Reforma Agrária Popular

MST em SP entrega documento com proposta de Reforma Agrária Popular para Haddad

O ato ocorreu durante a inauguração de cooperativa familiar de laticínios em Andradina, no interior de São Paulo
Foto: Diogo Zacarias

Por Coletivo de Comunicação do MST São Paulo
Da Página do MST

O Movimento dos Trabalhadores Sem Terra em São Paulo entregou um documento com Plano de Governo para Haddad e Alckmin, construído com os resultados do Seminário Estadual “Reforma Agrária e Soberania Alimentar“. Organizado pelo Setor de Produção do MST em São Paulo, o documento é fruto da reunião de dirigentes de todas as regionais e representantes de associações e cooperativas organizadas pelo MST, e contém as linhas políticas frente à conjuntura agrária no estado de São Paulo, bem como propostas concretas para a Reforma Agrária Popular, agroecologia, apoio à agricultura familiar, desenvolvimento dos assentamentos e combate à fome.

Durante os dois dias de encontro, que aconteceu em 22 e 23 de junho, o Seminário contou com espaços de discussão sobre a luta pela terra no estado de São Paulo e a conjuntura agrária, cooperativismo, debates sobre o Plano Nacional Plantar Árvores e Produzir Alimentos Saudáveis, as cadeias produtivas organizadas pelo MST e o financiamento popular pelo Finapop (Programa de Financiamento Popular da Agricultura Familiar para Produção de Alimentos Saudáveis).

A preocupação em construir um documento com propostas para o plano de governo estadual e federal surgiu a partir da necessidade de apoiar candidaturas que estejam verdadeiramente comprometidas com a classe trabalhadora. Ele representa a síntese dos debates que o MST vem tendo a partir da atuação e reflexão coletiva do Setor de Produção no estado frente à emergência de combater a fome que assola o país, a falta de políticas públicas e fomento para a agricultura familiar e a precariedade das condições de moradia, saúde, educação e infraestrutura dos nossos assentamentos. Com ele, o Movimento Sem Terra propõe dos candidatos a inclusão da Reforma Agrária Popular em seus planos de governo.

“A intenção de elaborar uma carta com os elementos necessários é buscar formas de melhorar os nossos assentamentos. Primeiro, precisa ter um novo crédito para reestruturar os assentamentos de Reforma Agrária para que os assentados e assentadas possam investir com consciência nas atividades do lote. Outra coisa que precisamos retomar é a questão da agroecologia, que o governo crie um plano nessa linha da produção agroecológica para que a gente tenha mais condições de produzir mais alimentos saudáveis. Tem que partir dos órgãos públicos e das agências de fomento algum financiamento para incentivar nesse sentido”, afirma Cledson Mendes, Direção Estadual do MST pelo Setor de Produção

Segundo ele, a ideia é ressaltar a necessidade da Reforma Agrária Popular e da produção com sabedoria. “Precisamos cobrar dos candidatos o fortalecimento das agroindústrias, pois no estado de São Paulo ainda é precário. Precisamos de pequenas e grandes agroindústrias nos nossos assentamentos. Por fim, avançar apoiando um governo que fortaleça um Programa de Aquisição de Alimentos estadual, comprando a produção das famílias que estão nos assentamentos. Portanto, o ato de entrega desse documento aos nossos candidatos é garantir que depois de eleitos eles possam assumir esses compromissos com as famílias assentadas e trabalhadores e trabalhadoras Sem Terra”.

O documento apresenta os elementos centrais para atualizar a conjuntura agrária no estado, que norteiam a apresentação das propostas que se voltam para a arrecadação de terras devolutas para a Reforma Agrária para assentar as famílias Sem Terra e o fortalecimento e reestruturação dos nossos assentamentos e territórios.

Ana Terra Reis, assentada em Riversul e do Setor de Produção do MST, ressalta a importância deste trabalho coletivo. “A construção de uma pauta, que reflita os anseios dos agricultores assentados é um processo de formação. Poder entregar diretamente esta pauta é uma forma de construir compromissos conjuntos, que os candidatos entendam nossas demandas e possam incorporar em políticas públicas na retomada da garantia de direitos básicos e de promoção do desenvolvimento, que garantam condições dignas de produção e reprodução da vida”, conclui.

Confira o documento na íntegra:

PROPOSTAS DO MST PARA A REFORMA AGRÁRIA E PRODUÇÃO DE ALIMENTOS NO ESTADO DE SÃO PAULO

A reforma agrária no estado de São Paulo: contexto geral

O Estado conta atualmente com 16 mil famílias assentadas, destas, 7 mil estão em assentamentos estaduais. No entanto, ainda encontram-se em acampamentos 3 mil famílias de trabalhadoras e trabalhadores sem-terra.

