28º Grito dos/as Excluídos/as

“A fome precisa estar no centro da política”, afirma dirigente nacional do MST

Kelli Mafort, da direção nacional do MST, explica que neste 28º Grito dos/as Excluídos/as, que acontece no próximo 7 de setembro, é preciso colocar o problema da fome no centro da política brasileira
28º Grito dos/as Excluídos/as deste ano apresenta como chamado “Vida em primeiro lugar: Brasil 200 anos de independência para quem? Foto: Sara Sulamita @sasulamita

Por Solange Engelmann
Da Página do MST

No próximo dia 7 de setembro, nesta quarta-feira, o Brasil completa o bicentenário da (in)dependência política de Portugal. Mas, o que os povos tem a comemorar nessa data, com um país mergulhado em crises, com o aumento da fome, das diversas violências contra a vida, o aprofundamento da dependência ao capital internacional, ameaça à democracia, etc.?

Nesta data movimentos populares e pastorais realizam o 28º Grito dos/as Excluídos/as, que neste ano apresenta como chamado “Vida em primeiro lugar: Brasil 200 anos de independência para quem? “questionando como neste bicentenário da independência é preciso retomar com muita força as bases da discussão de um projeto Popular para o Brasil (…). Esta independência, nunca será verdadeira, se ainda houver no nosso país a desigualdade social, a fome, a concentração de renda e de riqueza, concentração de terras”, denuncia a dirigente nacional do MST, Kelli Mafort.

Segundo Kelli, nesse Grito dos/as Excluídos/as o problema da fome, precisa estar no centro da política brasileira. “Precisamos pautar como muita força no Grito dos/as Excluídos/as, que os temas da fome e do que gera a fome no nosso país, estejam nos principais debates políticos que temos nas eleições no próximo 2 de outubro”.

A dirigente também comenta sobre as atividades previstas para o 28º Grito dos/as Excluídos/as este ano, as principais pautas e demandas em torno do bicentenário da (in)dependência e do atual momento político do país.

Confira abaixo a entrevista completa:

No 7 de setembro deste ano, o Brasil completa 200 anos de (in)dependência como foi esse processo?

O processo de 7 de setembro de 1822 pode ser caracterizado como uma mudança conservadora. Mudou a relação Brasil-Portugal, mas ao mesmo tempo conservou o regime monarquista e também essa base estruturante do Brasil, que é a questão do trabalho escravo, o latifúndio – essa é a nossa história. E é dessa história que sai a enorme desigualdade social atravessada pelo racismo estrutural que temos hoje.

A gente teve outras revoltas que se seguiram ao 7 de setembro, porque houve resistência pra expulsão do exército português de norte a sul do país, mas não foi como as guerras pela independência bolivariana, que resultaram em mudança no regime e na abolição do processo da escravidão. No Brasil, a abolição formal da escravidão só veio em 1888, a República em 1889, Lei de Terras em 1850, como uma questão bastante importante, pra criar a ideia de propriedade privada e a destinação dessas terras pras elites. As mesmas elites que mudaram para conservar em 1822.

Kelli Mafort, da direção nacional do MST. Foto: Arquivo pessoal

O povo brasileiro tem o que comemorar desses 200 anos de (in)dependência?

Certamente não, porque nós ainda convivemos com uma situação de trabalho escravo, agora em outros moldes, convivemos com o latifúndio e convivemos com uma força muito grande por parte das elites, que estão sempre fazendo com que o povo brasileiro tenha que refluir nos seus direitos, na sua possibilidade soberana.

Quais as principais pautas do 28º Grito dos/as Excluídos/as 2022?

A edição do 28º Grito dos/as Excluídos/as traz o chamado “Vida em primeiro lugar: Brasil 200 anos de independência para quem? O Grito dos excluídos questiona o quanto que neste bicentenário da independência nos precisamos retomar com muita força as bases da discussão de um projeto Popular para o Brasil. É por isso que o grito diz e provoca os movimentos e as pastorais a dizer: qual é o seu grito?

Esta independência, nunca será verdadeira, se ainda houver no nosso país a desigualdade social, a fome, a concentração de renda e de riqueza, concentração de terras.

É por isso que, esses 28 anos do Grito dos/as Excluídos/as chama atenção para que a gente possa, fazer de fato, uma independência no nosso país, que significa ser um país soberano, um país no qual os interesses populares e nacionais estejam acima dos interesses imperialistas e do capital.

Como o tema da fome será denunciado pelo MST e pelos movimentos populares do país durante o 28º Grito dos/as Excluídos/as?

A fome precisa estar no centro da política e é por isso, que precisamos pautar como muita força no Grito dos/as Excluídos/as, que o tema da fome e o que gera a fome no nosso país, estejam nos principais debates políticos que temos nas eleições no próximo 2 de outubro.

É preciso que esta seja uma prioridade radical, que a gente se incomode, doa profundamente na nossa consciência o fato de ter 33,1 milhões de pessoas passando fome e mais da metade do povo brasileiro enfrenta insegurança alimentar. Isso deve fazer com que todos envolvidos na política, estejam completamente engajados para enfrentar esse problema.

