Jornada das Mulheres

Mulheres do campo e da cidade do PR preparam marcha por direitos e “despejo zero”, em Curitiba

Ação é em referência ao Dia Internacional da Mulher, celebrado no 8 de março. Cerca de 1500 mulheres, de todas as regiões do Paraná, participam da mobilização no dia 7
1ª marcha realizada em conjunto pela articulação Despejo Zero em Curitiba, no dia 17 de março de 2022. Foto: Gibran Mendes

Por Ednubia Ghisi, do Setor de Comunicação e Cultura do MST-PR
Da Página do MST

Na próxima terça-feira (7), cerca de 1500 mulheres do campo e da cidade farão uma Jornada de Lutas no centro de Curitiba, para cobrar direitos e “despejo zero” no Paraná. A ação vai ocorrer às vésperas do Dia Internacional da Mulher, 8 de março, e vai reunir pessoas vindas de comunidades rurais e indígenas de todas as regiões do estado e de ocupações urbanas da capital e da região metropolitana.

A ação é organizada pelas mulheres da Articulação Despejo Zero Paraná, que há cerca de um ano se mobiliza pelo direito à moradia e acesso à terra para a reforma agrária. A Jornada também vai reivindicar pautas históricas e atuais, traduzidas no estado no lema “Mulheres em resistência, contra todas as formas de violência. Por Terra, Teto e Trabalho, por democracia e sem anistia”. 

A marcha está prevista para começar às 13h da Praça 19 de Dezembro rumo à Praça Nossa Senhora de Salette, no Centro Cívico. A partir das 14h terá início uma audiência no Palácio das Araucárias, no auditório Mário Lobo, com autoridades municipais e estaduais, quando será entregue a pauta de reivindicações das mulheres. 

Entre os nomes confirmados estão os desembargadores do Tribunal de Justiça Maria Aparecida Blanco e Fernando Prazeres; Roland Rutyna superintendente Geral de Diálogo e Interação Social do governo do estado (SUDIS); Nilton Bezerra, superintendente do INCRA/PR; Aline Bilek e Regis Sartori, do Ministério Público estadual (MP/PR), além parlamentares e prefeitos. 

Ao final da audiência, haverá a partilha de 800 cestas de alimentos oferecidas pelas camponesas Sem Terra para as moradoras de ocupações urbanas, como manifestação de solidariedade e resistência conjunta entre as mulheres. A iniciativa também irá cobrar agilidade no fomento à agricultura familiar e agroecológica para a produção de alimentos, e para a realização de políticas públicas de combate à fome.

A Articulação Despejo Zero é formada por movimentos e coletivos, entre eles o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), o Movimento Popular por Moradia (MPM), o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), o Movimento de Trabalhadores Por Direitos (MTD); a União de Moradores e Trabalhadores (UMT), coletivo Marmitas da Terra, entre outros coletivos e organizações.  

Bruna Zimpel, da direção nacional do MST pelo Paraná, acampada em Clevelândia, sudoeste do Paraná, enfatiza a importância da união entre as mulheres de diferentes realidades, mas que têm pautas em comum: “acreditamos que este é um cenário de muitas possibilidades e também da necessidade de seguir pautando a melhoria da qualidade de vida das nossas famílias, das mulheres e das crianças”. 

Entrega das Marmitas da Terra na ocupação Tiradentes, na Cidade Industrial de Curitiba durante a pandemia da Covid-19, em 2020. Foto: Ednubia Ghisi/MST-PR

A demanda por moradia é a principal preocupação da ocupação Dona Cida, na Cidade Industrial de Curitiba, onde vive Juliana Teixeira, mãe de três filhos. “A gente queria tanto que pudessem regularizar as nossas áreas pra que a gente tivesse direto ao que todo mundo tem, ao lazer, a um parquinho, um campo de futebol pras crianças. Pra nós é tão difícil”. 

A energia elétrica é outro problema cotidiano das famílias. “A gente não consegue ter eletros, não consegue ter nada”, lamenta. É comum ouvir relatos de mulheres que perderam máquina de lavar, geladeiras e outros eletrodomésticos queimados por conta da baixa qualidade da energia.  

A comunidade faz parte de um complexo de ocupações, formado também pelas vilas Primavera, 29 de Março, Tiradentes 1 e 2, onde vivem mais de 2 mil famílias que lutam por regularização fundiária e direitos básicos. 

Jornada de Lutas das Mulheres Sem Terra do PR  

Para as mulheres do MST no Paraná, as ações do dia 7 fazem parte de uma jornada de três dias, entre 6 e 8 de março. Está prevista a participação de mais de 500 camponesas, de todas as idades, acampadas e assentadas em comunidades do MST do estado.

Coletivo de mulheres Ana Primavesi, Acampamento Terra Livre, Clevelândia, preparando alimentos para a Jornada das Mulheres em Curitiba. Foto: Daiane Prado/MST-PR

Para garantir a realização do encontro, foram meses de organização, reuniões locais, estaduais, presenciais e online, ações locais de arrecadação de recursos, venda de rifas e produtos produzidos pelas próprias mulheres. 

