Agroecologia é o caminho

Seminário aponta desafios e perspectivas da produção de alimentos saudáveis em São Paulo

Com o lema “Reforma Agrária e Soberania Alimentar”, o espaço foi organizado pelo Setor de Produção do MST
O seminário aconteceu nos dias 22 e 23, em Andradina. Foto: Diógenes Rabello

Por Coletivo de Comunicação do MST em São Paulo
Da Página do MST

Com a participação de dirigentes de associações e cooperativas, bem como representantes do Setor de Produção do MST nas dez regionais no estado de São Paulo, o Seminário aconteceu nos dias 22 e 23 de junho, em Andradina, e teve como objetivo debater os temas atuais da conjuntura agrária e ambiental e os desafios frente a reestruturação dos assentamentos rurais.

A atividade, que contou com presença de 100 pessoas, além de ser um espaço de formação para esse público, promoveu animação e abriu os trabalhos que antecedem o grande Ato pela Reforma Agrária e Democracia que acontecerá nesta sexta-feira (24/6) junto com a inauguração do laticínio da COAPAR.

Iniciando os trabalhos do Seminário, Lourival Plácido, dirigente regional e da COAPAR, trouxe o histórico da luta pela terra no estado de São Paulo e a formação dos assentamentos de Reforma Agrária na região de Andradina. Em sua fala, recuperou a trajetória de organização das famílias assentadas para a construção de um instrumento coletivo de luta para a produção de alimentos, geração de renda e trabalho no campo.

Ele ressaltou a articulação inicial, que foi protagonizada pela juventude do período, de onde surgiu a iniciativa para a formação do primeiro coletivo que pautaria a formação da Cooperativa. Fez menção também sobre o papel da organização de base que a Cooperativa tem para mobilizar as famílias assentadas em torno da luta pela terra, além de criar condições de gerar renda através da produção de leite e derivados, com autonomia, se desvinculando dos atravessadores de mercado.

A programação dos dois dias contou ainda, com debates sobre a atualização da conjuntura agrária e ambiental no Brasil e no estado de São Paulo; sobre a reestruturação dos assentamentos rurais, sob a perspectiva da geração de renda e produção de alimentos saudáveis; e as linhas políticas do Setor de Produção do MST.

De acordo com Ariele Contrigiani, assentada no assentamento Milton Santos, município de Americana, o processo de mobilização e idealização do Seminário partiu de uma demanda concreta do MST em São Paulo de debater as linhas políticas do Setor de Produção e provocar os militantes das diversas regionais do estado para discutir nos seus territórios as estratégias para geração de renda e produção de alimentos saudáveis:

Nós estamos fazendo esse seminário estadual com o objetivo de reunir os dirigentes, os assentados e assentadas, representantes das associações e cooperativas que estão atuando diretamente nos nossos territórios para debater os assuntos ligados à produção aqui em São Paulo, sobretudo aqueles vinculados à geração de renda, produção de alimentos e Soberania Alimentar. O processo de mobilização para acontecer essa atividade iniciou a partir do diálogo com os dirigentes regionais que atuam no setor de produção e foi fortalecido com a ideia de realizar o encontro dois dias antes do ato de inauguração do laticínio da Coapar.”

Segundo Delwek Matheus, dirigente no Setor de Produção do estado do São Paulo, o Seminário acontece em um momento aquecido da luta de classes no estado. Ele conta que os ruralistas pautaram em regime de urgência o Projeto de Lei 277/2022, de autoria dos deputados Vinícius Camarinha (PSDB), Carla Morando (PSDB), Mauro Bragatto (PSDB) e Itamar Borges (MDB), que busca a regularização das terras devolutas em favor dos latifundiários grileiros.

“Nós estamos vivendo uma situação de enfrentamento concretamente aqui no estado de São Paulo que é a retomada do debate da regularização da grilagem de terras. Está sendo discutido nessa semana na Assembleia Legislativa o Projeto 277 que retoma esse debate lá, enquanto Projeto de Lei, que é exatamente para regularizar as grandes áreas públicas e devolutas”, explicou Delwek.

E continua: “o governo Dória não conseguiu passar esse tema dentro do PL 410/2021, graças à mobilização muito forte da sociedade, mas vem agora, neste momento, como um Projeto de Lei específico para tentar dar um golpe nas famílias Sem Terra. Isso concretamente significa a regularização da grilagem de terras no estado de São Paulo em favor dos grandes latifundiários e das grandes empresas do setor do agro. Isso certamente implica em prejuízos para o futuro da Reforma Agrária, pois essas terras historicamente foram destinadas para assentamentos da Reforma Agrária no estado de São Paulo, portanto, com essa regularização elas perderiam essa destinação”.

Ele também ressaltou que o período de disputas eleitorais chama a atenção para a elaboração de propostas concretas que possam compor os planos de governo federal e estaduais, fazendo pressão social para que a Reforma Agrária esteja pautada em “um momento interessante, para que possamos colocar isso como pauta nos programas de governo”, afirmou.

Nós temos que fazer esse enfrentamento agora, mas continuar tendo em vista que essas terras públicas e devolutas do estado de São Paulo, colocadas dentro de um plano de governo, do governo do estado, para que a gente possa arrecadar essas áreas e fazer novos assentamentos, avançando no nosso compromisso com a Reforma Agrária Popular, que é de trabalho e geração de renda, melhoria das condições de vida no campo e, principalmente, produção de alimentos para atender a grande demanda que estamos vivendo no país hoje. Ou seja, atender a necessidade das mais de 30 milhões de pessoas que estão passando fome. Então esse é o nosso compromisso, essa é a função social da terra”.