Ações de solidariedade em preparação ao 28º Grito dos/as Excluídos/as e parte da Campanha Eu Voto Contra a Fome e Sede realizada neste sábado (3) pelo país. Foto: @vnscst_

Sabemos o quão importante é denunciar que a fome é um produto direto do agronegócio, da especulação da comida, da apropriação de terras, da violência contra os povos indígenas, quilombolas, Sem Terras, comunidades tradicionais. É preciso denunciar a falta de apoio à agricultura familiar e camponesa no nosso país. A maneira como os atingidos por barragem, atingidos por mineração são tratados, como os pescadores e pescadoras são engolidos pela pesca industrial; como se produz comida capitalista, cada vez mais, avançando sobre terras, territórios e também sobre área plantada. É preciso com muita força, que a gente paute o tema da fome, porque esse deve ser o tema no centro da política brasileira.

Arte: Grito dos Excluídos

Que ações e mobilizações estão previstas pelo país neste 28º Grito dos/as Excluídos/as 2022?

Acontecerá em todas as regiões brasileiras, serão ações de solidariedade, celebrações eucarísticas, celebrações ecumênicas, inter-religiosas, ações concretas de enfrentamento à fome, caminhadas, muitas atividades. Tem Grito previsto nas região Sul, Sudeste, com um destaque importante para o Rio de Janeiro, porque há uma concentração que vai fazer uma caminhada em direção ao cais do Valongo, em alusão ao racismo estrutural fortalecido com a independência, que adiou em 66 anos a abolição da escravidão. Além disso, vamos ter também o Grito na região Norte, Nordeste e na Centro-Oeste.

Serão atos bastante fortes, estamos tendo também nacionalmente um processo de preparação ao Grito dos/as Excluídos/as, com várias ações de solidariedade, do dia 3 de setembro pra frente. Também vamos ter no dia 7 de setembro o Grito em Aparecida do Norte, com uma transmissão em rede nacional na celebração eucarística; além disso, tem destaque para o Grito que acontece as 9h na praça da Sé [em São Paulo], e antes com um café da manhã para 5 mil pessoas, que estão morando e vivendo em situação de rua lá na praça da Sé. Então, esse café vai ser as 7h30 da manhã no dia 7 de setembro.

Nesses 200 anos de (in)dependência política de Portugal, como o Brasil tem tratado a questão da soberania nacional?

A soberania nacional no país, está completamente apartada da soberania popular, que é algo extremamente importante. Não existe soberania nacional se não estiver subordinada aos interesses do seu povo. No nosso país, vivemos um processo de aprofundamento da dependência e infelizmente, ser hoje um país exportador de commodities agrícolas e minerais, aprofunda a nossa dependência não somente em relação a um país ou ao imperialismo estadunidense, mas principalmente uma dependência em relação ao capital.

Nesse momento eleitoral, como a população pode atuar para mudar esse cenário de governo fascista, que ataca a democracia e tem gerado uma política de fome e miséria no país?

Grito dos/as Excluídos/as é um bom momento para defesa da nossa democracia. Essa é uma democracia bastante frágil, porque um país, verdadeiramente democrático não pode admitir os seus povos passando fome, não pode admitir violência contra a mulher, racismo, LGBTfobia, que jovens sejam assassinados nas periferias dos nosso país, não pode admitir uma política de morte.

O que temos de luta democrática no nosso país foi fruto de muito esforço da sociedade, nós derrotamos uma ditadura empresarial-militar e infelizmente agora estamos sendo ameaçados novamente por golpes, e por retrocessos nos nossos direitos, mas também ameaças à nossa democracia, por não respeitar o processo eleitoral e a vontade soberana do povo nas urnas. É preciso que a gente diga e reafirme com muita força, não precisamos da tutela de ninguém, do aval dos Estados Unidos, nem da tutela militar, não existe quarto poder no país.

Qual a proposta do MST para o país conquistar a soberania nacional, combater a fome e diminuir as desigualdades?

O MST lançou uma carta dirigida ao povo brasileiro em face ao 7 de setembro de 2022. Na carta fazemos um diagnóstico sobre o nosso país, a questão do que representou esses 200 anos de independência, o processo atrelado às elites, os interesses da burguesia, de como os nossos bens naturais vem sendo atacados e mercantilizados, sob interesse dessas elites, e, ao mesmo tempo, também apontamos saídas, em relação ao que nós acreditamos que seja importante pro nosso país.

Nós defendemos um projeto de país onde os bens da natureza são considerados bens sociais, destinados a atender os interesses da população e não do mercado, um projeto de desenvolvimento econômico que promova a distribuição de riqueza e renda, que fortaleça as cadeias produtivas nacionais, a ciência e tecnologia, um projeto que radicalize a democracia, democratizando o Estado e assegurando a participação popular na definição dos rumos de país, um projeto popular que garanta as igualdades, as diversidades e os direitos, combatendo todas as formas de preconceitos e violência. Um projeto popular de integração com os povos latino-americanos e do continente africano.

*Editado por Fernanda Alcântaraa