A produção dos assentamentos no Estado de SP engloba grande diversidade de produção, com especializações regionais, como a bacia leiteira nas regiões de Andradina e Pontal do Paranapanema com uma produção de aproximadamente 500 mil litros de leite por dia. A cooperativa Coapar, em inauguração neste dia, conta com 1000 associados, trabalhando atualmente com 50 mil litros de leite por dia, mas têm potencial de processar 100 mil litros/dia.

As demais regiões do Estado contam com a produção de mandioca nas regiões de Bauru, Iaras e Pontal do Paranapanema; produção de grãos nas regiões de Promissão e Itapeva; e hortifrutigranjeiro nas regiões de Ribeirão Preto, Campinas, Vale do Paraíba e Grande São Paulo.

A região do Pontal do Paranapanema reúne atualmente o maior estoque de terras devolutas possíveis de destinação para a realização de assentamentos de reforma agrária, conforme aponta o quadro abaixo:

AÇÕES NECESSÁRIAS PARA O FORTALECIMENTO DA REFORMA AGRÁRIA NO ESTADO DE SP

I. ARRECADAÇÃO DE NOVAS ÁREAS – OBTENÇÃO

Destinar as terras públicas devolutas para assentamentos rurais e produção de alimentos tal como previsto na Constituição Estadual e na legislação agrária do estado de São Paulo. Estima-se a existência de 1 milhão de hectares de terras devolutas no estado, sendo 500 mil hectares somente na região do Pontal do Paranapanema. Nos posicionamos contrariamente ao repasse das terras devolutas para produção de commodities. Defendemos que elas devem ser destinadas para produção de alimentos saudáveis.

Fortalecimento da Fundação ITESP, com ampliação do orçamento e direcionamento exclusivo para a questão agrária no Estado.

Firmar parcerias com governo federal para ampliar a arrecadação de terras públicas da União para a realização de novos assentamentos, incluindo as áreas públicas remanescentes da Fepasa, Ceagesp, Núcleo Colonial Monção (região de Agudos / Iaras) bem como avaliação e destinação dos hortos florestais.

Atuar para que a Procuradoria Geral do Estado desenvolva um programa de celeridade nas execução das dívidas com o Estado, especialmente o ICMS, dos grandes proprietários rurais, destinando estas áreas para a criação de assentamentos rurais, através da adjudicação.

II. FORTALECIMENTO DOS ASSENTAMENTOS EXISTENTES

As linhas de ação abaixo são preferencialmente voltadas para os assentamentos existentes, mas parte delas também devem abarcar a realidade dos acampamentos, pois boa parte deles são acampamentos socialmente consolidados, carecendo de regularização quanto à garantia da terra.

AGROECOLOGIA E MEIO AMBIENTE

1. Desenvolvimento de programa para o apoio à agroecologia e desenvolvimento dos sistemas agroflorestais, para o fortalecimento da produção de alimentos saudáveis e sustentáveis do ponto de vista ambiental. Lançamento do Plano de Transição Agroecológica Paulista.

2. Fortalecer e desenvolver políticas públicas voltadas para a geração de renda e produção de alimentos saudáveis, como forma de desenvolvimento sustentável dos assentamentos

3. Criação de programa de “bolsa camponês guardião”, com o objetivo de recuperação e manutenção de nascentes, apoio para projetos de reflorestamento e produção e distribuição de mudas.

4. Recuperação e criação de novos viveiros (CATI).

5. Banco de sementes de hortaliças, cereais e adubos verdes para serem distribuídos gratuitamente para os assentamentos.

6. Propor programa que contribua para a desburocratização e redução dos custos para a certificação orgânica da produção dos assentamentos, selo de agricultura    familiar,    produção    artesanal,    produção agroecológica, entre outros.

7. Propor lei e política de fiscalização e combate de pulverização área, que tem afetado as famílias assentadas, dificultado a sua produção e afetando nossos territórios.

8. Ter uma política voltada para o campo paulista que leve em consideração os povos das águas, do campo e das florestas e a enorme contribuição das práticas ambientais e ecológicas desenvolvidas nesses territórios.

ENFRENTAMENTO À FOME

9. Programa de aquisição de alimentos para a agricultura familiar e os pequenos agricultores, abastecendo as demandas públicas por alimentação.

10. Com prioridade para o atendimento das periferias urbanas, implementando SACOLÕES POPULARES.

11. Combater a fome e a insegurança alimentar através de programas que incentivem a parceria solidária campo e cidade, por meio da criação de um Programa de Aquisição de Alimentos – PAA em nível estadual e outros. Multiplicar Bancos Populares de Alimentos nos Bairros e iniciativas de restaurantes populares. Garantir a execução do PNAE – Programa Nacional de Alimentação Escolar no estado de São Paulo, como direito fundamental dos estudantes à comida de verdade, saudável e diversa, fortalecendo a agricultura familiar e camponesa.

