Meio Ambiente

As tragédias climáticas são um crime dos grandes projetos do capital na Amazônia

O agronegócio, a mineração e o hidronegócio sustentam esse modelo e são gigantes demandadores de terra e territórios. Mas, o que isso tem a ver com os problemas do clima de hoje?
Foto: Sandro Pereira

Por Beatriz Luz
Da Página do MST

São as águas de março fechando o verão ….

A realidade vivenciada pela região amazônica, hoje, não é isolada e casual. A fúria em que as mudanças climáticas aterrizam no Acre, Amazonas, Pará, Rondônia, Tocantins e Maranhão carregam em si tragédias anunciadas e destruições em massa para os mais pobres.  As enchentes, alagamentos, derrubamentos estão longe de serem consideradas fenômenos naturais.

No Amazonas, são muitas as imagens e vídeos que mostram casas sendo transportadas por inteiro pelas enchentes que ocupam as ruas de Manaus. No Acre, já chegam a 3.000 famílias desabrigadas ou desalojadas. Em pelo menos 37 bairros e 27 comunidades rurais atingidas pelas cheias do Rio Acre, foram decretadas situação de emergência em Rio Branco. No Pará, na região nordeste (Cametá e Moju) e sudeste (Marabá), as enchentes estão deixando centenas de pessoas fora de suas casas.

Pelo menos quatro aldeias da Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau ficaram alagadas a partir do rio Pacaás Novos, na região de Guajará-Mirim em Rondônia, mais de 300 km da capital Porto Velho. Indígenas tiveram que se acomodar em barcos ou improvisar abrigos. No Tocantins, indígenas foram resgatados de helicóptero, depois do alagamento da aldeia e em todo o estado 382 pessoas tiveram que sair de suas casas por causa da inundações. No Maranhão, 49 cidades estão em situação de emergência, 31 mil famílias sofrem pelas enchentes e quase 6 mil precisaram deixar suas casas. Seis pessoas morreram em decorrência das fortes chuvas.

Em comum, estas catástrofes deixam milhares de famílias submetidas ao sofrimento social da negação do direito de existir.  Transformam-se em sem teto, sem roupas, sem comida, sem cobertas, sem móveis, sem documentos. As águas de março, tão afetuosamente cantadas por Elis Regina, não são as responsáveis por esta avalanche de destruições. Estas famílias estão em zonas de sacrifício necessárias para o sistema capitalista, onde a precarização de infraestruturas de moradia e saneamento combinada a ocorrência de extremos climáticos produzem afetações e violações que estão na esteira das desigualdades predominantes deste período.

Os problemas climáticos se multiplicam e tornam-se cada vez mais recorrentes. Em cada pessoa desalojada e em todas as vidas perdidas, devemos enxergar o resultado de um modelo em que a descartabilidade humana é central para a sua reprodução. A Amazônia é incorporada a esse modelo cumprindo o papel de supridora de bens naturais, produtora de commodities para exportação, com vantagens locacionais próprias da geografia dos rios que ali estão. Até quando a Amazônia será uma zona de sacrifício em que as pessoas não são consideradas e a morte é dada como factual?

O agronegócio, a mineração e o hidro negócio são sustentáculos fundamentais desse modelo e são gigantes demandadores de terra e territórios. Mas, o que isso tem a ver com os problemas do clima de hoje?

A progressão na emissão de gases de efeito estufa – dióxido de carbono, metano e óxido nitroso – elevou a temperatura média do planeta de 14,2 °C para os atuais 15,5 °C. Pode parecer insignificante, mas a elevação de 1,2 °C no decorrer das últimas décadas promovem consequências já sentidas (IPCC, 2022). O aumento no nível do oceano, a intensidade das chuvas, secas severas, temperaturas incomuns em determinados períodos do ano são sentidas, literalmente, na pele daqueles que resistem nas zonas de sacrifício.

O pacote fundiário, empresarial e financeiro que envolvem o tripé – agronegócio, mineral negócio e hidro negócio – são os maiores emissores de gases de efeito estufa no mundo.  São fortes indutores de desmatamento e artificializam a natureza como modus operandi. Para citar alguns exemplos, segundo o IBGE, em 2022, a produção de soja no Brasil atingiu novos recordes, pela primeira vez na história, mais de 46% dos 88 milhões de hectares plantados no país são destinados à produção do grão.  O monocultivo de grãos, a mineração em larga escala, o garimpo ilegal, a pecuária, a exploração madeireira, a construção de hidrovias, ferrovias, portos, hidrelétricas e outras infraestruturas logísticas que viabilizam os grandes projetos do capital estão no centro da responsabilização ambiental que envolvem os problemas climáticos de hoje.

Racismo ambiental e mudanças climáticas

É comum escutarmos que as mudanças climáticas são ou serão sentidas por toda a sociedade. De certo, ninguém está blindado de qualquer evento climático ou catástrofe ambiental, mas, mais certo ainda é compreendermos que os grupos econômicos que aprofundam a crise climática, não vivenciam de forma igual as consequências desastrosas da instabilidade climática dominante, porque apesar de global, seus efeitos afetam de maneira desigual mais fortemente pobres, as mulheres e o sul global.  Os chamados refugiados climáticos são trabalhadores e trabalhadoras que sustentam o campo e a cidade, negros e negras presentes nas indústrias, na prestação de serviços, no comércio, nos trabalhos informais mais diversos.

Reforma Agrária Popular como alternativa para o enfrentamento às mudanças climáticas

Para reverter o cenário da crise climática instalada, é necessário um conjunto de ações emergenciais de assistência que busquem a reconstrução das condições necessárias para a reprodução da vida, bem como ações de solidariedade que alcancem os/as sujeitos/as em situação de vulnerabilidade. Mas, mais do que ações emergenciais, são necessárias políticas estruturais capazes de transformar a realidade com base em sistemas produtivos sociobiodiversos e, para isso, a democratização da terra e território são pré-condição para que os povos continuem, fortaleçam e ampliem as alternativas em curso para a redução de gases de efeito estufa.

*Editado por Fernanda Alcântara