Tolerância e Diálogo

Liberdade religiosa é um direito garantido a todos os brasileiros?

Neste dia de luta contra a intolerância religiosa, entenda porque o Governo Lula traz perspectivas positivas diante de um país com ódio
Religiosos se unem pela democracia e os valores evangélicos
Foto: Reprodução

Por Fernanda Alcântara
Da Página do MST

A tão desejada e sonhada liberdade é um conceito que assume grande variedade de sentidos entre diversos autores, afinal, é difícil atribuir um significado consensual, mesmo em seus elementos fundamentais. Por sua vez, liberdade religiosa deriva do conceito de liberdade de pensamento, e compreende outras liberdades como liberdade de crença, liberdade de culto, liberdade de organização religiosa e liberdade de expressão.

Assim, a liberdade religiosa em um país tão diverso quanto o Brasil historicamente gera quase que automaticamente diversas formas, principalmente quando a interpretação teórica encontra tanta discordância na prática.

No que diz respeito a liberdade religiosa e o princípio de Estado Laico foi repetidamente questionado no desgoverno de Bolsonaro, mas não se trata de uma briga recente. A liberdade religiosa, que não pode ser reduzida à mera liberdade de culto, é um dos requisitos mínimos necessários para viver dignamente e os governos têm o dever de a proteger e de garantir a cada pessoa, respeitando o bem comum, a oportunidade de agir de acordo com a própria consciência.

Praticante de Umbanda no Terreiro. Foto: Marcelo Cruz.

E esse direito está expresso no artigo 18 da Declaração Universal das Nações Unidas de 1948, e na formulação da Constituição Brasileira de 1988, em que a discussão sobre os conceitos de liberdade religiosa mobilizou ateus, seguidores de todas as religiões e partidos políticos, resultando no artigo 5º, no sexto inciso:

 É inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e às suas liturgias”.

Resumidamente, o inciso garante que todos os brasileiros e estrangeiros que moram no Brasil são livres para escolher sua religião, praticar e professar sua crença e fé, seja num ambiente doméstico ou em um lugar público, sejam eles de religiões de matrizes africanas, de culturas dos povos originários, cristãos, umbandistas, espíritas ou adeptos de qualquer outra religiosidade. Mas na prática, esta não é a realidade.

A escalada da violência

O legado de ódio do governo de Jair Bolsonaro tem impacto direto nos casos de violência por motivos religiosos, principalmente, com religiosos de matrizes africanas. Com seu discurso, o governo exaltou por anos um nacionalismo religioso majoritário, oprimindo ainda mais as minorias religiosas. Religiões não-cristãs foram apresentadas como “estranhas” ao Estado e uma ameaça em potencial à chamada “cultura nacional”.

Esta escalada de violência pode ser conferida em números levantados pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. Enquanto o número de denúncias em 2019 foi de 17, em 2020 elas saltaram para 245, um aumento de 1341%. Em 2022, o estado com mais registros de denúncias é São Paulo, seguido do Rio de Janeiro, com 97, Minas Gerais (51), Bahia (39), Rio Grande do Sul (26), Ceará (11) e Pernambuco (13).

As religiões de matriz africana são o alvo mais frequente de quem não respeita a liberdade de crença. Segundo dados do Ministério dos Direitos Humanos, só em 2022 foram 1.200 ataques – um aumento de 45% em relação a 2020. Quase metade dos terreiros do país registrou até cinco ataques nos últimos dois anos, mostra também um mapeamento da Rede Nacional de Religiões Afro-Brasileiras, apresentado em novembro do ano passado em uma convenção da ONU, em Genebra.

A pesquisa ouviu representantes de 255 terreiros de todo o país, e 78% por cento dos entrevistados relataram que indivíduos de suas comunidades já sofreram algum tipo de violência motivada por racismo religioso.

Estas agressões eram endossadas pelo discurso de ódio do governo Bolsonaro, como no caso do pastor Felippe Valadão, da Igreja Lagoinha, que atacou religiões de matriz africana em um evento oficial de Itaboraí, na Região Metropolitana do Rio, em maio do ano passado. Em setembro do mesmo ano, o arcebispo de Aparecida, Dom Orlando Brandes, foi vaiado no Dia da Padroeira do Brasil, no Santuário Nacional de Aparecida, ao dizer que o país precisa “vencer muitos dragões”, como o ódio, a fome e o desemprego.

Bolsonaro e parte da bancada evangélica apostaram nesta toada conservadora, retrógrada e de fake news, enquanto a campanha eleitoral do presidente Lula tem sido marcada por um discurso inter-religioso, plural, e voltado para a diversidade e o respeito às diferentes crenças.

Os desafios de um país plural

O Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa foi instituído em 2007 pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, por meio da lei 11.635, com o argumento de ressaltar e dar visibilidade à luta pelo respeito a todas as religiões e promover a tolerância e o diálogo entre elas. Ela é uma homenagem à mãe de santo Gildásia dos Santos e Santos, Mãe Gilda, vítima de intolerância religiosa.

E entendendo a necessidade de vencer este discurso de ódio, uma das primeiras medidas sancionadas pelo presidente Lula foi a lei que tornou mais severas as penas para crimes de intolerância religiosa. A nova lei equipara o crime de injuria racial ao crime de racismo, e também protege a liberdade religiosa.

Assim, se antes a lei previa pena de um a três anos de reclusão, quem cometer o crime pode receber a pena de dois a cinco anos por ações como impedir ou empregar violência contra quaisquer manifestações ou práticas religiosas. Além disso, a pena será aumentada pela metade se o crime for cometido por duas ou mais pessoas, além de pagamento de multa. 

De acordo com a nota emitida pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, esta instauração garante liberdade religiosa à população. E a partir disso, ele afirmou que “acredita em uma cultura de paz e fraternidade, com a valorização das boas práticas religiosas.”

A luta pela Reforma Agrária Popular também passa pela promoção do acolhimento e da luta pela tolerância. Diante do crescimento fascista, com perdas de direitos bravamente conquistados pelos trabalhadores, de banalização das subjetividades e humanidades, de aniquilamento e genocídio, o MST segue lutando contra o discurso religioso para a promoção do fundamentalismo, do atraso e do conservadorismo, além das fake news.

40ª Romaria da Terra resgata luta do MST para conquista da fazenda Annoni
40ª Romaria da Terra resgata luta do MST para conquista da fazenda Annoni no RS. Foto: Acervo MST

Em sua programação, o Movimento mantém o diálogo com a sua base em encontros e seminários, como o 1º Seminário com Evangélicos/as de territórios de Reforma Agrária, realizado no final de 2022 no Pará, e o Encontro com religiosos Ecumênicos, realizado em junho do mesmo ano, em São Paulo, além das tradicionais Romarias da Terra, que ocorrem em territórios do MST e da luta pela terra no campo, relembrando a importância da religiosidade e do respeito a todas as religiões na luta pela democratização da terra e da transformação social.

E, neste sentido, sabemos a necessidade de ousar e mudar a proposta nefasta estabelecida por Bolsonaro. Contra a intolerância religiosa, somente a união e igualdade, onde liberdade é garantir que todos tenham o direito de rezar e de não rezar. Esta liberdade é plena e sagrada, desde que haja respeito, solidariedade e generosidade. Afinal, a vida, a democracia, a liberdade e o Estado de direito pertencem a todas, todos e todes indistintamente.

*Editado por Solange Engelmann