Agro é Fogo!

Dossiê aponta queimadas como estratégia de avanço do agronegócio

Dossiê Agro é Fogo destaca que queimadas cresceram na região de expansão da fronteira agrícola do agronegócio, atingindo, principalmente, comunidades tradicionais
Incêndio criminoso na TI Uru-Eu-Wau-Wau, em 2020. Foto: Instituto Kanindé, 2020

Por Janelson Ferreira
Da Página do MST

Na manhã desta quinta-feira (13), ocorreu em Brasília, DF, o lançamento da terceira fase do Dossiê Agro é Fogo. O documento, composto pelo relato de sete casos, além de cinco artigos, demonstra que o fogo vem sendo utilizado como estratégia para expulsão de comunidades tradicionais de seus territórios. Os incêndios, de acordo com a publicação, tornaram-se ferramenta na expansão do agronegócio pelo país.

Em 2021, foram registrados 142 conflitos envolvendo o fogo criminoso em 132 comunidades, atingindo 37.596 famílias em todo país. Os estados com maior número de conflitos por fogo foram Mato Grosso do Sul (26 ocorrências), Mato Grosso (22), Bahia (14) e Rondônia (10), que, juntos, concentram 50,7% dos casos. O Mato Grosso chegou a registrar mais de 7,4 mil km² de incêndios, área equivalente à cidade de São Paulo.

As principais vítimas deste tipo de conflito são os povos indígenas. No MT, das dez áreas protegidas mais desmatadas entre agosto de 2020 e julho de 2021, seis pertencem ao povo Xavante. Além destes, ribeirinhos, comunidades quilombolas, camponeses e famílias Sem Terra também são afetados.

Hiparadi Xavante, liderança Xavante do Mato Grosso, denuncia que, por conta das queimadas, diversas aldeias estão ficando sem água potável e alimentos livres de contaminação. “A queimada nos traz diversos problemas, pois nos deixa sem a floresta, a qual nos dá água, alimento e é de onde retiramos nossos remédios também”, destaca.

“O fogo é uma arma sistemática usada pelo agronegócio para expropriar e expulsar as comunidades e populações tradicionais de seus territórios, grilando e invadindo essas áreas”, afirmou Barbara Dias, da Agro é Fogo. Como explica Dias, estes conflitos estão localizados, principalmente, na região de expansão da fronteira agrícola do agronegócio.

Mapa mostra o papel das terras indígenas e unidades de conservação no combate às queimadas. Imagem: Agro é Foto

Alessandra Cardoso, assessora política do Instituto de Estudos Socioeconômico (INESC), explica que o fogo passou a ser uma estratégia na expansão do agronegócio. “Nas três últimas safras, o agronegócio incorporou quase 8 milhões de novos hectares. Há um processo de avanço sobre os territórios, no qual o fogo é uma das estratégias”, destaca Cardoso.

“Onde tem agro, tem fogo”, denuncia Davi Krahô, liderança Krahô Takaywrá do Tocantins, ao apontar a relação entre o agronegócio e as queimadas criminosas. Segundo a liderança, apesar do atual governo federal tentar colocar a culpa pelas queimadas nos povos indígenas, os verdadeiros responsáveis são os grandes produtores do agronegócio. “O fogo que atinge as comunidades tradicionais da Ilha do Bananal, por exemplo, é causado pelos criadores de gado daquela região, que queimam o pasto para renová-lo”, explica.

A maior parte dos conflitos envolvendo fogo no Brasil (54%) está localizado no Cerrado. Nas áreas da Amazônia Legal, que envolve nove estados do Brasil localizados na bacia Amazônica, 44% das comunidades sofreram com conflitos por incêndios.

“Nossos rios estão sendo contaminados pela economia sangrenta”, aponta Adriano Karipuna, liderança Karipuna de Rondônia, ao denunciar os malefícios do agronegócio. Para o indígena, a destruição da Floresta Amazônica não gera impactos só na área ambiental. “A destruição da Floresta Amazônica não provoca somente o fim dos rios, das matas, mas também dos seus povos e suas culturas”, explica.