Plantar árvores, produzir alimentos saudáveis

Outro tema que esteve presente no Seminário foi a discussão sobre o Plano Nacional Plantar Árvores e Produzir Alimentos Saudáveis. O processo de reprodução ampliada do capital resulta, entre outras questões, na agressão ao meio ambiente e uso irracional dos bens comuns. Fazendo frente a esse processo, o MST tem promovido o fortalecimento da consciência das famílias assentadas provocando-as para adoção de técnicas de trabalho com base nos princípios da agroecologia.

As discussões que envolvem as questões agrárias vinculadas diretamente às questões ambientais não são novas dentro do Movimento Sem Terra, mas tem acumulado historicamente para provocar o diálogo com a sociedade sobre o papel central da Reforma Agrária Popular no combate a crise ambiental e a degradação do meio ambiente. Esses acúmulos convergiram para que em 2020 o MST lançasse o Plano que tem como meta realizar o plantio de 100 milhões de mudas de árvores em todos os biomas brasileiros.

Joice Lopes, assentada em Promissão, no assentamento Dandara, dirigente estadual do Setor de Produção, ressalta que:

O Plano está construindo uma ação concreta, que é o plantio de árvores. Mas ele não se limita a isso, para além da ação de plantar, ele foi pensado para que o MST faça o debate sobre a agroecologia, os bens naturais, os bens comuns e a produção de alimentos saudáveis. E tudo isso pensado com a intencionalidade de promover o confronto ao avanço do capitalismo no campo, mostrando para a sociedade em geral como esse capitalismo destrói o meio ambiente. Então estamos concebendo ele como uma ação política fundamental neste momento da conjuntura”.

Para ilustrar os processos de avanço na organização produtiva e trabalho de base coletiva nos assentamentos de Reforma Agrária, foi apresentada a experiência da cooperativa Da Terra, iniciativa do MST na região Sudoeste que tem como objetivo construir estratégias de produção e de comercialização na cadeia produtiva de grãos na região.

Embalagem da marca Raízes da Terra. Foto: Julia Gimenez

Diante do avanço da produção da soja como commoditie agrícola, as famílias têm avançado na produção de feijão e milho para a alimentação da população com base na agroecologia, na cooperação e no comércio justo. Esse processo foi permitido pela parceria com o FINAPOP para financiamento popular dos projetos. Além da cadeia produtiva dos grãos, a “Da Terra” também apostou na construção de uma biofábrica para produção de bio-insumos que sirva à transição agroecológica.

Perspectivas da luta pela terra nas eleições

Como um dos produtos do Seminário, foi construída uma carta com a intenção de exigir dos candidatos que incluam a pauta da Luta Pela Terra e Reforma Agrária Popular em seus programas de governo, em níveis federal e estadual.

As propostas apresentadas pelo MST incluem duas linhas centrais de ação. A primeira é uma nova política de Reforma Agrária, no formato de plano emergencial, que arrecade os mais de 1 milhão de terras devolutas no estado de São Paulo para assentar as famílias Sem Terra. Somente na região do Pontal do Paranapanema, região do extremo oeste do estado, existem cerca de 150 mil hectares de terras já transitadas e julgadas como devolutas, mas que ainda não foram arrecadas para a Reforma Agrária e continuam beneficiando os latifundiários grileiros de terra.

O segundo elemento presente na carta se volta para a reestruturação dos assentamentos rurais já formados. O objetivo é criar ferramentas institucionais através de políticas públicas que possibilitem a médio e longo prazo a melhoria das condições concretas de reprodução da vida para as famílias assentadas, em suas dimensões econômicas, sociais e culturais.

Essa linha política procura atuar sob os aspectos estruturais para o cotidiano das famílias, como: comercialização, cooperação, assistências técnica, saúde, educação, lazer, cultura, moradia, acesso à água e saneamento, melhoria das estradas rurais, entre outros.

Próximos passos

Conforme apontou Ariele, foram elencadas tarefas concretas a partir desse Seminário, com o compromisso assumido pelas pessoas presentes de avançar na organização produtiva dos assentamentos rurais de São Paulo.

“O mais importante é a gente saber se essa é uma atividade que não se esgota aqui em Andradina, pelo contrário, ela deverá se estender com outras atividades nos territórios. Cada militante e representante das associações, cooperativas e instâncias regionais estão saindo daqui com a tarefa de levar esses debates para o seu território e dar sequência ao tema, a partir da realidade de cada território envolvendo outras pessoas de lá e avançando nesse grande desafio que é a produção de alimentos.”

Finalizando o Seminário, foi montada uma mesa com representantes das frentes de produção e comercialização do Setor Nacional de Produção. Foram destacadas as cadeias produtivas do MST em escala nacional, como do leite, arroz, feijão, milho, mel, castanhas e café.

Também foram apresentadas as linhas políticas de financiamento pelo Finapop, uma estratégia de fomento de base popular às estratégias produtivas protagonizadas pelas cooperativas de agricultores e agricultoras familiares. Um dos encaminhamentos foi a organização de um mapeamento das iniciativas de produção de alimentos já em execução para afinar a articulação e apontar as potencialidades no estado.

*Editado por Wesley Lima