Bruna Zimpel contra que a Jornada é resultado de um trabalho permanente de organização das mulheres desde os seus territórios e comunidades: “Estamos há vários meses nos organizando para estar construindo e participando desse momento. Será um momento muito bonito e completo, de estudo, formação, mas também de ações de solidariedade, de cultura e negociação”.

Além da marcha e da negociação unitária no dia 7, a programação da Jornada das Mulheres Sem Terra terá formações sobre a conjuntura atual, questão agrária e o enfrentamento à fome, as relações emancipatórias e o autocuidado. Também estão previstas atividades culturais e visitas a museus da cidade. Negociações com secretarias do governo estadual e como Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), também ocorrer ao longo dos três dias. 

Antes de voltarem para casa, as mulheres do campo também participam da marcha do dia 8 de março no centro da capital, organizada pela Frente Feminista de Curitiba, RMC e Litoral. A manifestação terá concentração na Praça Santos Andrade, às 17h.  

A ação do MST no Paraná faz parte da Jornada Nacional de Lutas das Mulheres Sem Terra, que traz como lema “O agronegócio lucra com a fome e a violência, Por terra e democracia, mulheres em resistência”. A centralidade das lutas e denúncias focam no problema da fome no Brasil, da violência e da destruição da natureza.

As camponesas também denunciam as diversas formas de violências patriarcal e racial, que atingem as pessoas em condições de vulnerabilidade e o avanço nos casos de feminicídio, assassinatos LGBTIfóbicos e suicídios no campo.

As mulheres camponesas são as principais responsáveis por iniciativas de produção agroecológica e livre de transgênicos. Fotos: Juliana Barbosa/MST-PR 

Setores do agronegócio têm criado laços estreitos e perigosos com o neofascismo, crescente na sociedade brasileira. Por isso as mulheres Sem Terra seguem em luta e resistência por terra, para dela cuidar e produzir alimentos saudáveis e por democracia. Na defesa da Reforma Agrária Popular e da soberania alimentar, na construção de relações humanas emancipadas, livres de todas as formas de violência. 

Por que as mulheres se manifestam?

O dia 8 de março é a data anual em que mulheres de todo o mundo se manifestam por direitos iguais e pelo fim da violência. No Brasil, os últimos anos têm sido de crescimento dos casos de feminicídio (ou seja, são assassinadas somente pelo fato de ser mulher). 

Segundo a pesquisa realizada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, cerca de 18,6 milhões de mulheres brasileiras foram vitimadas em 2022. Para se ter dimensão deste número, é o equivalente a um estádio de futebol com 50 mil pessoas lotado todos os dias. Todas as formas de violência contra a mulher apresentaram crescimento acentuado no ano passado: 28,9% das brasileiras sofreram algum tipo de violência de gênero em 2022, 4,5% a mais do resultado da pesquisa anterior.

No caso dos feminicídios, o primeiro semestre de 2022 também registrou recorde, com 10,8% a mais em relação ao mesmo período de 2019. Quatro mulheres foram assassinadas por dia entre janeiro e junho, em média, totalizando 699 vítimas. Entre esses casos, 62% das vítimas eram negras e cerca de 80% delas foram mortas por parceiros ou ex-parceiros íntimos. Em 2021, foram 1.341 feminicídios. 

Mobilização da articulação Despejo Zero em Curitiba, em setembro de 2022. Foto: Giorgia Prate
Mãe e filhos acompanham a destruição de sua moradia durante o despejo forçado da comunidade Povo Sem Medo, Tatuquara, sul de Curitiba, em janeiro de 2023. Foto: Juliana Barbosa/MST-PR 

Quando o assunto é o acesso à moradia e à terra, as mulheres são mais prejudicadas em situações de despejo, e também quando não há infraestrutura nas comunidades, como acesso à saúde, educação, transporte. Isso porque 15 milhões de moradias informais são ocupadas por mulheres, número que representa 60% do total desses lares no Brasil, segundo dados de 2021. E também por estar concentrada nas mulheres a responsabilidade pelo cuidado dos filhos e de pessoas idosas. 

Pelo menos 7 mil famílias, de 83 comunidades rurais, sofrem com os riscos de despejo no estado. Segundo levantamento do Plano Estadual de Habitação, feito pelo próprio governo do estado e divulgado neste ano, cerca de 511 mil famílias paranaenses não têm lugar adequado para morar. O número de famílias em favelas passou de 90 mil para 114 mil entre 2019 e 2022.

Em 2019, o governo Ratinho Junior despejou 9 comunidades rurais no Paraná. A mobilização contra os despejos se fortaleceu com a Vigília Resistência Camponesa, que durou 3 meses, em Cascavel. Foto: Julio Cesar
Ao longo de toda a pandemia da Covid-19, o MST no Paraná partilhou mais de mil toneladas de alimentos, com grande envolvimento das mulheres Sem Terra. Foto: Arquivo MST

*Editado por Solange Engelmann