PDS Terra Nossa – Pará. Foto: Arquivos CPT – PARÁ

Orçamento na mão de ruralistas contribui para crescimento de queimadas

Em 2021, o total de gastos com emendas destinadas ao orçamento secreto (R$ 10,79 bilhões) alcançou mais de quatro vezes os valores destinados ao Meio Ambiente. “O descontrole das queimadas e do desmatamento é expressão do desmonte da política de fiscalização ambiental do atual governo, sendo esse desmonte do orçamento uma peça importante, mas não única”, apontou Alessandra Cardoso, em artigo publicado no Dossiê lançado nesta quinta-feira.

Com o orçamento secreto, não é possível mais determinar qual deputado ou senador está sendo beneficiado por uma emenda parlamentar. Não se sabe, portanto, a quem está sendo destinando o dinheiro público, além de não existir critérios de distribuição desse dinheiro. Tal situação faz com que a transparência deste recurso seja quase inexistente. Em reportagem assinada por Breno Pires e publicada na revista Piauí, o orçamento secreto está sendo protagonista de uma série de casos de fraudes envolvendo verbas do Sistema Único de Saúde (SUS), em valores que ultrapassam R$ 300 milhões de reais.

“O controle da máquina orçamentária por grupos que querem destruir o meio ambiente é fundamental para tornar a violência contra as comunidades tradicionais algo sistemático”, explica Cardoso. Para a assessora política do Instituto de Estudos Socioeconômicos (INESC), só se é possível retomar a política de defesa do meio ambiente com a rediscussão do orçamento secreto e do Teto de Gastos, lei que congelou os investimentos públicos por 20 anos.

Famílias Sem Terra também são atingidas por incêndios

Nos últimos dois meses, pelo menos, quatro áreas ocupadas por famílias Sem Terra também foram alvos de incêndios criminosos. Casos de fogo contra estas famílias foram registrados em Goiás, Tocantins, Bahia e Rio de Janeiro.

Em 12 de setembro deste ano, as 280 famílias do acampamento Dom Tomás Balduíno, em Formosa, Goiás, foram vítimas de um incêndio que atingiu suas casas, quintais produtivos, roçados e até a barraca de uma Igreja evangélica da comunidade. De acordo com as famílias, o ataque está ligado a fazendeiros da região, que estão insatisfeitos com a presença delas na área.

Igreja destruída pelo incêndio, no acampamento Dom Tomás Balduíno, em Formosa. Foto: Bárbara Dias/Articulação Agro é Fogo

Há inclusive, segundo relatos, uma estratégia de ação bem definida. Primeiro, os fazendeiros fazem a derrubada das árvores maiores, de modo a formar montes de vegetação. Estes montes, chamados de “lerões” são queimados em seguida, dando origem aos incêndios.

O incêndio provocou a perda total de várias unidades de produção e moradias dos assentados do (PDS) Osvaldo de Oliveira, RJ. Foto: Pablo Vergara

No último mês de agosto, um incêndio destruiu casas, plantações, sistemas de irrigação e a rede elétrica no Projeto de Desenvolvimento Sustentável (PDS) Osvaldo de Oliveira, localizado em Macaé, Rio de Janeiro. Mais de 60 famílias vivem no local, ocupando uma área de mais de 1,6 mil hectares.

No dia 1 de outubro, o acampamento Clodomir Santos de Morais, localizado em Ipueiras, Tocantins, foi atacado com fogo. O fogo, além de destruir as plantações dos agricultores, também danificou parte da vegetação nativa. Foi a segunda vez que o acampamento sofre com ataques de incêndio em menos de um mês, sendo que o outro ocorreu em 21 de setembro.

Incêndio no acampamento Clodomir Santos de Morais, em Ipueiras, TO. Foto: Comunicação MST/TO

Na última quarta-feira (12), mais de 20 pistoleiros atacaram o acampamento Antônio Maeiro, na Chapada Diamantina, Bahia. Os pistoleiros atearam fogo nas plantações e barracos, forçando as famílias a saírem de suas casas. O acampamento é referência na produção de alimentos sem veneno e as plantações foram todas dizimadas pelo ataque.

*Editado por Solange Engelmann