12. Desenvolver um Programa de Hortas Urbanas, Pomares e Agroflorestas Agroecológicas em parceria com agricultores e agricultoras do campo. Criar uma rede de ATER Popular e Agroecológica. Garantir ATER voltada para as mulheres urbanas, em parceria com mulheres rurais.

CRÉDITO E FOMENTO

13. Fortalecer e desburocratizar o FEAP, garantindo linhas de crédito para tecnologias apropriadas para as pequenas propriedades, como tratores e implementos direcionados para a agroecologia, recuperação e correção de solos, recuperação de pastagens e rebanhos.

14. Emergencialmente é necessário garantir linhas de fomento, crédito e custeio.

15. Renegociação das dívidas dos assentados e assentadas e ampliação dos créditos para investimento e custeio.

COOPERAÇÃO E AGROINDÚSTRIA

16. Criação de departamento para o apoio e fomento ao cooperativismo e o associativismo.

17. Assegurar estruturas de beneficiamento, agroindústria e comercialização para os assentados e agricultura familiar.

INFRAESTRUTURA

18. Avaliação e recuperação da infraestrutura dos assentamentos, bem como projeção para novos investimentos na infraestrutura social das áreas de assentamentos, como construção e recuperação de estradas rurais, por exemplo.

19. A energia elétrica ainda é uma grande dificuldade que as famílias assentadas enfrentam em seu cotidiano para produzir, nesse sentido, torna-se necessário que a energia elétrica nos assentamentos seja no formato trifásica, para dar conta de atender o funcionamento de equipamentos de maiores potência como bombas e motores, e que as famílias dos assentamentos paguem pelo uso de energia rural, e não como urbana, o que tem encarecido os custos e dificultado a produção pelo alto valor da taxa mensal.

20. Em relação à água é necessário perfurar os poços artesianos e semi artesianos que deem conta da demanda de irrigação para a produção de alimentos nos assentamentos, visto que água é limitante e essencial para a produção. É necessário finalizar e colocar em funcionamento os poços que ainda não estão em operação, canalizando a água, e inserindo bombas para captação de água subterrânea, e reservatórios de armazenamento e distribuição de água para as famílias.

21. É necessário instalar internet nos assentamentos rurais, para que as mesmas tenham inclusão digital e possam divulgar seus produtos na área da comercialização.

DESENVOLVIMENTO TECNOLÓGICO

22. Em relação aos investimentos na infraestrutura produtiva, apresenta-se a necessidade de: ampliar as patrulhas agrícolas com implementos; Políticas de créditos para adquirir e produzir insumos para agricultura orgânica nos assentamentos;

23. Projeto estadual de extensão universitária nas áreas de assentamento, potencializando centros tecnológicos dentro das áreas a fim de servir como unidades de referências.

COMERCIALIZAÇÃO

24. Criação de programa para apoio a atividades socioculturais, como as feiras da Reforma Agrária e da Agricultura Familiar.

25. Aumentar o valor da DAP pros programas institucionais de compras.

EDUCAÇÃO E CULTURA NO CAMPO

26. Ampliar e fortalecer as Escolas do Campo com Pedagogia da Terra voltada a essa realidade. Assegurar Bibliotecas Populares, Centros Digitais, Áreas de Esporte, Lazer e Cultura.

27. Fortalecer as linguagens artísticas, a cultura popular e engajada com profundo respeito à diversidade.

JUVENTUDE

28. Garantir uma política estruturada para a juventude do campo, que possibilite a sua permanência de forma digna. Entendemos que os pontos centrais para essa política são pontos de cultura, acesso à terra, ênfase em gerar trabalho, renda, com vista em promover agroecologia, agroindustrialização, cooperação e educação do campo.

SAÚDE

29. Ampliar a Estratégia de Saúde da Família, postos de Atendimento Social e em Saúde, atendimento de saúde mental e de ações de cuidados. Estimular cultivo e manipulação de ervas medicinais, programas de alimentação saudável e adequada, práticas de esportes etc.

DIREITOS HUMANOS E ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA

30. Enfrentamento à Violência contra as Mulheres do Campo. Fortalecer iniciativas como a Rede de Combate à Violência Doméstica organizada pelo MST e outras formas. Garantir casas de passagem para vítimas da violência em áreas de assentamentos.

31. Garantir política voltada aos sujeitos LGBTQIA+ do campo, diversificando ações desde a autonomia econômica como de combate à violência.

32. Buscar políticas de enfrentamento à violência contra os camponeses, sem terras e povos do campo, praticada por milícias, jagunços e também pelos agentes do Estado especialmente em ações de reintegração de posse.

33. Promover ações que zelem pelos direitos humanos fundamentais aos povos do campo, combatendo o racismo, o machismo, a lgbtfobia e toda forma de discriminação.

Andradina, 24 de junho de 2022 – Inauguração do Laticínio da COAPAR

Direção Estadual do MST em São Paulo

*Editado por Fernanda Alcântara