumento do número de casos, de infecção e de mortes por covid.

Sabemos que o despejo é um ato violento psicologicamente e/ou fisicamente, e essas violências baixam a imunidade dessas famílias. Então, isso pode aumentar o risco de contrair a infecção, bem como esse movimento das famílias saírem de um espaço para outro. Geralmente são muitas pessoas, isso aumenta o risco de contrair doença.

Essas famílias serão prejudicadas, assim como sair do seu espaço em que algumas já estão produzindo, já que há a perda dessa possibilidade de produzir e da alimentação. Tudo isso deixa essas famílias mais vulneráveis à infecção. Então, é uma medida que deve ser prorrogada. Nesse momento não tem condições dessas famílias sofrerem essas agressões e passar por violências, em meio a uma pandemia. Então, é realmente inconstitucional que isso venha a acontecer.

Então, como garantir o direito à saúde às famílias em áreas ocupadas, que sofrem com a grave ameaça de despejos a qualquer momento, se o STF não prorrogar a ADPF 828?

MST por Despejo Zero no DF – 17 de Março de 2022. Foto: Acervo MST

A Constituição Federal [de 1988] diz que o “direito á saúde é um direito nosso e um dever do estado”. O estado deve garantir saúde gratuita e visando o conceito ampliado de saúde. Para isso, é importante que as nossas áreas em todos os acampamentos a gente tenha os dados dessas famílias – quantas famílias, a idade das pessoas, quantas têm diabetes, quantas têm pressão alta, quantas têm doença pulmonar, quantas têm outras doenças, quais estão vacinas, quais não estão vacinas, não só pra covid, as crianças abaixo de 5 anos.

Também é importante ir na Secretaria de Saúde dos locais, pautar com esses dados o cuidado em saúde que é um direito garantido pela Constituição, independente se seja acampado ou assentado. Basta ser brasileiro/a que tem o direito garantido pela Constituição à saúde e, é um dever do estado cumprir através do SUS [Sistema Único de Saúde].

É importante também a gente lutar em defesa do SUS, participar nos movimentos, espaços de luta pela saúde como os conselhos locais, conselhos municipais de saúde, as conferências livres de saúde também que estão acontecendo, como preparação para conferência nacional de saúde. Todos esses espaços são importantes a gente estar participando, porque eles é aonde se discute, se constrói proposta a partir da população, a partir de quem realmente precisa as nossas prioridades, quais são os nossos principais problemas, as particularidades que se tem.

Assim como também o conjunto da sociedade entender o papel dessas famílias, por que essas famílias estão acampadas, qual a importância da luta pela terra, pela moradia e que nesse momento é injusto e inconstitucional, em meio à pandemia essas famílias estarem sofrendo despejo e com isso estar distantes dos espaços de saúde, que podem oferecer saúde. Então, é importante lutar, entender a Constituição e estar nesses espaços populares dos conselhos de saúde e defender o SUS com bandeira de luta para toda a sociedade brasileira.

Com o aumento no número de casos do Coronavírus, quais as recomendações e cuidados para as famílias Sem Terra nos assentamentos e acampamentos e nas demais áreas da Reforma Agrária?

Nesse momento é importante reforçar as medidas de cuidado pra toda a nossa base. Nos assentamentos e acampamentos é importante preservar as nossas pessoas idosas ou que tem alguma doença grave, evitar nesse momento ir pra cidade, estar em espaços com muita gente, espaços aglomerados.

A vacinação, quem ainda não tomou as duas ou a terceira dose tomar. Já está liberada a quarta dose para pessoas acima de 50 anos ou com comorbidades. É importante que nossa base se vacine, se vacinar é também uma tarefa do conjunto da militância do MST. O uso das máscaras correto, principalmente as máscaras N95, para as famílias que estão acampadas, em caso de possibilidade de despejo, alguma manifestação ou atividade política, o uso das máscaras N95 é o mais aconselhado agora, já que a maioria das infecções, de 70 a 80% que se tem é pela Ômicron, a variante B12, uma variante que as máscaras de pano e descartáveis também não conseguem fazer uma barreira suficiente para impedir a infecção.

Manter o distanciamento, principalmente quando estiver em atividades com muitas pessoas. Em atividades coletivas, ser em lugares abertos, arejados, mantendo o distanciamento de 1,5 metro, o uso correto das máscaras, evitar que pessoas que não vacinas estejam nesse lugar, se tiver alguma pessoa com sintoma gripal, de febre não participar desses eventos. Fazer a lavagem correta das mãos, o uso do álcool em gel, sabão, para as pessoas estarem higienizando as mãos.

E seguir no isolamento produtivo, nosso dever é produzir alimentos saudáveis pra população, estamos com mais de 33 milhões de brasileiros/as passando fome. E em todos os estados fortalecer o setor de saúde, essa não é uma tarefa só do setor, mas de todo movimento.

Como o MST está se mobilizando na luta pela prorrogação da ADPF, que proíbe os despejos durante a pandemia?

O MST, junto com as outras organizações e movimentos populares do campo estão se articulando em atividades de denúncia, da inconstitucionalidade, do risco para as pessoas, caso essa medida não seja prorrogada. Então, temos que pressionar junto às entidades governamentais, estadual a municipal pra levar às entidades federais, principalmente ao STF a importância de prorrogar, já que não temos uma melhora na pandemia no Brasil.

É importante fazer lutas, mostrar à sociedade para entender se somar, já que temos muitas famílias que estão acampadas e nesse momento estão mais vulneráveis a sofrer infecções do coronavírus, à morrer e por outras doenças também. E o princípio do SUS é equidade, pra quem é mais vulnerável, estar ofertando mais recursos, mais acesso de saúde pra essas pessoas.

*Editado por Fernanda Alcântara